O desideratum de todo semeador é colher bons frutos de sua semeadura, afinal, toda árvore que não dá bons frutos deve ser arrancada e lançada à fornalha. Portanto, semeador e ceifeiro são correlatos necessários; semeadura e ceifeiro complementam-se.
"E o semeador saiu a semear":
Enquanto lançava sementes - suas palavras - delas se valeram os insensatos, os ignorantes, ignóbeis, idiotas, oligofrênicos, que só entendem a linguagem do prazer, das necessidades mesquinhas; aqueles em que a pequenez do pensar oblitera as grandes realizações e banalizam qualquer esforço por melhorá-los. Usam de sua consciente pequenez para auferir lucros e angariar comiseração entre os seus. Então, não o maligno, mas o semeador se traveste em ceifeiro e os esmaga, os pune, os aniquila. E o semeador estava com Deus, e o ceifeiro era Deus.
E o semeador continuou a semear:
Suas palavras, então, foram incorporadas pelos párias, pelos pândegos, pelos oportunistas, fracos, pusilânimes, pois que as palavras lhes são convenientes. Mostram-se comovidos, usam-nas como escudo e argumento para ocultar suas fraquezas; em face de qualquer outra proposta mais efusiva ou menos exigente as abandona. E mais uma vez o ceifeiro lhes põe fim a existência, arrancando-lhes os dentes e as línguas, evitando com isso que as palavras se percam ou sejam utilizadas de modo espúrio. E o segador estava om Deus; e o segador era Deus.
E lá se foi o semeador a semear:
Outras de suas palavras foram apropriadas pelo mau-caratismo hermenêutico: pelos poderosos, elegantes, vaidosos, pela canalha manipuladora, por bastardos enganadores, cínicos, por bajuladores, que se valem do que não creem para esmagar, humilhar, vituperar os que, de modo sincero, deixam-se fertilizar pela semente das palavras. Desta feita, o semeador trajado de ceifeiro os abate, os extirpa, os consome, não antes de torturá-los, ouvir seus lamentos e gritos. Semeador e ceifeiro estavam com Deus; eram o próprio Deus.
E continua a semeadura:
Outras palavras caíram em boa terra: foram assimiladas pelos simples, os cientes de suas dificuldades, mas que manifestam mérito pelo esforço em compreender os ensinamentos; méritos em não se fazerem de coitados ao exigir da sociedade que lhes reconheçam em uma posição inferior; são os abnegados, que se opõem ferrenhamente a barganharem seus ideais; são aqueles que manifestam uma dignidade desconhecida por muitos; são os que, em geral, desprezados pela mediocridade, buscam neutralizar os efeitos nocivos de uma sociedade demente. E o semeador, enfim, pode realizar todo o seu trabalho e apreciar seus frutos.