quinta-feira, 18 de abril de 2013

O semeador

O desideratum de todo semeador é colher bons frutos de sua semeadura, afinal, toda árvore que não dá bons frutos deve ser arrancada e lançada à fornalha. Portanto, semeador e ceifeiro são correlatos necessários; semeadura e ceifeiro complementam-se.
"E o semeador saiu a semear":
Enquanto lançava sementes - suas palavras - delas se valeram os insensatos, os ignorantes, ignóbeis, idiotas, oligofrênicos, que só entendem a linguagem do prazer, das necessidades mesquinhas; aqueles em que a pequenez do pensar oblitera as grandes realizações e banalizam qualquer esforço por melhorá-los. Usam de sua consciente pequenez para auferir lucros e angariar comiseração entre os seus. Então, não o maligno, mas  o semeador se traveste em ceifeiro e os esmaga, os pune, os aniquila. E o semeador estava com Deus, e o ceifeiro era Deus.
E o semeador continuou a semear:
Suas palavras, então, foram incorporadas pelos párias, pelos pândegos, pelos oportunistas, fracos, pusilânimes, pois que as palavras lhes são convenientes. Mostram-se comovidos, usam-nas como escudo e argumento para ocultar suas fraquezas; em face de qualquer outra proposta mais efusiva ou menos exigente as abandona. E mais uma vez o ceifeiro lhes põe fim a existência, arrancando-lhes os dentes e as línguas, evitando com isso que as palavras se percam ou sejam utilizadas de modo espúrio. E o segador estava om Deus; e o segador era Deus.
E lá se foi o semeador a semear:
Outras de suas palavras foram apropriadas pelo mau-caratismo hermenêutico: pelos poderosos, elegantes, vaidosos, pela canalha manipuladora, por bastardos enganadores, cínicos, por bajuladores, que se valem do que não creem para esmagar, humilhar, vituperar os que, de modo sincero, deixam-se fertilizar pela semente das palavras. Desta feita, o semeador trajado de ceifeiro os abate, os extirpa, os consome, não antes de torturá-los, ouvir seus lamentos e gritos. Semeador e ceifeiro estavam com Deus; eram o próprio Deus.
E continua a semeadura:
Outras palavras caíram em boa terra: foram assimiladas pelos simples, os cientes de suas dificuldades, mas que manifestam mérito pelo esforço em compreender os ensinamentos; méritos em não se fazerem de coitados ao exigir da sociedade que lhes reconheçam em uma posição inferior; são os abnegados, que se opõem ferrenhamente a barganharem seus ideais; são aqueles que manifestam uma dignidade desconhecida por muitos; são os que, em geral, desprezados pela mediocridade, buscam neutralizar os efeitos nocivos de uma sociedade demente. E o semeador, enfim, pode realizar todo o seu trabalho e apreciar seus frutos.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Palavras!


Facundo acordou bem cedo e deu início a seus afazeres. Ainda em casa ouviu o primeiro Bom Dia! Perguntou-se: Este seria mesmo um Bom Dia? Ao descer pelo elevador do prédio onde morava ainda ouviu dois ou mais sonoros Bom Dia! O porteiro também lhe dirigiu um Bom Dia! Na rua, no transporte, no trabalho também não lhe faltaram o tal Bom Dia!

Mas o que é afinal o Bom Dia? Pensou de si para consigo. Um desejo? Uma constatação? Afirmação? Saudação? Formalidade? Mera Educação? Ironia? Facundo também observou que tal fenômeno estendia-se a muitas outras palavras, ou expressões, locuções. Pareceu-lhe, então, que a expressão estaria vinculada à conotação, isto é, algo associado à subjetividade, à cultura ou ao estado emocional. Enfim, a conotação transcende o significado literal das palavras - sua denotação - e assimila sentidos outros diferentes daquele empregado. Portanto, nem toda palavra - grande parte, na verdade - estaria associada à ideia.

Ainda perplexo, entendera que a comunicação se dava por metáforas, pois que as narrativas se valiam de comparações para evocar outras realidades. Abatido, Facundo concluiu que a comunicação era uma farsa, um embuste, uma grande comédia. As relações estavam comprometidas, os sentimentos estavam neutralizados, a verdade se fora, a certeza se esvaíra. Tristemente Facundo pensou nos advogados, nos políticos, nos oradores, nos pregadores, nos vendedores. Por fim pensou em Éolo, pois afinal, o vento é quem conduzia as palavras. Enfim, flatus voices.

Mas por que os homens falam? A comunicação oral é, de fato, necessária? Seria uma exigência social como tantas outras? Facundo, então, entendeu que a comunicação saudável, indubitável, incorrigível, irrepreensível, aquela que carece de interpretação, só seria possível entre seres que não apresentassem sentimentos, que estivessem distante de modelos e padrões comportamentais, que não buscassem ir além de si mesmos, que não desejassem senão o que a vida lhes proporciona. A verdadeira comunicação estaria restrita ao pensar; seria um em si e para si. Nada mais!

Facundo recordou-se de Luigi Pirandello: "Tem ideia de quanto mal nos fazemos por essa maldita necessidade de falar?" Fez uma sincera e comovida prece à ninfa Eco e nunca mais proferiu uma sílaba sequer.