Certa senhora chamou pelo seu cão: “-
Ferrugem!” E o animal fez-se presente a emitir um sonoro “Au-au”, enquanto
abanava a calda. A mulher, a desfazer-se em mesuras e carícias ao mastim,
acrescentou: “- Que animal inteligente; ele até me responde!” De outra feita, a senhora deixou cair água
sobre o dorso do cão. Rapidamente o acariciou e fez a pergunta: “- Perdoas a
mamãe?”. O cão, ainda a sacudir o corpanzil emitiu um pálido “Au-au”. A mulher,
então, emitiu mais um parecer: “- Que maravilha: ele me perdoa!”. Dias mais
tarde, sem oscilar a cauda, Ferrugem pôs-se a latir para alguém que passava
pela rua; foram repetidos “Aus-aus”.
Linguagem (idiomas em sua totalidade) é
isso: a depender das circunstâncias, afinidades e estado de espírito dos
interlocutores, as interpretações podem ser as mais variadas; palavras assumem
os mais diversos significados. Pelo menos Ferrugem dispõe de um balouçar de
cauda para corroborar ou não o que enseja expressar; poder-se-ia falar ainda em
choramingos, uivos, rosnados. Seres humanos, portanto, deveriam falar menos, ou
quase nada, ou melhor: nada.
Aqui poderíeis argumentar sobre o uso recursal
das figuras de linguagem, ou seja, aquilo que dá ao texto um significado além
de sua literalidade. Será? Ao afastarem-se da denotação, os termos assimilam a
plurissignificação. Por exemplo: a metáfora é uma comparação assintomática; a
metonímia estabelece sinonímia entre termos; a catacrese é a tentativa de
resgatar um sentido original; a perífrase não vai além dos apelidos; a
sinestesia aproxima-se do simbolismo. Outrossim, as figuras de sintaxe volta-se
à construção de um texto, isto é, oculta, omite, repete. Isso sem falar na
silepse que, na verdade, opõe-se à concordância.
Nada obstante, alguém mais intelectualizado
poderia citar Nietzsche, pois o filólogo antes de ser filósofo, declarara que
as metáforas expressam melhor sentimentos e/ou narrativas. Todavia, existem
metáforas e metáforas, e a depender deste recurso a significação tornar-se-ia
inda mais dissimulada. Enfim, ficai atentos, pois linguagem é sintoma de
precariedade, de limitação, de subdesenvolvimento. A música expressa melhor os
sentimentos do que as linguagens.
Atenção: Eu disse música, simplesmente música (melodia, harmonia e
ritmo); não referi-me a canções, onde a linguagem é explorada do mesmo jeito
caótico.
A escrita, talvez, quando bem
trabalhada, possa fornecer algum bom lastro no exprimir de ideias ou
impressões, mas ainda assim ficará a mercê de circunstâncias, crenças,
sentimentos... Bem, nesse caso, desconhecei tudo o que aqui foi dito e lançai o
presente texto em um magnífico monturo. Mas em silêncio! Chiu! Caluda!