sábado, 8 de julho de 2023

Algaravia

 

Certa senhora chamou pelo seu cão: “- Ferrugem!” E o animal fez-se presente a emitir um sonoro “Au-au”, enquanto abanava a calda. A mulher, a desfazer-se em mesuras e carícias ao mastim, acrescentou: “- Que animal inteligente; ele até me responde!”  De outra feita, a senhora deixou cair água sobre o dorso do cão. Rapidamente o acariciou e fez a pergunta: “- Perdoas a mamãe?”. O cão, ainda a sacudir o corpanzil emitiu um pálido “Au-au”. A mulher, então, emitiu mais um parecer: “- Que maravilha: ele me perdoa!”. Dias mais tarde, sem oscilar a cauda, Ferrugem pôs-se a latir para alguém que passava pela rua; foram repetidos “Aus-aus”.

Linguagem (idiomas em sua totalidade) é isso: a depender das circunstâncias, afinidades e estado de espírito dos interlocutores, as interpretações podem ser as mais variadas; palavras assumem os mais diversos significados. Pelo menos Ferrugem dispõe de um balouçar de cauda para corroborar ou não o que enseja expressar; poder-se-ia falar ainda em choramingos, uivos, rosnados. Seres humanos, portanto, deveriam falar menos, ou quase nada, ou melhor: nada.

Aqui poderíeis argumentar sobre o uso recursal das figuras de linguagem, ou seja, aquilo que dá ao texto um significado além de sua literalidade. Será? Ao afastarem-se da denotação, os termos assimilam a plurissignificação. Por exemplo: a metáfora é uma comparação assintomática; a metonímia estabelece sinonímia entre termos; a catacrese é a tentativa de resgatar um sentido original; a perífrase não vai além dos apelidos; a sinestesia aproxima-se do simbolismo. Outrossim, as figuras de sintaxe volta-se à construção de um texto, isto é, oculta, omite, repete. Isso sem falar na silepse que, na verdade, opõe-se à concordância.

Nada obstante, alguém mais intelectualizado poderia citar Nietzsche, pois o filólogo antes de ser filósofo, declarara que as metáforas expressam melhor sentimentos e/ou narrativas. Todavia, existem metáforas e metáforas, e a depender deste recurso a significação tornar-se-ia inda mais dissimulada. Enfim, ficai atentos, pois linguagem é sintoma de precariedade, de limitação, de subdesenvolvimento. A música expressa melhor os sentimentos do que as linguagens.  Atenção: Eu disse música, simplesmente música (melodia, harmonia e ritmo); não referi-me a canções, onde a linguagem é explorada do mesmo jeito caótico.

A escrita, talvez, quando bem trabalhada, possa fornecer algum bom lastro no exprimir de ideias ou impressões, mas ainda assim ficará a mercê de circunstâncias, crenças, sentimentos... Bem, nesse caso, desconhecei tudo o que aqui foi dito e lançai o presente texto em um magnífico monturo. Mas em silêncio! Chiu! Caluda!


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