sábado, 20 de julho de 2024

Uma tarde em Odessa


Grande amigo, diplomata, disse-me que falar francês é fácil: deve-se começar sempre por um sonoro Bonjour, em meio a frase solta-se uns dois ou três assintomáticos Voilà e ao terminar um sincero Merci. Seria verdade? Não o saberia dizer, mas algo parecido sucedeu comigo no porto de Odessa, Ucrânia, então parte da extinta União Soviética.

Meado dos anos oitentas; janeiro, se a memória não está a me pregar peças. O Mar Negro em parte congelado. Por isso a proa bulbosa dos navios: quebrar gelo. E eu em Odessa... Não, eu não fora ali em busca de nenhum dossiê. Simplesmente minha vida de marinheiro mercante facultou-me oportunidades únicas. Creio não ser necessário dizer do frio intenso, mas é bom fazê-lo. Como suportar a temperatura daquele lugar? Alertaram-me para que saísse à tarde, pois a noite eu não aguentaria. E assim o fiz. O céu acinzentado, impassível... O impiedoso clima me incomodava. Solução? Um bar!

Adentrei o recinto não querendo parecer neófito. Qual nada; perda de tempo. E o idioma? Eu decorara, se muito, três ou quatro palavras; todas exclamações. E por incrível que pareça, foi com elas que passei uma tarde em Odessa. Minha primeira palavra: Vodka! (dispensa tradução). Assim que era servido, eu agradecia com spasibo! (obrigado). Em seguida, com o copo em riste, eu exclamava zdorov’ye! (saúde). Bem, isso se repetiu incontáveis vezes, até que o frio pareceu ter-se ido e a cabeça dar início ao penoso giro. Despesa paga, antes de abandonar o recinto, voltei-me com veemência e disparei um dasvidaniya! (adeus).

Nunca mais tive oportunidade de retornar a Odessa; ficaram apenas lembranças. Dentre estas a do companheiro de viagem que, entusiasmado pelo idioma e costumes soviéticos, e de tanto ver certo termo estampado em boletins, cartazes e documentos nos quadros de avisos, decidiu colocar o nome do filho recém-nascido de MockBa.      


quarta-feira, 10 de julho de 2024

Vivere

 


Um dia qualquer, talvez data de importância abstrata... e eu quis viajar. Para onde? Determinado lugar, algo distante; diziam-no paradisíaco. Recordei-me da amiga que morava próximo a meu intentado destino. Alguma bagagem e a viagem teve início. Então se passaram dois dias ou mais; não sei ao certo. Primeira parada: casa da amiga. Que coisa esquisita! Ela me pareceu alheia, irreconhecível, uma estranha. Onde o carinho, a atenção, a empatia? Abracei-a, mas foi tudo desconfortável. Optei por despedir-me. Assim o fiz e parti em busca do dito paraíso. Qual nada! Lugar desconfortável com poucos casebres; pessoas amargas, desconfiadas, agressivamente fleumáticas. Evadi-me. E lá deixei muito de mim, além do casaco e da pouca bagagem.

Vida é isso, ou bem mais do que isso: nem caverna platônica, Matrix ou a vaidade de vaidades salomônica. Viver é colecionar mentiras!