Não sei se em virtude da idade, surpreendo-me, e com alguma constância, a refletir, mesmo que descuidadamente, sobre a morte. Todavia, tal sintoma não é intempestivo, pois “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu: há tempo de nascer e tempo de morrer; ...” (Eclesiastes 3:1 e 2). Então constato que a morte sofre preconceito; é marginalizada, demonizada, é tida como castigo, como penitência, tormento... A ciência mesma a tem por inimiga; quer derrotá-la, vencê-la, desarraigá-la. E o mais risível: a ela consagram fingida indiferença. Nesse caso, para redimir-me da contagiante pseudo indiferença, permito-me dedicá-la algumas linhas.
Bem, ciente de sua iminência - a morte
-, não há como declarar-me surpreso. Entendo, portanto, ser plausível o ocupar-me
com algo próximo de certa ambientação; ou seria preparação? Afinal, não sejamos
néscios, mas tais como virgens prudentes; levemos não só as lâmpadas, mas
também o azeite para as mesmas. Quando o noivo chegar, mesmo que estejamos adormecidos,
saiamos a seu encontro antes que a porta se feche. Não imploremos para que se
nos abra a porta. “Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora”. (Mateus,
25:1 a 13).
Pois bem, e como nos ambientarmos para
a morte? Uma advertência: há os que chamam a morte de “indesejada”, e para
estes tal ambientação parecerá absurda. Nada obstante, a indesejada chegará,
aguardada ou não. Nesse caso, faço uso da aposta de Pascal: vós, que ostentais
a alcunha de “racionais”, vivei de acordo com a perspectiva de que Deus existe
e que a morte não é o fim de tudo, mesmo que a dita razão nada vos possa afirmar.
Bem, e já que a morte não é o fim de tudo, por certo, adentrareis uma outra
dimensão. Meu convite, portanto, faz-se no sentido de preparar-vos para nova
atmosfera, para o inusitado do novo ambiente.
“Quando eu era menino, falava como
menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem,
desisti das cousas próprias de menino. Porque agora vemos como em espelho,
obscuramente, então veremos face a face; agora conheço em parte, então
conhecerei como também sou conhecido”. (Coríntios 13: 11 e 12). Abandonemos,
portanto, a agitação, os rasgos de vaidade, de orgulho. Neguemo-nos a nós
mesmos. Voltemo-nos à vida simples, aos hábitos modestos. Adotemos alimentação
frugal, saudável e livre dos muitos temperos. Atenhamo-nos ao muito lucubrar e
ao pouco falar. Busquemos a proximidade da leitura profícua, engrandecedora. Na
música e artes em geral, pendamo-nos para o que traz alento, conforto,
completude. No mais, cumulemos o ainda existir com orações. Então, quando a não
mais indesejada chegar, encontrar-nos-á lúcidos, exultantes e nada reticentes.