segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Um teatro mambembe

 

Respeitar-vos-ei se quiserdes entender o relato a seguir como mais uma teoria da conspiração. Todavia, fontes não oficiais aliadas ao bom senso conduziram-me nesta empreitada. Vamos a ela! Perguntamo-nos por que centenas de pessoas acampadas durante tantos meses em frente ao quartel-general em Brasília resolveram, de uma hora para outra, invadirem e destruírem os prédios do governo. É bom frisar que durante o tempo decorrido no referido acampamento, jamais se observou quaisquer atitudes de agressão, desrespeito e/ou baderna. Mas chegou o 8 de janeiro e então...

Permitamo-nos, contudo, observar detalhes que a velha imprensa omite: Um ou dois dias antes (6 ou 7 de janeiro) do acontecido, autoridades, ligadas aos militares, aconselharam ao grupo de acampados que desistissem do movimento, pois nada adiantaria, haja vista as decisões tomadas e o governo já em transição. Então o grupo começou a dissolver-se. Mas o governo recém eleito e seus pares não gostaram da pretendida dissolução, até porque algumas “medidas” (???) já haviam sido tomadas. Coincidentemente, o presídio da Papuda fizera recente licitação e acabara de receber 1000 colchões dias antes do dia 8 de janeiro. De repente, os acampamentos que estavam em fase de desconstrução experimentaram o recebimento de novos “apoiadores”, que incitavam maior empenho e uma “visita” aos prédios dos três poderes. E a visita teve lugar. Os novos “patriotas”, além de camisas em verde e amarelo, usavam máscaras ao estilo Black Blocs; outros usavam máscaras contra gases e luvas de proteção. Fato curioso é que militares semi fardados (sem identidade ou posto) participaram do quebra-quebra. E a polícia chegou ostentando truculência, a usar balas de borracha e gás de efeito moral. Os militares presentes nos palácios aconselhavam aos manifestantes a não saírem das dependências, pois que ali estariam seguros. Bem, mas a polícia reconheceu e capturou apenas os manifestantes que NÃO (o grifo é meu) usavam máscaras. Prendeu crianças e pessoas de idade avançada; cidadãos que sequer estiveram nas dependências dos palácios foram também encarceradas.  Dias antes, em 12 de dezembro, dia da antecipada posse do atual presidente - quando prenderam o índio Serere Xavante - estavam presentes os tardios “patriotas” do acampamento, só que desta feita sem o uso de máscaras. Eles foram reconhecidos pelos verdadeiros manifestantes (os poucos que se livraram da milícia do STF).

Fazia-se mister a abertura de uma CPMI para averiguar os estranhos eventos ocorridos no 8 de janeiro, mas o governo, a princípio o principal interessado em apurar os fatos, declarou-se totalmente contra a criação da referida Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Por que seria? Mistérios! Em face da enorme pressão exercida pelos representantes de oposição, a esquerda deu-se por vencida. Contudo, arrumou um “jeitinho” para que a presidência e a relatoria da CPMI ficasse a cargo de seus paus-mandados, a ensejar assim, um teatro mambembe.

A propósito: os saltimbancos de esquerda, na verdade uma trupe de mercenários, também carregam partes dos seus cenários, figurinos e maquiagens às costas; recebem inescrupuloso financiamento, são especializados em disseminar o pânico e têm como marca o vandalismo.   

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Ardil

 

De certo modo, grande número de estudiosos - não todos - e até mesmo leigos, costumam encantar-se com a filosofia de Sócrates, esta amplamente divulgada por seu discípulo Platão. Contudo, em melhor se observando o pensamento destes dois grandes filósofos, percebemos, e de modo claro, as reflexões e conceitos de alguém que os precedera: Pitágoras. Sim, mestre Sócrates e seu discípulo difundem exaustivamente o pensamento pitagórico, inclusive os princípios religiosos do orfismo, do qual Pitágoras foi um reformador. Mas não o fazem abertamente... Por quê? Uma perfunctória pesquisa revela-me que eles, Sócrates e Platão, assim agiam porque receavam uma perseguição da democracia. Hum? Como?

Perdoai-me o embaraço. Aqui tem início a minha reflexão. A democracia de então já perseguia? Então não se tratava de uma “democracia de então”, haja vista a atualidade deste “procedimento democrático”. Volto-me aos textos: Sim, foi a democracia, através de um tribunal ateniense, quem condenou Sócrates ao suicídio. Poxa, quanta coincidência, em dias atuais um outro Tribunal também condenaria Sócrates e a sentença seria cumprida na Papuda.  Ocorre-me que, talvez, isso explique o porquê dos grandes filósofos gregos apontarem a aristocracia como o melhor forma de governo.  

E minha pesquisa vai ainda mais longe. Imaginai que dentre os membros deste insigne Tribunal Ateniense, um personagem destacava-se. Seu nome? Eu não saberia dizer, mas era conhecido como Μεγάλος (Megalos), grandioso. Será que a alcunha expressaria, de fato, o seu caráter? Ora, a megalomania, termo consequente, retrata o transtorno psicológico de alguém que tem de si uma imagem exageradamente supervalorizada, e que por isso, busca cada vez mais ostentar poder. Taxavam-no também de manipulador; dono de discurso canhestro e hipócrita que dizia prezar pela democracia, mas que, em verdade, tinha como objetivo perseguir e eliminar os opositores de seus pares e interesses. Meu Deus, já vi isso em algum lugar!

Estai atentos, possíveis leitores: democracia rima com demagogia; mesmo número de sílabas. Democracia = demo (povo) e kratos (poder); Demagogia = demos (população) e agogos (liderar, liderança). Depois de breve análise, eis aqui minha conclusão: a população (demos) queria liderar (agogos). Então, por que não criar um conceito falacioso para que o populacho pensasse ter algum poder? Democracia é um dos conceitos mais bem construídos em toda história universal; não que seja factível, porque não é, mas sim porque está sempre acompanhado de uma empolgante falácia. É ardil. Na verdade, a fazer uso de metáforas, declaro que a democracia é como o voo da galinha (instável, desiquilibrado, cômico, rasteiro); é como tentar pegar um sabonete espumoso para lavar-se as mãos untadas de óleo.


domingo, 7 de janeiro de 2024

Hieros Logos (Palavra Divina)

 

Tenhamos como ponto de partida as considerações pitagóricas. Da relação com a realidade surgem dois elementos primordiais: palavra e número. A palavra teria como função apresentar a verdade daquilo que é; essa mesma verdade manifestaria certa relação matemática. Assim se explica, parece-me, a necessidade imposta pela totalidade das nações, no que tange ao aprendizado do idioma e da matemática como fundamentos educacionais. Todavia, palavra e número deixaram de lado a característica da apresentação para assimilarem característica meramente funcional, isto é, representacional. O número, mais pontualmente, passou a primar pelo quantitativo. Ora, toda e qualquer representação é funcional.

A tentativa por abandonar o mito e suas representações funcionais, ou seja, sua ortodoxia e tautegoria, encontra na cabala uma solução possível no resgate da instância fusional. A cabala - ligada à mística - literalmente, significa “receber” ou “algo recebido”. Santo Agostinho, por sua vez, no século IV de nossa era, teria proferido algo como: “A ininteligibilidade dos números impede o entendimento de muitas passagens figuradas e místicas das Escrituras”. Bem, a título de exemplo, abordo algumas passagens das escrituras que envolvem sempre o mesmo arithmós (número), enquanto qualidade, relação, função, lei, ordem, regra, processo, fluxo, ritmo e proporção.

Senão vejamos: o dilúvio demorou 40 dias; os hebreus, depois do êxodo, passaram 40 anos a vagar no deserto; Moisés passou 40 dias em recolhimento também no deserto; tanto Saul, quanto Davi e seu filho Salomão governaram por 40 anos. Se nos voltarmos ao Novo Testamento, Jesus Cristo sofreu tentações e jejuou por 40 dias no deserto; foram 40 o número de chibatadas aplicadas ao nazareno; a Quaresma, período do ano litúrgico em algumas religiões cristãs, corresponde a 40 dias compreendidos entre a Quarta-feira de Cinzas e o Domingo de Páscoa. Em verdade, o número 40 aparece 133 vezes nos textos bíblicos. Voltemo-nos, portanto, a entender o arithmós 40.   

O algarismo 4 pode significar provação, transformação, preparação, estabilidade, método, realismo, perseverança, calma, ordem. Já o 0, após um numeral qualquer, tem a função precípua de potencializá-lo. Logo, o dilúvio pode ser entendido como provação; o êxodo como transformação; os reinados de Saul, Davi e Salomão como método, ordem; os dias de tentação como preparação; as chibatadas como realismo; a Quaresma como estabilidade. Não obstante, pode-se perceber que o termo deserto é algo muito presente nos textos bíblicos, isto porque o deserto simboliza a busca interior e lugar ideal para o relacionar-se com a divindade.

A instância fusional (relativa a fusão) das palavras desempenha papel fundamental para o entendimento dos textos bíblicos. A Bíblia nos fala de que não só Sara, esposa de Abraão, mas também Rebeca, esposa de Isaac, e Raquel, esposa de Jacob, eram estéreis. Justamente eles, os patriarcas responsáveis pela descendência do povo hebreu. Não, não há contradição, pois a palavra esterilidade implica o não provimento; na simbologia da esterilidade, contudo, reside todo o potencial da ação salvadora de Deus; Deus torna-se, então, o símbolo para provimento de um povo.

Outro exemplo, a meu ver o de mais difícil compreensão segundo a literalidade, trata-se de uma possível imolação de Isaac. Sara não conseguia engravidar (esterilidade simbólica), o que permitiu que Agar, a criada, gerasse um filho para dar descendência a Abraão. Nasceu Ismael, Yishma’el - “Deus ouve”. Sim, Deus ouvira as súplicas do casal. Mas Sara, muito embora idosa, conseguiu engravidar. Nasceu Isaac, Yitzhak, que significa “ele irá rir”, “como Deus ri”, “filho da alegria”. Com o nascimento de Isaac, Agar e o filho Ismael foram expulsos do acampamento, isto porque Agar passara a desprezar sua senhora Sara. A meu ver o nó górdio para justificar a rivalidade entre muçulmanos e judeus.

A dificuldade maior, no entanto, está em entender o pedido de Deus para que Abraão sacrificasse o pequeno Isaac. A cabala judaica diz-nos que a “Tora fala por metáforas, por enigmas muito particulares”. Na verdade, o Isaac a ser sacrificado seria o “filho interior de Abraão”, pois o patriarca, apesar do filho do riso, dera origem a um herdeiro íntimo, “nascido não só do riso, mas também da mágoa, da cólera, dos medos e sonhos não realizados”, afinal Ismael, de fato seu primogênito, fora banido, segundo sua decisão pessoal. Deus pede a Abraão que “renunciasse a isso, a suas emoções e pensamentos” negativos, “que desatasse os nós do seu espírito, que extinguisse uma parte de si próprio”, até porque Deus prometera a Ismael uma descendência igualmente numerosa.  

Em suma, feliz ou infelizmente, a interpretação de textos sagrados, através do estudo da simbologia, da vera apresentação (não representação) e da instância fusional vem dirimir dúvidas, explicar lendas, milagres e extinguir mistérios. Seria isso "saudável" para os religiosos?  

 

As partes entre parênteses no penúltimo parágrafo foram extraídos do livro O Último Cabalista de Lisboa de Richard Zimler.