Não raramente, pessoas -
prefiro falar em incautos - perguntam a si mesmos e a outros pela utilidade da
filosofia. Parece-me que o equívoco advém de outro equívoco: entender a
filosofia como ciência prática ou exata, isto é, algo que proporcione um resultado
tangível. Neste caso, as pessoas, de fato, não buscam uma utilidade para a
filosofia, mas sim uma filosofia da utilidade. Lamentavelmente, a filosofia não
se propõe a semelhante desideratum.
Outra questão, então, nos é
colocada: Para que filosofia? Eu poderia discorrer exaustivamente acerca da
mentalidade cartesiana que nos foi infundida; poderia também demonstrar que o
cientificismo busca em tudo resultados práticos. No entanto, a coisa poderia parecer
retórica, pois os questionadores, exatamente por seus questionamentos, já demonstram
uma total insipiência a partir do próprio questionar.
Mas não nos calemos; não
façamos ouvidos de mercador; não tentemos nos encerrar numa pseudo sabedoria,
olvidando com desfaçatez e desprezo as lacunas de um desconhecimento ingênuo. A
filosofia mesma condenaria tal expediente. Ora, a filosofia, diferentemente das
ciências e técnicas, não forma profissionais. Filósofo profissional? Não! A
filosofia, simplesmente, incita ao pensar, induz ao questionar racional. E
então se revela uma primeira dificuldade aos neófitos: como ensinar a pensar
alguém que já pensa? Mas a filosofia não ensina ninguém a pensar, apenas os
estimula a fazê-lo, mas só que com o vigor de uma exigência lógica.
Não obstante, a filosofia
necessita de algo extrínseco, isto é, algo presente naquele (a) (s) que a ela
se propõe dedicar, e não em si mesma. A filosofia, já que não busca
resultados práticos, pode manifestar-se como saber inócuo para uma grande
maioria. Por quê? - insistiriam os leitores. Ora, o saber, que a princípio
mostra-se como inócuo, assim parece aos inocentes por conta da própria inocência. A
inocência não demonstra a inquietação necessária ao estudo filosófico. Candura
e simplicidade vestais prescindem do saber filosófico. Aliado a isso, faz-se
mister a experiência. Não a mera experiência de um fazer repetitivo, mas de um
vivenciar - erleben - ter consciência
do vivido. O simples viver não satisfaz à exigência filosófica. Ora, a vivência
mesma está vinculada ao tempo vivido. Portanto, a filosofia não se mostra como
fundamento ao pensar, quando afastada da vivência dos que a ela se dedicam.
Outro esclarecimento: Não se
ensina a filosofar, mas sim a se utilizar de pressupostos filosóficos para
estruturar o pensamento. O que se pode aprender então? Uma história da
filosofia, em todo o seu evoluir conceitual, em todo o seu aparato lógico
formal. A filosofia fornece ferramentas que auxiliam o pensar, mas tal aproveitamento só se verificaria quando no abandono da ingenuidade.
Aí sim, o genuíno aflora despido de pré-conceitos e preconceitos; o banal se
esvai, a maturidade irrompe e desilude. Logo, não há uma ilusão na filosofia, pois
que a filosofia mesma prima pela desilusão; não há uma miséria da filosofia,
pois que a indigência e as imperfeições humanas é que buscam sofregamente por
seu consolo, refúgio e conforto.
Contudo, não nos furtemos a
disseminar o estudo da filosofia, apesar de todos os percalços que possam
existir. Não façamos da filosofia um troféu inatingível, uma instância
destinada a gerontes. A insipiência,
assim queremos crer, é efêmera; o desconhecimento é uma fase do desenvolvimento
humano; a juventude é o que sempre foi: rebelde, um tanto inconsequente,
imediatista e com a libido exacerbada. Falta-nos, assim me parece, um pouco de
persuasão e método para lidar com essa recém-nata imprudentocracia, que
persegue uma filosofia da utilidade.
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