Ainda ontem, em lugar de me deleitar com os torpes pensamentos
que teimam em se me apresentar quando em condições de insulamento, propus-me
conjecturas acerca do próprio estar só. Então a pergunta: é possível um estar
totalmente só? Afinal, até mesmo o grande Zaratrusta, segundo Nietzsche, em sua
caverna isolada sita na Vaca Pintalgada, fazia-se acompanhar de uma águia e uma
serpente. O único eremita da história, pelo que me consta, a vivenciar total
isolamento foi Platão ao fundar sua República. Ora, a República foi o eremitério
platônico. Mas Platão é outra coisa, outro nível; repudiou a arte e a vida no
interior escuro da caverna para sair em busca do mundo das ideias. Platão, pelo
que pude perceber, era um edipiano, cheio de vontades e ademanes.
Com exceção de Platão, claro, parece-me que o estar
totalmente só, encarcerado unicamente no pensar, é prejudicial,
contraproducente e alienador. Seres humanos precisam de companhia, do
referencial de imagens, do perceber os sons. Imagens e sons são personagens de
um teatro natural; imagens e sons naturais impõem-se à artificialidade. No
Gênesis 2:18, o autor, ao citar as palavras de um criador, declara: “Não é bom
que o homem esteja só; far-lhe-ei uma adjutora que esteja como diante dele”. Bem,
aqui me permito uma exegese apócrifa: uma adjutora não seria necessariamente
uma mulher. Adjutora pode ser entendida como coadjutora, ou seja, pessoa que
ajuda, alguém que desempenhe papel coadjuvante. Ora, entender a mulher como
coadjutora, seria colocar outro ser humano em posição subalterna. Não! A
natureza em si seria a coadjutoria necessária e eficaz. A não ser que lancemos mão
de uma metáfora sobremodo romântica: Natureza, teu nome é mulher!
De modo semelhante, o não estar só não implica
necessariamente a presença da família ou o incorporar do estereótipo de um ser
social, isto é, o vínculo a uma sociedade e/ou comunidade. Por que pessoas, em
geral idosas, partilham suas vidas com cães e/ou gatos? Simples, o
companheirismo. Por que alguns dedicam parte da vida às plantas, ao cultivo de
flores, a manutenção de jardins? Igualmente simples! O imagético conforta. Por
que a criação de canários ou aves canoras? Ora, os sons naturais promovem
conforto, alacridade, satisfação, o prazer inefável. Na verdade, um retorno à
condição primeira: a natureza rústica e invulgar. Eis os adjutores criados para
impedir que o homem esteja só!
Não obstante, há uma casta de fundamentalistas que
obstaculizam a criação de aves em cativeiro; outro grupo defensor de “os
direitos dos animais” modelou um código de leis a ser observado pelos potenciais
criadores de animais domésticos; há ainda aqueles que se dizem defensores do
meio ambiente e estabelecem regras para o cultivo de algumas espécies, dizendo tratar-se
de exemplares que requerem cuidados especiais para não se extinguirem. Tudo
isso é muito é belo e pertinente, mas é bom lembrar que o melhor modo de se
disseminar a mentira é ter-se como premissa maior uma verdade. Eu, apaixonado
que sou por conspirações, e defensor da tese foucaultiana de que existem grandes
diferenças entre assertivas e asserções, pergunto: Por que esses paladinos,
defensores empedernidos da natureza, militantes dos “direitos naturais” não se
voltam, entre tantas aberrações, a propor o fim das ricas e famosas Festas dos
Peões de Boiadeiros, mesmo que seja uma tradição cultural? Por que acochar os testículos
dos touros com nós de corda crua para que estes proporcionem um espetáculo de barbárie
a uma massa igualmente bestial? Simples: interesses econômicos sobrepujam
discursos sofísticos; movimentos em prol do fim de certas tradições semelhantes
aos circos romanos não conferem a ninguém o manto da celebridade!
Bem aventurados aqueles que dispõem da companhia dos animais,
que desfrutam do canto de algum pássaro e se encantam com a visão silente dos
vegetais, mesmo em se tratando de minúsculo Bonsai.
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