sábado, 27 de julho de 2013

Saudades de Astor Piazzolla


Muito embora a rivalidade entre argentinos e brasileiros, não há como negar a autenticidade de nuestros hermanos, seja nas artes, na política ou no futebol. Em verdade, sentimo-nos saudosos daquilo que é genuíno, o que se torna referencial, o ícone, o diferencial. E é assim que vejo Piazzolla: legítimo, puro, próprio, natural; o símbolo de um povo, de uma cultura que transcenderá gerações. Percebam: não falo em celebridades; celebridades, na mor parte são ícones ou referenciais de nada, exceto da própria vaidade que os consome. Isto porque, nas celebridades falta a autenticidade. Em geral, são pessoas afetadas, com atitudes afetadas, sorrisos afetados; enfim, uma marionete.

E lá vem o Papa Francisco! O povão delira, a turba excita-se, a malta o persegue; a massa quer um mínimo toque em suas mãos pias; quer o leve roçagar de seu alvo traje; querem curar-se de si através de Francisco. Uma voz feminina grita: “Estou curada!” E o magote curioso pergunta: “O que tinhas?” E a mulher revirando os olhos marejados de lágrimas lacrimogêneas exulta: “Eu estava menstruada há cinco dias; agora curei-me, alcancei a graça”. Aplausos! Desmaios! O povo é isso; este é seu retrato. E pelo portfolio pode-se, inclusive, criar o conceito.

Mas Francisco faz vista grossa para este despautério, ou melhor, para esta heresia. Ele caminha, ou desliza como branco cisne em sua superfície aquosa. Falam em humildade, e quanta humildade. Mas acautelai-vos da imensa humildade; esse é o fermento dos fariseus! A verdadeira humildade não traz em si a preocupação de mostrar-se humilde; a verdadeira humildade não se revela por gestos amaneirados e/ou atitudes afetadas. A humildade, por si só, é humilde. Todavia, a imprensa já vinculou Francisco a este estereótipo. Um entrevistado afirma sua crença na humildade do Papa porque este abriu mão da mitra em prol do solidéu; seu crucifixo não é de ouro e cravejado de pedras preciosas, mas de um singelo aço escovado. Bem, só faltou dizer que o Santo Padre desfez-se do calçado e anda de chinelas havaianas.

Um conhecido nordestino arretou-se com o rebanho tangido e ruminou a meus ouvidos: “Essa mundiça não tem jeito!” E eu rebato imediatamente: “Toda mundiça tem o Papa que merece!” É fato: a escolha do pontífice não foi aleatória; o Vaticano quer reverter o quadro de dissidência em que está mergulhada a Igreja Católica. Afinal, este país, há bem pouco tempo, era tido como a de maior população católica do mundo. Nos últimos anos o catolicismo protestou, e a melhor maneira de protestar foi voltar-se a uma religião reformada. O Papa apenas cumpre o papel que lhe foi destinado. O Papa não é pop; ele é um marqueteiro. Seus gestos assim o revelam. Suas palavras macias o tornam num reencarnado Lombardi. Só falta ele dizer: Alô Sílvio!

Em 2000, através do censo, O IBGE divulgou que, entre os que se consideravam católicos, 40% diziam-se não-praticantes. Ora, o que seria um católico não-praticante? Simples: um apóstata. Mas a apostasia no Brasil tem uma cara ímpar. Pela manhã ouve o horóscopo, depois curte a palestra com o pastor Silas Malafaia, na estante, dentre os poucos livros, o exemplar não lido de “Violetas na Janela”. À tarde, para relaxar, vai às lágrimas com as cenas do filme “Nosso Lar”. No carro e no chaveiro estão presentes a figa e o pé de coelho. Nas noites de sexta, quando escapa do baile Funk, vai ao candomblé e se delicia com as iguarias das entidades afro-brasileiras. Nas festas de fim-de-ano comparece a praia e lança flores à Yemanjá. Bem, e nos casamentos, batizados e missas de sétimo dia ele recorda sua condição de católico e comunga. Mas o que é isso? Não, isso não é sincretismo, mas um mingau teofânico, uma miscelânea teológica.

Ora, o Vaticano conhece essa faceta ímpar do povão brasileiro, e quer arregimentar os indecisos religiosos. Sorri Francisco, mas onde estão seus dois filhos? Bobagem, agora todos somos filhos de Francisco. Lá vem pai Francisco, sem delegado e sem violão, que entra na roda e humildemente dispensa o papamóvel! Sua Santidade não pretende fazer milagres; ele quer, não através de concílios, mas com o auxílio da mídia fazer proselitismo. Já se fala numa aproximação com o Frei Leonardo Boff, com Frei Beto, com Frei Serapião (?). Já se costura acordos com essa base sacro-político partidária. A Igreja quer os carismáticos, os pragmáticos, os sorumbáticos; ela quer os dançarinos chefiados pelo pop star Marcelo Rossi. O Vaticano quer de volta suas ovelhas perdidas, desgarradas, transviadas.

Mas o delírio continua em sua caliente extravagância. A turba corre pra lá e pra cá gritando, perseguindo, perturbando o estreante pontífice - Carl Jung não poderia classificar tal evento de inconsciente coletivo. Eles querem beijá-lo, abraçá-lo, tocá-lo; querem autógrafos. Câmeras dos mais variados pixels instam por um instantâneo. O Papa já é uma celebridade. Brad Pitt, George Clone, Rodrigo Santoro, Hugh Jackman e Richard Gere foram esquecidos; estão execrados. Descobre-se que as celebridades não precisam ser bonitas ou “saradas”. Em meio à turbamulta alguém mais ousado aperta um beck, oferece ao Santo Padre, dá uma tapa e profere vergastado por seu arrebatamento místico: “Este é o melhor dos mundos possíveis!”

Nietzsche dissera: “Nada do que é humano me causa espanto”. Mas, pera aí o cara pálida; muita calma nessa hora. Existe um limite pra não ficar espantado: esses mesmos jovens são aqueles que há poucos dias faziam parte de um movimento para mudar o Brasil; eles queriam mudar a cara do país; eles queriam reformas; eles pleiteavam reescrever uma história do Brasil livre dos antigos paradigmas, dos antigos retratos, dos vetustos predicados. Quanta decepção! Lamentavelmente percebo que esta geração ainda não está preparada. “Oh, geração adúltera; até quando estarei entre vós?”

Recordo-me, então, do Dr. Atílio, filósofo gaudério, com quem tenho a sorte de partilhar uma sólida amizade. Disse-me ele igualmente atônito: “A imbecilidade é autoimune; não tem cura, não tem tratamento. Antes mesmo de pesquisarmos a origem de uma crise na criatividade, devemos identificar a gênese da imbecilidade”.


Neste instante, meus sofridos leitores estarão se perguntando: O que esse cara quer com isso?  Eu vos respondo c a l m a m e n t e...: Nada! Talvez, e eu digo talvez, essas palavras inspirem um virtuose milongueiro, que de posse de todo seu talento componha um lamentoso e irreverente tango, que terá por título: Un invierno brasileño.

Nenhum comentário:

Postar um comentário