Muito embora a rivalidade
entre argentinos e brasileiros, não há como negar a autenticidade de nuestros hermanos, seja nas artes, na
política ou no futebol. Em verdade, sentimo-nos saudosos daquilo que é genuíno,
o que se torna referencial, o ícone, o diferencial. E é assim que vejo
Piazzolla: legítimo, puro, próprio, natural; o símbolo de um povo, de uma
cultura que transcenderá gerações. Percebam: não falo em celebridades;
celebridades, na mor parte são ícones ou referenciais de nada, exceto da
própria vaidade que os consome. Isto porque, nas celebridades falta a
autenticidade. Em geral, são pessoas afetadas, com atitudes afetadas, sorrisos
afetados; enfim, uma marionete.
E lá vem o Papa Francisco! O
povão delira, a turba excita-se, a malta o persegue; a massa quer um mínimo
toque em suas mãos pias; quer o leve roçagar de seu alvo traje; querem curar-se
de si através de Francisco. Uma voz feminina grita: “Estou curada!” E o magote curioso
pergunta: “O que tinhas?” E a mulher revirando os olhos marejados de lágrimas
lacrimogêneas exulta: “Eu estava menstruada há cinco dias; agora curei-me,
alcancei a graça”. Aplausos! Desmaios! O povo é isso; este é seu retrato. E
pelo portfolio pode-se, inclusive, criar o conceito.
Mas Francisco faz vista
grossa para este despautério, ou melhor, para esta heresia. Ele caminha, ou
desliza como branco cisne em sua superfície aquosa. Falam em humildade, e
quanta humildade. Mas acautelai-vos da imensa humildade; esse é o fermento dos
fariseus! A verdadeira humildade não traz em si a preocupação de mostrar-se
humilde; a verdadeira humildade não se revela por gestos amaneirados e/ou
atitudes afetadas. A humildade, por si só, é humilde. Todavia, a imprensa já
vinculou Francisco a este estereótipo. Um entrevistado afirma sua crença na
humildade do Papa porque este abriu mão da mitra em prol do solidéu; seu
crucifixo não é de ouro e cravejado de pedras preciosas, mas de um singelo aço
escovado. Bem, só faltou dizer que o Santo Padre desfez-se do calçado e anda de
chinelas havaianas.
Um conhecido nordestino
arretou-se com o rebanho tangido e ruminou a meus ouvidos: “Essa mundiça não
tem jeito!” E eu rebato imediatamente: “Toda mundiça tem o Papa que merece!” É
fato: a escolha do pontífice não foi aleatória; o Vaticano quer reverter o
quadro de dissidência em que está mergulhada a Igreja Católica. Afinal, este país,
há bem pouco tempo, era tido como a de maior população católica do mundo. Nos
últimos anos o catolicismo protestou, e a melhor maneira de protestar foi
voltar-se a uma religião reformada. O Papa apenas cumpre o papel que lhe foi
destinado. O Papa não é pop; ele é um marqueteiro. Seus gestos assim o revelam.
Suas palavras macias o tornam num reencarnado Lombardi. Só falta ele dizer: Alô
Sílvio!
Em 2000, através do censo, O
IBGE divulgou que, entre os que se consideravam católicos, 40% diziam-se
não-praticantes. Ora, o que seria um católico não-praticante? Simples: um
apóstata. Mas a apostasia no Brasil tem uma cara ímpar. Pela manhã ouve o
horóscopo, depois curte a palestra com o pastor Silas Malafaia, na estante,
dentre os poucos livros, o exemplar não lido de “Violetas na Janela”. À tarde,
para relaxar, vai às lágrimas com as cenas do filme “Nosso Lar”. No carro e no
chaveiro estão presentes a figa e o pé de coelho. Nas noites de sexta, quando
escapa do baile Funk, vai ao candomblé e se delicia com as iguarias das
entidades afro-brasileiras. Nas festas de fim-de-ano comparece a praia e lança
flores à Yemanjá. Bem, e nos casamentos, batizados e missas de sétimo dia ele
recorda sua condição de católico e comunga. Mas o que é isso? Não, isso não é
sincretismo, mas um mingau teofânico, uma miscelânea teológica.
Ora, o Vaticano conhece essa
faceta ímpar do povão brasileiro, e quer arregimentar os indecisos religiosos.
Sorri Francisco, mas onde estão seus dois filhos? Bobagem, agora todos somos
filhos de Francisco. Lá vem pai Francisco, sem delegado e sem violão, que entra na roda e humildemente dispensa o papamóvel! Sua Santidade não pretende fazer milagres;
ele quer, não através de concílios, mas com o auxílio da mídia fazer
proselitismo. Já se fala numa aproximação com o Frei Leonardo Boff, com Frei
Beto, com Frei Serapião (?). Já se costura acordos com essa base sacro-político
partidária. A Igreja quer os carismáticos, os pragmáticos, os sorumbáticos; ela
quer os dançarinos chefiados pelo pop
star Marcelo Rossi. O Vaticano quer de volta suas ovelhas perdidas, desgarradas, transviadas.
Mas o delírio continua em
sua caliente extravagância. A turba
corre pra lá e pra cá gritando, perseguindo, perturbando o estreante pontífice
- Carl Jung não poderia classificar tal evento de inconsciente coletivo. Eles
querem beijá-lo, abraçá-lo, tocá-lo; querem autógrafos. Câmeras dos mais
variados pixels instam por um
instantâneo. O Papa já é uma celebridade. Brad Pitt, George Clone, Rodrigo
Santoro, Hugh Jackman e Richard Gere foram esquecidos; estão execrados.
Descobre-se que as celebridades não precisam ser bonitas ou “saradas”. Em meio
à turbamulta alguém mais ousado aperta um beck,
oferece ao Santo Padre, dá uma tapa e profere vergastado por seu arrebatamento
místico: “Este é o melhor dos mundos possíveis!”
Nietzsche dissera: “Nada do
que é humano me causa espanto”. Mas, pera aí o cara pálida; muita calma nessa
hora. Existe um limite pra não ficar espantado: esses mesmos jovens são aqueles
que há poucos dias faziam parte de um movimento para mudar o Brasil; eles
queriam mudar a cara do país; eles queriam reformas; eles pleiteavam reescrever
uma história do Brasil livre dos antigos paradigmas, dos antigos retratos, dos
vetustos predicados. Quanta decepção! Lamentavelmente percebo que esta geração
ainda não está preparada. “Oh, geração adúltera; até quando estarei entre vós?”
Recordo-me, então, do Dr.
Atílio, filósofo gaudério, com quem tenho a sorte de partilhar uma sólida
amizade. Disse-me ele igualmente atônito: “A imbecilidade é autoimune; não tem
cura, não tem tratamento. Antes mesmo de pesquisarmos a origem de uma crise na
criatividade, devemos identificar a gênese da imbecilidade”.
Neste instante, meus
sofridos leitores estarão se perguntando: O que esse cara quer com isso? Eu vos respondo c a l m a m e n t e...: Nada!
Talvez, e eu digo talvez, essas palavras inspirem um virtuose milongueiro, que
de posse de todo seu talento componha um lamentoso e irreverente tango, que
terá por título: Un invierno brasileño.
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