segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Eu e o gênio



Gente, vós não ireis acreditar, ainda mais nestes tempos tão mesquinhos. Mas vagava eu errante por uma daquelas nababescas avenidas de Brasília, a remoer meu ressentimento com a corja que tomara o poder e se engolfara no crime, quando me deparei com uma lâmpada. Não, não era uma lâmpada de filamento, fluorescente ou de led, mas o artefato imortalizado por Aladin. Tão surpreso quanto apatetado, fiquei a mirar o pequeno objeto abandonado próximo ao jardim que ornava o calçamento. Peguei-a e, inexplicavelmente, busquei ocultá-la. Por quê? Simples, parece-me que, depois de adultos, sentimo-nos mal por ser supostamente flagrados em exibir um comportamento dito infantil. Mas como eu queria esfregar a lâmpada! Mantive-a sob o paletó e busquei apressar-me por chegar ao hotel no qual me hospedara.

Demorei-me no lobby o tempo necessário para pegar a chave; apressadamente embarquei no elevador e premi com alguma sofreguidão o botão correspondente ao andar. O elevador era lento, bem mais lento do que exigia minha expectativa. Enfim, a porta abriu-se e pude lançar-me no corredor. Adentrei o quarto, tranquei a porta e pus-me a fitar curiosamente o artefato. Depositei-o com cuidado sobre a escrivaninha e me afastei sem perdê-lo de vista. Tirei o paletó e o lancei à cama já amarfanhada, sentei-me na cadeira frontal ao bureau. Passados alguns minutos decidi satisfazer meu lúdico desejo: esfregar a lâmpada e esperar que dela saísse um gênio com aqueles trajos típicos dos indianos.

Peguei a lâmpada e com a palma da mão a esfreguei. Nada, repeti ainda uma vez com mais vigor; de novo nada. Por que a lâmpada falhava? Dispus-me então a friccionar repetidamente. Puf! Uma baforada enfumarada saiu do objeto. Eu o soltei apavorado. Daquela nuvem malcheirosa teve origem uma forma; e pasmem: humana! Todavia, o gênio, se é que posso assim chamá-lo, em nada se assemelhava àquela figura calva, de brincos, com um pequeno balde invertido na cabeça, desnudo na cintura para cima, calças largas e sapatos com as pontas recurvadas. Não, estava de terno e gravata; poder-se-ia dizer bem vestido. E ele não me era estranho. Sim, é isso, ele parecia muito com o ex-presidente da Câmara Federal, o Eduardo Cunha, só que com as atitudes pernósticas de um Marco Aurélio Mello e a arrogância de um Renan Calheiros.

Abaixou levemente o tronco, agradeceu-me por tê-lo libertado daquele compartimento tão exíguo, não sem deixar de fazer um comentário bem elucidativo: “A Papuda é mais confortável”. Não pude evitar o riso. Então o gênio espreguiçou-se e proferiu a sentença que há muito eu aguardava. “Faça-me três pedidos para que eu possa satisfazê-lo, meu senhor”. Neste instante, eu estava a passear entre o cômico e o inacreditável. Pois bem, sem perda de tempo, haja vista as dificuldades de sempre e de todos, proferi meu primeiro pedido: “Quero ficar rico”. Com o olhar matreiro de quem mascara uma irrisão, o gênio assentiu com a cabeça e sussurrou: “Assim será feito”. Dito isto, pancadas na porta do quarto arrancaram-me daquele alheamento. Afastei-me indeciso da lâmpada e do gênio. Abri a porta do quarto e deparo-me com Rodrigo Rocha Loures. Apressadamente e a olhar para os lados ele entregou-me uma mala e falou bem baixinho: “Joesley mandou-me entregar-te; toda semana receberás uma destas”. Virou sobre os calcanhares e sumiu pela escada de emergência. Curioso, abri a tal mala. Deparei-me com 500 mil reais. O gênio então troçou: “Satisfeito, senhor? Fazei o segundo pedido”.

Entusiasmado com a mala repleta de dinheiro, dei azo a meus delírios e sonhos de grandeza: “Eu gostaria de ser famoso”. O gênio então deu de ombros e virou-se de costas. Como por encanto, eu já não mais estava em meu quarto de hotel, mas vi-me como réu a prestar depoimento ao juiz Sérgio Moro. A meu lado, reconheci o meu gênio, que ora atuava como meu advogado. Ele orientou-me a dizer nada e propôs uma delação premiada. O Ministro Edson Fachin protocolou minha delação, com a anuência da Procuradora Raquel Dodge da PGR. Como eu era réu primário, tinha residência fixa, trabalho estável e nenhum dinheiro para fugir do país, permitiram-me responder em liberdade, desde que a fazer uso, evidentemente, de uma tornozeleira eletrônica. De volta ao hotel, reclamei com o gênio por ter-me colocado naquela situação embaraçosa, ao que ele respondeu: “Ora, quiseste ter fama; assim o fiz. Os mais famosos neste país são justamente aqueles que são réus e fazem delação premiada. Não é preciso provar nada; basta incriminares outros”. Passei ainda um tempo ruminando as palavras daquele gênio bastardo e terminei por dar a ele razão.

Meu terceiro e último pedido foi: “Gostaria de ser muito poderoso”. O gênio então respondeu antes de desaparecer: “Que assim seja!” No mesmo instante vi-me de beca negra a participar de uma seção no Supremo Tribunal Federal. Mas como? São apenas 11 magistrados. Corri os olhos pelos meus “colegas” e percebi que o ministro Celso de Mello estava ausente. “Bem, então agora eu era ministro do STF?!” Pensei de mim para comigo. E a seção transcorreu como sempre entediante. Ao dar o meu voto, olhei desafiador para a carranca ignominiosa de Gilmar Mendes, debochei do gongorismo retórico de Marco Aurélio Mello, encarei aquele tribufu que se diz muito sabido chamado Ricardo Lewandowski, tripudiei da boçalidade e pusilanimidade de Dias Toffoli, lamentei o moleirão e oportunista Alexandre de Moraes e não pude deixar de observar o despreparo e limitação da presidente Carmem Lúcia. Enfim, acompanhei o voto do relator.

O nume, eu o vi ainda algumas vezes aboletado no plenário da Corte; ele ministrava aulas presenciais de Teologia para todos aqueles que pleiteavam uma redução de pena. Mas, de fato, o gênio estava agora interessado em artes. Não, ele não tinha talento algum, mas queria ser um empreendedor e tornar-se agenciador de novos talentos musicais da MPB; ele buscava uma nova Anita, um outro Nego do Boreu, quem sabe outro Pablo Vitar ou uma nova dupla sertaneja especializada em sofrência.

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