Por
que o “jeitinho” brasileiro? O que é o “jeitinho” brasileiro? As questões estão
imbricadas; o “por que” e o “que” se complementam e corroboram. O “jeitinho”,
por ser um jeito, à luz da própria semântica, foge a qualquer prévia determinação,
orientação, condução, pois envolve astúcia, o improviso para se livrar de uma
situação difícil e/ou embaraçosa. Portanto, não deve ser algo constituinte da formalidade,
e, por consequência, da legalidade. O “jeitinho” brasileiro vincula-se amiúde ao
ilegal, ao ilícito, ao imoral, ao amoral e, ipso
facto à corrupção. Seriam nossas leis tão mal estruturadas a ponto de
permitirem-se ao descumprimento, ao abuso, ao desprezo? Será que nossas leis
trariam em si mesmas a característica de proporcionarem a própria ineficácia,
ineficiência? Seria algo como um vício redibitório jurídico quanto à formação,
só observado após o sancionamento?
Poder-se-ia
aqui argumentar que nossa lei maior, a Constituição, até por se tratar de uma
Constituição, documento materializado, com caráter de rigidez, extremamente formal,
normativo e regulamentar, sempre apresenta certo descompasso no tocante ao fato
social. Nossa Constituição não codifica costumes correntes porque deles se afasta
- herança kelseniana -, e com isso expressivo número de leis se mostram
inexequíveis. Evidentemente que não há a
menor possibilidade de transformar nosso sistema normativo numa espécie de Brazilian Commmon Law, isto porque o
próprio Poder Constituinte Originário impede tal proposta. Pode-se ainda
argumentar, e com toda razão, que nossa Constituição parece ter certo affair com o Código Civil, isto porque
se envolve em questões que fogem à alçada de qualquer Constituição. Muitas das
leis, passados quase 28 anos, ainda permanecem no limbo, isto porque carecem de
leis complementares. Nossa Constituição assimilou o título de Constituição
Cidadã; mas a que preço? Algumas propostas são, de fato, inexequíveis, e com
isso incorpora o estigma de uma utopia. Alguns artigos, com seus parágrafos e
incisos adentram a esfera do dever-ser. Como pode uma Carta Magna, que tem por
objeto estabelecer, controlar e resguardar direitos e obrigações dos seres humanos
que estão sob sua tutela, basear-se num mundo ideal, parafraseando Platão,
Morus, Campanela, kant e outros? Na verdade, nossa Constituição não é Cidadã,
mas simplesmente uma Carta Magna redigida sob a égide de uma ideologia e sob os
auspícios de um grupo de ressentidos, agora cidadãos, que encontraram uma
oportunidade de positivar seus “direitos”. Nossa Constituição esbanja direitos
e pretende garantir esses direitos; vivemos numa “Era dos Direitos”, onde parece que a contrapartida, os deveres,
foram olvidados.
Roberto
Campos, em A Sociologia do Jeito,
após breve análise sociológica de nosso sistema legal, entende que em face do
formalismo, descumprir a lei é um modo de o indivíduo sobreviver no meio social
no qual está inserido, haja vista construções jurídicas estranhas terem sido
importadas e adequadas à nossa realidade, onde as mesmas carecem de mínima
contextualização. Roberto Campos, em função da análise acima relatada, entende
e justifica o “jeitinho” brasileiro como uma paralegalidade, muito embora
ressaltar que não se trata de justificar de modo indiscriminado e licencioso o
advento de um “jeito paralegal”. Segundo o sociólogo, em se impedindo a
paralegalidade estaríamos diante de duas situações extremas: teríamos ou uma
sociedade extremamente rígida ou uma sociedade temerária. Bem, apesar do conforto
que tal teoria nos trás - não somos corruptos, apenas paralegais, - devemos
perguntar quais são os limites desta paralegalidade, onde possamos separar o
joio do trigo, ou seja, a molecagem travestida de “jeitosa”. A título de esclarecimento, entendo pertinente
citar Peter Sloterdijk e sua obra Crítica
da Razão Cínica: “Qualquer teoria ou sistema sociológico que trate a
verdade funcionalisticamente, carrega um imenso potencial para o cinismo”.
Um
outro sociólogo, Sérgio Buarque de Holanda, busca explicar essa nossa faceta
corrupta e corruptora, e, por conseguinte o “jeitinho” brasileiro, através de
uma natureza amigável, um ser humano emocional - segundo ele algo tão
“característico” de nosso povo -, que desenvolveu uma tendência histórica à
informalidade. A pergunta então seria: somos, de fato, possuidores dessa
natureza amigável, dessa emotividade exacerbada a ponto de usar de
circunlóquios para fugir a aplicação das leis, ou isso seria apenas mais um
engodo para dar sustentação ao próprio circunlóquio? Parece que, apesar dessa
nossa “tendência”, nosso ordenamento jurídico preocupa-se sobremodo com tal
expediente, haja vista o considerável número de leis que o compõe, esquecendo
inclusive que grande número de leis não é sinônimo de justiça ou bem estar
social.
Percebe-se
todavia que, países que apresentam reduzido índice de corrupção têm leis mais rígidas,
não só quanto à exigência de seus adimplementos, mas também demonstram apoio e
respeito a seus cidadãos através de regras bastante claras no que tange a
pessoas que ocupam cargos públicos. Em havendo maior confiança entre cidadãos,
bem como entre estes e suas instituições, haverá maior cooperação, menos
burocracia e menor investimento em segurança. De onde se pode entender o maior
investimento em educação.
E
por falar em educação, voltamo-nos à questão primeira: Por que o “jeitinho”
brasileiro? Não, não há nenhuma lacuna entre a norma, sua interpretação e
aplicação, embora nossa Constituição ser eivada de “tendências” e capaz de
criar certos embaraços; a paralegalidade é apenas mais uma tentativa de
mascarar uma realidade que nos avilta, mas que o “cinismo” social opta por
justificar porque é sobremodo reconfortante; de igual modo essas características
que nos foram impingidas, a natureza amigável e o ser humano emocional, nada
mais são do que subterfúgios para dar um novo verniz ao inescrupuloso, ao
aberrante.
O
problema do Brasil, ou melhor, dos brasileiros, é algo simples de se detectar,
mas extremamente difícil de erradicar: é um problema de caráter. E tanto se
trata de um problema de caráter que recentemente está-se fazendo uso de
recursos espúrios, ou melhor, recursos jurídicos isentos de caráter, na tentativa
de minimizar a maximização da falta de caráter que impera na política e
empresariado brasileiros. Refiro-me a dois novos “institutos” jurídicos: Delação
Premiada e Acordo de Leniência. Aqui, parece-me apropriado citar o adágio
popular: “Quando não se pode (ou não se quer) combater um mal, adere-se a ele”.
Somos,
na interpretação de Mário de Andrade, uma nação sem caráter. Somos um
aglomerado de Macunaímas, num país já macunaimado; somos um Estado “faz de
conta”, onde tudo é possível, passível, admissível, aceitável, o que nos remete
a outro gênio interpretativo da realidade brasileira: Monteiro Lobato.
Habitamos o Sítio do Pica Pau Amarelo. De fato, “O Brasil não é um país para
amadores”.
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