sexta-feira, 22 de maio de 2020

Máscaras



Dizem as más línguas (ou seriam as boas?) que tudo na vida é cíclico. Atualmente, em face de uma estranha pandemia, somos obrigados a nos valer de máscaras. Curioso é que não só as pandemias, mas também o uso de máscaras atendem e justificam esta asserção profética. Sim, seres humanos, assim me parece, adoram este atavio: as máscaras, não as pandemias. Historiadores, os mais renomados (perdoai-me, mas neste momento não me recordo de nenhum exemplar), já se dedicaram ao estudo do surgimento e uso das máscaras.

E tudo, ou quase tudo, (ou quase nada?) teve início na antiga Grécia: máscaras e pandemia. Na Hélade, em as festividades dedicadas a Dioniso, o povo usava máscara, pois cria que o próprio deus estaria presente dentre eles. Percebei: as pessoas faziam uso do tal petrecho para evitarem ser vistas e/ou reconhecidas pelo deus homenageado. Bem, aqui, do alto da minha escassa intelectualidade, sou levado a declarar, por inferência, que as pessoas evitam a aproximação com deuses. Por que será? Complexo? Escrúpulos? Preconceitos? E, consequentemente, sou levado a crer que homenagens são meros recursos para o entretenimento. Homenagens apenas retratam o alto grau da hipocrisia; homenageados experimentam o limiar da vaidade.

No Japão, no teatro kabuki, a máscara expressa o estado de espírito dos personagens. Opa, calma! O que estou a dizer? Máscara de um personagem? A personagem, em si, já pressupõe o uso de máscaras. Sim, a persona, por onde sai o som. Com que então, o personagem nipônico, além de ser máscara, precisa de máscara? Personagem complicado! direi, pois. E os atores? Se há necessidade de máscaras para os atores expressarem sentimentos, então estes não seriam bons atores. Não, não nos façamos críticos de arte!

Nas culturas primitivas, existentes nos continentes africanos, americanos e até mesmo em algumas ilhas do Pacífico Sul, as máscaras são usadas em cerimônias religiosas. Neste momento, reclamo vossa atenção: por que o elo entre máscara e religião? Segundo os antropólogos, os anciãos das tribos fazem uso do adorno visando a cura de alguns, espantar maus espíritos, etc. Pergunto-vos: Por que estes avatares ainda não foram requisitados? Algumas pessoas estabeleceram certa semelhança entre o curandeirismo e o uso da hidroxicloroquina. Seres humanos, ditos racionais, preferem, por certo, ouvir o aconselhamento daqueles que têm por objetivo último o reconhecimento, as homenagens.

No Halloween, o uso de máscaras é imprescindível. E o que dizer do carnaval brasileiro? Carnaval que se preza, não abre mão do uso de máscaras. Sim, eu sei que o Entrudo está ultrapassado; meu carnaval é das antigas, é raiz. Trata-se de vintage culture e sabe-se mais lá o quê. Mas ... quem resistiria ao charme de uma bela colombina? Quereis paixão melhor retratada do que num semblante de Pierrot? Ou seria pierrô? Sim, eu falo em paixão, coisa para poucos dias, relacionamento com prazo de validade.

Mas ... e as máscaras? Elas, de fato, auxiliam na cura? Afinal, jamais estivemos sem elas; na sociedade, nunca ousamos delas prescindir; nossa existência é por elas aparelhada. Eu as enumerei, mesmo que superficialmente e distante de qualquer critério. Diferentemente da sabedoria popular, onde “o mais gostoso fica para o final”, deixo-vos às voltas com o pior tipo de máscara: aquela que não se mostra como artefato; aquela que só é detectada com a convivência. Ao contrário do teatro Kabuki, a persona, o personagem, apesar de implicar máscara, autodeclara-se puro, íntegro, transparente. Enfim, independente de quaisquer pandemias, recidivas ou não, as pessoas inventam pseudo máscaras, ou não máscaras, para mascararem o que não conseguem esconder de si mesmas.

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