Conhecer a Grécia, Atenas mais especificamente, foi uma espécie de sonho realizado - a dream come true. Desde os primeiros estudos filosóficos certa curiosidade invadiu-me: o desejo de visitar o lugar considerado berço do pensamento ocidental. Eu diria que um conjunto de circunstâncias, buscadas evidentemente, propiciaram-me o ensejado; sim, a oportunidade fez-se presente ... e lá estava eu, aboletado numa das poltronas da aeronave, a pretender ostentar o epígrafe de ter amor ao saber. Todavia, teve lugar alguma decepção. A viagem como um todo foi, de fato, bastante proveitosa em termos de cultura, mas no tocante à filosofia ... talvez por falta de adequada expressão, arrisco-me dizer desapontado.
Desembarquei no aeroporto de Elefthérios,
em Atenas, um pouco depois da meia-noite, haja vista o atraso em Paris, no
Charles de Gaulle, em função de uma ameaça de bomba. Bem, em meio a fila da
imigração, o visto de passaportes, a retirada de bagagens e outras exigências
legais, permiti-me observar o entorno. Curiosamente os jovens, por conta de
certo modismo, parecem-me ter perdido suas identidades. Eu falo em falta de
identidade cultural, pois vi uma juventude exatamente igual a qualquer outra do
planeta: calças jeans, cabelos coloridos, piercings, tatuagens, gestos,
sorrisos, desleixo, descompromisso... Nem mesmo o idioma falado pode
identificá-los. Se bem que, certo passaporte trouxe-me a resposta: ingleses.
Enquanto caminhava a procura de um
taxi, pus-me a pensar: o modismo que iguala toda uma geração é o mesmo que
critica os conservadores. Dizem por aí que o conservadorismo é um entrave às
demandas sociais e, ipso facto, um
obstáculo ao desenvolvimento da sociedade. Pergunto-me: serei um conservador?
Afinal, sou contrário a certas reformas, principalmente àquelas que primam por
estiolar valores e banalizar identidades culturais; sou apaixonado pelo que
exibe raízes históricas. Nas rupturas históricas é mister equilíbrio e bom
senso. Mas o taxi encostou na plataforma e arrancou-me do questionamento.
O hotel distava uns bons 30 minutos do
aeroporto; a corrida custou-me 70 euros. O motorista falava inglês, mas não lia
inglês. A confusão estava formada; ele conhecia o endereço, mas o mesmo não
estava grafado em alfabeto cirílico. Chegamos afinal; desculpou-se e partiu.
Fiz o check-in. Ainda no lobby, pude observar certa escultura na parede
fronteiriça: não era Jesus Cristo nem nenhum santo conhecido por nossa inerente
idolatria. Bem, satisfeitos os trâmites que soem acompanhar a qualquer hospedagem,
peguei das chaves e subi ao quarto. Um bom banho, a cama e esperar por mim e a
TV sintonizada num canal de notícias. Adormeci.
Hotel Pergamos! Sim, hospedara-me
junto aos filhos, aos descendentes de Andrômaca. Da avenida Aharnon, onde era
situado, até a Praça Omonia - meu lugar referência - eu transitava pelas
avenidas Sokratous e Aristotelous, o que me deixava, já que entusiasmado filósofo,
sobremodo vaidoso. Da Praça Omonia à Praça Monastiraki, ponto de partida para
conhecer-se os pontos turísticos e históricos, inclusive para chegar a Akropolis,
bastava seguir a avenida Athinas.
E teve início meu vaguear helênico. Próximo
de Monastiraki pude conhecer o Museu de Arte Folclórica de Atenas, a Biblioteca
de Adriano, a Torre dos Ventos, o Fórum Romano, o Museu Kanelopoulos. A
Acrópolis de meus sonhos a erguer-se altaneira, soberba, por que não? Bem
próximo, o Teatro de Dioniso; adiante a antiga Ágora e o Templo de Hefestos.
Impressionante o portal, a Stoá de Attalus. Na Stoá pude observar esculturas
dos três grandes dramaturgos gregos: Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Curioso:
Aristófanes não fazia parte deste Parnaso. E os filósofos? Então começou minha
desilusão.
Em frente a Academia de Atenas as
estátuas de Platão e Sócrates. No Monte Filopappos, em destruída prisão, aquela
que teria sido a cela de Sócrates. A Academia platônica não passa de ruínas. O
Liceu, testemunha do método peripatético de Aristóteles, é apenas sítio
arqueológico. Ainda em outra oportunidade, ao visitar o Zappeion, o National
Garden e o prédio do parlamento, em elegante alameda, pude encontrar, de novo,
as estátuas dos três grandes poetas trágicos da antiguidade. Um senhor,
motorista de táxi, declarou-me: estes foram os três maiores gregos que já
existiram!
Visitei o atual estádio de Atenas, o
Panathinaiko, fui ao Templo de Zeus, fotografei o Arco de Adriano. Fui ao Museu
da Acrópolis, ao Museu Nacional de Arqueologia. De uma única vez conheci a Biblioteca
Nacional, a Universidade de Athenas, a Academia de Artes e a Igreja de Dioniso
Areopagita. Por incrível que pareça, as referências a filósofos que mais me
marcaram estão nas avenidas que ostentam os nomes de Sócrates e Aristóteles.
Ainda um tanto apatetado, adentrei uma
livraria e busquei por livros de filosofia. Encontrei Kant, Bertrand Russel,
Wittgenstein e Foucault, dentre outros. E os filósofos antigos? E os
pré-socráticos? A livraria não dispunha. Minha primeira desilusão foi constatar
que a Grécia que eu buscava não mais existia, a não ser nas bibliotecas,
corações e mentes de alguns saudosistas como eu, que ainda cultuam o pensamento
em sua origem. A filosofia grega antiga transformara-se em vestígios.
Dali por diante, fixei-me na questão
cultural, inclusive a degustar grandes porções de Moussaka. Sim, mais uma vez
tive minha atenção requestada pela imagem dependurada no lobby do hotel, até
porque já a tinha visto em outros locais, até mesmo em restaurantes. A esbanjar
curiosidade, busquei informar-me com o concierge. Explicou-me ele que
tratava-se de Dioniso, o deus mais popular, o mais querido de toda a Grécia.
Sim, este deus, muito embora ser um dos primeiros deuses a surgir, fora rejeitado
por seus pares. Isto porque o Panteon era sobremodo aristocrático, e ele,
apesar de filho de Zeus, fora criado no interior, por titãs e fizera-se muito
próximo do povo.
Aqui permito-me citar Xenófanes de
Cólofon: “Os homens criaram deuses à sua imagem e semelhança”. Pelo que entendi,
os aristocratas criaram deuses e o povo criou Dioniso. E quanto à filosofia?
Parece ter sido criada e desenvolvida para trazer solidez ao pensamento humano.
Todavia, os seres humanos permitiram-se ao conspurco; o pensamento humano enodoou-se,
cobriu-se de excrecências; tornou-se corrompido, depravado. Uma quase certeza
me alerta: Não foram os seres humanos que se afastaram da filosofia, mas esta,
sim, apartou-se para não se permitir macular.