quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Santuário

 

De início, afirmo não se tratar de lugar consagrado à religião; não, nada de capela ou templo, mas de espaço onde posso dar azo a sentimentos, a alheamentos, a exaltações do espirito. Ali há algo como cumplicidade, aconchego; há acolhimento, refúgio, companheirismo... Ali desfruto de silêncio fecundo, de parceria não coloquial, do imaterial que me completa no espontâneo isolamento social.

A ninguém convido. O acesso a mim mesmo é restrito; só me permito ali entrar quando despido de qualquer mundanidade. Ali nutro-me, dessedento-me, banho-me, purifico-me em abluções. A quietude acalma-me, o sossego conforta-me. Nada de vozes elevadas, irritadas, descompassadas; nada de opiniões difusas, hostis, nada de teorias rotas ou contraditórias. Eu diria que ali o saber busca lugar, mas lugar distante das luzes, dos aplausos, do cerimonioso, do errático.

Por vezes lá pernoito: noites nada calientes, mas amenas e embaladas pelo sonho da sabedoria. Até o rigor do negrume no cômodo mostra-se terno, meigo. Há como que uma delicadeza infinda. Nada de odores díspares; tudo rescinde a um tímido amadeirado. Eu inalo o ambiente e aquilo refaz-me, regenera-me, revivifica-me, restaura-me. Não, não se trata de elixir para a juventude... eu diria, um saudável amavio para nobre amadurecimento. Ali tem lugar minhas orações; sim evoco o auxílio divino. E, talvez, por sentir-se mais à vontade, Ele me ouça com mais constância.

Lá, o amanhecer faz-se icônico. Imagens povoam-me a mente, e essas servir-me-ão de norte no decorrer do dia. E onde estará o modelo? Ali mesmo, acolá, algures? Onde? Claro, o modelo está em mim, por isso digo-o icástico. O ambiente assim propicia-me. São prateleiras, lombadas, atavios, cores, formatos os mais diversos... um outro universo. As boas ideias, as boas palavras, as saudáveis teorias exalam das páginas por mim afagadas, devoradas... Alguns escritores - romancistas, contistas, cronistas - poetas, dramaturgos, filósofos desfilam dentre as paredes que limitam o exíguo santuário. Todavia, alguém de maior sensibilidade diria: muito embora a parecença, tens mais do que isso; em verdade desfrutas de um sacrário.    

Um comentário:

  1. Eu tenho este lugar dentro de mim. Costumo chamar de "caixinha do nada". Vou lá fazer nada e encontro tudo.

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