De início, afirmo não se tratar de lugar consagrado à religião; não, nada de capela ou templo, mas de espaço onde posso dar azo a sentimentos, a alheamentos, a exaltações do espirito. Ali há algo como cumplicidade, aconchego; há acolhimento, refúgio, companheirismo... Ali desfruto de silêncio fecundo, de parceria não coloquial, do imaterial que me completa no espontâneo isolamento social.
A ninguém convido. O acesso a mim
mesmo é restrito; só me permito ali entrar quando despido de qualquer mundanidade.
Ali nutro-me, dessedento-me, banho-me, purifico-me em abluções. A quietude
acalma-me, o sossego conforta-me. Nada de vozes elevadas, irritadas,
descompassadas; nada de opiniões difusas, hostis, nada de teorias rotas ou contraditórias.
Eu diria que ali o saber busca lugar, mas lugar distante das luzes, dos
aplausos, do cerimonioso, do errático.
Por vezes lá pernoito: noites nada calientes, mas amenas e embaladas pelo
sonho da sabedoria. Até o rigor do negrume no cômodo mostra-se terno, meigo. Há
como que uma delicadeza infinda. Nada de odores díspares; tudo rescinde a um
tímido amadeirado. Eu inalo o ambiente e aquilo refaz-me, regenera-me, revivifica-me,
restaura-me. Não, não se trata de elixir para a juventude... eu diria, um
saudável amavio para nobre amadurecimento. Ali tem lugar minhas orações; sim
evoco o auxílio divino. E, talvez, por sentir-se mais à vontade, Ele me ouça
com mais constância.
Lá, o amanhecer faz-se icônico.
Imagens povoam-me a mente, e essas servir-me-ão de norte no decorrer do dia. E
onde estará o modelo? Ali mesmo, acolá, algures? Onde? Claro, o modelo está em
mim, por isso digo-o icástico. O ambiente assim propicia-me. São prateleiras, lombadas,
atavios, cores, formatos os mais diversos... um outro universo. As boas ideias,
as boas palavras, as saudáveis teorias exalam das páginas por mim afagadas, devoradas...
Alguns escritores - romancistas, contistas, cronistas - poetas, dramaturgos,
filósofos desfilam dentre as paredes que limitam o exíguo santuário. Todavia, alguém
de maior sensibilidade diria: muito embora a parecença, tens mais do que isso; em
verdade desfrutas de um sacrário.
Eu tenho este lugar dentro de mim. Costumo chamar de "caixinha do nada". Vou lá fazer nada e encontro tudo.
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