Se nos despirmos da
fantasiosa realidade social em que vive a massa trabalhadora, seremos lançados
de volta à Émile Zola. Mutatis mutandis,
o que vemos dentro do ambiente de trabalho, segundo a observação de Marx e
Zola? Uma massa compacta de trabalhadores sem quaisquer identidades ou
perspectivas, muito embora, hodiernamente, se possa argumentar com a existência
de sindicatos, se bem que tais sindicatos e sindicalistas nada mais fazem do
que encarnar o peleguismo.
Dias se seguem, se somam, se
transformam em noites, se traduzem em fadiga, enfado, angústias. O valor a ser
percebido pelo trabalho, que se avizinha da escravidão, é o suficiente para
fazer com que o trabalhador supra, e de modo parco, sua humílima condição de
mero trabalhador (esta é a finalidade do salário-mínimo). O profissional, se é
que assim pode ser classificado, negocia sua força produtiva em troca da
condição de subsistência; nada mais. É execrado, discriminado, não tem
expectativa de melhora, é-lhe negada a propriedade, a assistência
médico-social, a educação, o progredir.
Em nossa realidade,
atualíssima por sinal, as coisas assim se revelam: a discriminação sempre houve
e me parece que sempre haverá; a assistência médico-social é um embuste, haja
vista o INSS; a educação, por sua vez, cumpre uma mera formalidade, dizendo
alfabetizados àqueles que simplesmente “desenham” o nome em pedaços de papel,
mas incapazes de realizar uma simples operação de adição ou subtração sem o
auxilio da popular máquina de calcular.
Por consequência,
amontoam-se em “guetos” - leiam-se favelas, ou melhor, fazendo uso do
politicamente correto: “comunidades” - ou vilas operárias, em condições
sub-humanas, onde faltam água, transportes e segurança. A propriedade deixa de
ser uma conquista obtida pela atividade laboral, mas apenas fruto da obstinada
determinação de muitos, que invadem, ocupam encostas, agrupam-se em casebres
etc. Então o Estado “urbaniza” tais habitações e lhes empresta o status de “comunidade carente”, fazendo
deste expediente plataforma política arrebanhadora de votos.
Os alimentos, ingredientes
fundamentais na formação cerebral e psicofísica, quando ingeridos, são sempre
insuficientes para repor as energias dispendidas com qualquer trabalho -
entenda-se aqui informalidade ou “biscate”. Onde se pautar uma perspectiva de
melhora? Na doença, sucedânea das péssimas condições de vida, experimentam o abandono
por parte dos patrões, o que explica o colapso no sistema de saúde. Neste caso,
os trabalhadores veem-se como singelas peças de reposição da enorme máquina
industrial burguesa da qual fazem parte. Aqui é pertinente reclamar a atenção para
a atualidade da obra de Chaplin, “Tempos Modernos”.
O que se percebe no ambiente
laboral, dentro e fora do local de trabalho, é uma turba sem dignidade,
amalgamada pela necessidade e instinto de sobrevivência, mas igualmente
entorpecida pela posse de um telefone celular, pelos campeonatos de futebol,
pelas festas populares, pelo crédito fácil. Mas o instinto de sobrevivência,
com o passar dos anos, acaba por interferir até mesmo nos laços familiares.
Estes laços tendem a se estiolar, assim como os valores, as crenças religiosas,
os sentimentos etc. Os componentes da unidade familiar desestruturam-se em
busca da sobrevivência. Por conseguinte, o caos instalado traduz-se em revoltas,
na exacerbação da violência, e dá origem aos grandes movimentos sociais.
Então o Estado pacifica as
favelas, libera o crédito, derruba taxas e os impostos sobre produtos
industrializados, postula o acesso à justiça, estimula a criação de ONGs, delegando
a outrem uma responsabilidade que somente a ele cabe, milita por direitos
humanos, discursa em favor das minorias, cria uma política de cotas e distribui
bolsas-família. O estado-providência não extirpa os males sociais, apenas os
mascara, e então, pautado nestes procedimentos pífios e espúrios, cria ou recria
novos indicadores sociais.
Fazer o quê, se a educação mesma
foi aviltada, evitada, manietada e amordaçada?
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