sábado, 14 de setembro de 2013

Agatha Christie e o problema da Síria

A coisa parece romance policial.

Economia - Os Estados Unidos querem invadir a Síria com o pretexto de que o povo daquele país está sendo dizimado por um governo ditatorial, sangrento e irracional. Mas desde quando o Tio Sam se incomoda com isso? Até quando vamos acreditar que os norte-americanos representam o bem e seus desafetos o mal? Petróleo? Por enquanto, pois nossos amigos da América do Norte dentre em pouco anunciarão sua autossuficiência em combustíveis. E não por conta do petróleo, mas porque já desenvolveram uma tecnologia eficiente para extrair o xisto de poços petrolíferos já explorados e dados como exauridos.

Política - A Líbia foi liberta pelo nosso paladino norte-americano; o Egito também se viu livre de seu ditador; o Iraque já não mais se recorda de Saddam Hussein. Bem, estes países, agora livres de seus déspotas, estão sendo custodiados pelo fundamentalismo islâmico. Todavia o fundamentalismo também tem suas divisões: xiitas e sunitas. De todas as nações árabes, somente o Irã é comandado pelos xiitas. O Irã, por conta de sua ideologia religiosa, tem interesse na queda do ditador sírio. O Qatar, rico, também tem o governo sunita. A Arábia Saudita, dentre os islâmicos, é o único aliado dos Estados Unidos, e por isso considerado um traidor do Islã. A Síria tem como Chefe de Estado um déspota sunita, mas a maioria da população é desvinculada do islamismo e do fundamentalismo religioso. A Síria seria uma nação que, quando tivesse seu governo deposto, afastar-se-ia dos rigores do Corão. Isso explica porque, apesar de ser um ditador sunita, Bashar Al-Assad recebe o apoio de seus rivais xiitas.

Religião - No mundo árabe há a expectativa de se criar um tipo de Vaticano do islamismo. E não faltam candidatos para sediar tal pretensão: o Qatar, vitimado por uma crise de ostentação; o Egito, por conta da Universidade do Cairo, referência no estudo e tradições do mundo árabe; o Irã, que pretende invadir a Arábia Saudita, transformando Meca na capital sagrada do islamismo. Mas não nos esqueçamos da Turquia, que apesar de não ter um governo fundamentalista, é um país eminentemente muçulmano. 

Bem, agora posso me fantasiar de inspetor Poirot e desvendar a trama. Se as nações muçulmanas se unirem através de governos fundamentalistas, Israel estará em perigo. Ora, nosso Tio Sam não permitiria isso, até porque Israel é a porta de entrada norte-americana no oriente médio. Por outro lado, a Arábia Saudita também seria invadida, o que seria uma lástima para a economia norte-americana, enquanto a exploração do xisto não faz dos Estados Unidos uma nação autossuficiente em combustível. Este é o único interesse e preocupação dos Estados Unidos com o mundo árabe: tirar proveito de um aliado produtor de petróleo.


No mais, os Estados Unidos continuarão a espionar o Brasil e a Dilma Rousseff, mas nunca por causa de petróleo ou do pré-sal; a exploração do xisto é muito mais viável economicamente. O Brasil está sendo espionado por norte-americanos, russos, chineses, franceses etc. E quem, depois da internet, redes sociais, Google e todo recurso tecnológico, não espiona nos dias de hoje?

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Chapeuzinho Vermelho


Convido-vos à reflexão.  Como é difícil escrever contos infantis nos dias de hoje! Como dar azo à imaginação criadora com tantas medidas, leis, regras, regulamentos, normas etc.? Não estaria a criatividade sendo bloqueada justamente por conta de um sem número de exigências cabulosas e desprovidas de bom senso? Lancemos, portanto, nossa atenção para o mais famoso texto entre a petizada.

Pergunto: Como escrever algo similar ao Chapeuzinho Vermelho com todos os obstáculos que nos são interpostos? Consideremos: em primeiro lugar, como conceber pais que permitam uma menina adentrar sozinha a floresta com a ameaça, não do lobo ou de qualquer perigo, mas do Conselho Tutelar? E desde quando é possível uma velhinha habitar isolada numa floresta erma? E o Estatuto do Idoso? No mínimo, os parentes da velhinha seriam processados com a acusação de abandono, maus tratos e, quiçá, cárcere privado. E desde quando o IBAMA permitiria a caça e a presença invasiva em florestas? E o lobo, coitado, protegido para que não seja extinto. Eis a risibilidade das leis: característica assimilada pela Ciência Jurídica, que quando infectada pelo messianismo, inclina-se a disciplinar fenômenos de ordem socioeducativas.

Mas ainda não paramos por aí. Por que Chapeuzinho irrompe a floresta levando doces para a vovozinha?  Como ficariam os cuidados enfocados e/ou impostos pelos cultores da longevidade e pela irreverência dos imperativos estéticos? Estaria Chapeuzinho pretendendo deixar a vovó diabética? Por que não frutas frescas tais como maçãs, - desde que não seja envenenada como a da uma bruxa que vitima Branca de Neve - uvas, peras, pêssegos, carambolas, açaís, goiabas etc.?

Neste passo, acredito estar justificado o expediente hodierno das releituras de textos, filmes e romances clássicos. Com algum esforço, então, procurarei esboçar breve sinopse de uma releitura do conto em pauta. Vejamos: Chapeuzinho, na verdade, seria uma adolescente tão complicada quanto antenada. Ela e seu namoradinho encontrar-se-iam furtivamente na floresta para queimar um baseado. Neste caso, deve-se trocar o nome de Chapeuzinho Vermelho por Olhinho Vermelho. Visitar a vovó não passaria de desculpas, porque no sítio da velhinha eles teriam oportunidade de dar uns “amassos” e apertarem um bagulho.

Vovó, na verdade, seria uma viúva fogosa e pervertida; Lobo o nome do traficante que iria ao sítio cobrar a conta. Mas lá chegando - o Lobo - cairia vítima da sedução da vovó assanhada. É claro, eles "ficariam"! De fato, seria a vovó a comer o lobo, e não ao contrário como no conto clássico. O caçador em questão seria tão somente um investigador disfarçado, que há muito seguia os passos do traficante. E as tais perguntas totalmente sem noção, deveriam ser assim colocadas. Vovó: - “Pra que estes olhos tão grandes e vermelhos?” E o Lobo: - “É conjuntivite! Desencana!” Vovó: - “Pra que estes dentes tão grandes?” E o Lobo: - “Já marquei consulta com o ortodontista; vou usar aparelho”. E a vovó: - “Pra que estas unhas tão grandes?” O Lobo: - “Minha manicure foi presa traficando”. E a vovó: - “Pra que este nariz tão grande?” E o Lobo: - Porra, tu já está me enchendo o saco. Quer ver uma coisa grande?”


Nesta altura chega o investigador e dá voz de prisão ao traficante. Ele reage e é abatido. A vovó, mala, põe-se a gritar e a se fazer de vítima, alegando ter sido comida pelo lobo. Ainda bem que morreu, senão o pobre do Lobo seria acusado também de estupro de vulnerável. Mas minha historinha tem final feliz. Vovó se torna amante do investigador, e, com isso, Olhinho Vermelho pode dar seus "amassos" com o namoradinho e apertar fumo à vontade. E o mais importante: não precisa mais pagar a dívida ao traficante.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Da ignorância


A sabedoria árabe afirma:
- “Quem não sabe e não sabe que não sabe, é um imbecil: deve ser internado.
- Quem não sabe e sabe que não sabe, é um ignorante: deve ser instruído.
- Quem sabe e não sabe que sabe, é um sonhador: deve ser acordado.
- Quem sabe e sabe que sabe, é um sábio: deve ser imitado”.

Em se aplicando a máxima à educação voltamo-nos irremediavelmente para a ignorância - para aquele que não sabe e sabe que não sabe - pois que esta, além de estar afeita à função educacional, se revela sobremodo incômoda à relação ensino-aprendizagem. A ignorância não só é atrevida, mas vaidosa. O ignorante, ciente de sua própria incapacidade de assimilar ou apreender qualquer conteúdo que não seja o medíocre, o rasteiro, o vulgar, tenta ocultar-se. E para mascarar sua inépcia, lança mão de recursos espúrios e igualmente deletérios: a banalização, a piada, a chacota. Então, os seus iguais, também ignorantes, divertem-se com sua recursal e estroina jocosidade. A ignorância daí em diante vê-se como irreverência, como excentricidade. E arrebata prosélitos, posto que a pretensa extravagância tem o poder de se tornar arrebatadora dentre a caterva auto fracassada. A ignorância em si nada seria, mas sua contaminabilidade é preocupante.

Seria bastante pertinente a pergunta: e como combater semelhante mal? Posso lhes afiançar, e pautado em experimentos empíricos, que a ignorância, depois de experimentar o glamour da irreverência, submete-se à fama que dela se originou, transformando-se assim, numa espécie de doença auto-imune.  

Acredito poder terminar nossa leitura com outro provérbio também bastante popular: “Uma laranja estragada pode contaminar todo o cesto”.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Democracia: uma retórica nada democrática


Fala-se em regime político caracterizado pela soberania popular e de distribuição equitativa do poder. Mas isso pode levar a uma interpretação errônea do conceito, pois não poucos a entendem como uma proposta imoderada de liberdade. O próprio Montesquieu, preocupado com o desdobramento da dita interpretação, disse-nos, através do seu Espírito das Leis que, “A democracia e a aristocracia não são estados livres por natureza”. Nem mesmo governos moderados permitem a liberdade política, quando detecta abusos de poder. Aqui se torna necessária, portanto, a tripartição dos poderes.

Parece-me que, na verdade, a democracia, e isso remonta à própria origem do conceito, não passa de um grande engodo. Soberania popular, em si, é um conceito vazio, pois o povo nunca foi soberano. Famílias tradicionais sempre, e através do poder econômico, dividiram e partilharam o poder, evidentemente trazendo em seus discursos a retórica da soberania popular. Ainda na ágora grega, haja vista a condenação de Sócrates, pode-se perceber que o poder não se solidariza com a emulação. Nem mesmo a triste experiência do comunismo soviético conseguiu demonstrar a factibilidade desta forma de governo, isto é, a soberania popular.

O que a democracia faz, e muito bem, é criar a ilusão de uma liberdade e de uma participação no poder. Vejamos: o povo - a multiplicidade - é um universo difuso, díspar, divergente. Ora, a difusão leva à confusão, ao conflito de interesses. Qualquer governo que se pretende independente, soberano ou hegemônico deve manter-se coeso, resoluto, decidido, determinado. “Razões de Estado”, diria o cardeal de Richelieu. Portanto, o lema retórico disseminado pela democracia “O poder emana do povo, para o povo e pelo povo”, exaure-se por sua própria inaplicabilidade. Os sistemas de governo, seja lá qual for o grau utilizado de separação dos poderes, não conseguem tornar factível a proposta democrática. Estados unitários ou federativos também se mostram incapazes de tal realização.

Mas poderíamos de bom grado falar em outros regimes de governo. Tanto o autoritarismo, o despotismo, a ditadura, as oligarquias, as plutocracias, as teocracias, as tiranias e os totalitarismos manipulam os povos, só que, diferentemente da democracia, os faz acreditar que a força, a exceção, o arbítrio e a própria fé são os únicos modos de proporcionar a felicidade humana. Se nos voltarmos às ideologias políticas, seja o comunismo ou socialismo, até por uma experiência histórica, veremos que foram baldas as tentativas de fazer do ensejo, das expectativas do povo uma voz ativa e altissonante. E por favor, não recorram ao argumento sub-reptício do consenso. O consenso é outro conceito vazio. Em decisão eletiva, a maioria numérica vence; em decisão arbitrária, quase todos perdem. 

Se nos voltarmos à forma de governo tida como a menos imperfeita, a república, normalmente confundida com a democracia, até porque seus pressupostos se assemelham, poderemos observar que o povo como autoridade também está descartado. Como apanágio do republicanismo destacamos o sufrágio livre e secreto. Todavia, a república, a res publica, a coisa pública, na verdade a administração pública, já era contemplada no Império Romano e em alguns reinados europeus. Maquiavel utilizava a palavra res publica para reportar-se tanto a democracias quanto a aristocracias. Etimologicamente a palavra tem o significado de bem comum, e, atualmente, diz-se de um sistema de governo que emana do povo. Isto não só a aproxima da democracia, e todas as suas perversões acima descritas, bem como, quando no predomínio econômico ou político do capital, de um liberalismo, que em nada proporciona a igualdade e ou a fraternidade difundida pelo Iluminismo.

Democracia, em termos práticos, seria uma proposta eminentemente e unicamente utópica. A liberdade, retoricamente defendida por governantes, fica refém da liberdade política, pois atenderia somente aos interesses da classe que se propõe a governar. Na verdade, podemos entendê-la, fazendo uso das palavras de Aristóteles, como uma forma impura, isto é, uma demagogia, onde o governo exercido pela maioria - entenda-se uma maioria qualitativa e não quantitativa - para oprimir uma minoria, também qualitativa e nunca quantitativa. E se buscarem saber o que significa, neste caso, o qualitativo, pensem no poder, na riqueza, no tráfico de influência etc.

Então meus atentos leitores perguntar-se-iam: será que o autor defende um regime anárquico? Evidente que não. O que seria a anarquia dentro da própria anarquia? A negação de uma negação é tão somente uma afirmação. Mas ainda uma questão poderia pairar na reflexão do leitor: e qual seria a forma pura? E eu diria: Não há!  O que há são pessoas, seres humanos, e nada mais. O que me soa nefasto são os mecanismos retóricos utilizados para se hipostasiar, ou seja, conferir substância a algo, no caso a um estereótipo fajuto. E quando falo em estereótipo fajuto me refiro ao fato de se ter atribuído predicados como racionalidade e/ou socius aos seres humanos. São esses paradigmas infamantes, - na verdade difamantes - sociabilidade e racionalidade, que teimam em retirar os humanoides de seu perpétuo estado de natureza. Percebam! Os sistemas, as formas de governo e de estado, na tentativa de justificar a racionalidade e a sociabilidade impostas aos humanos, nada mais fazem do que reiterar o estado de natureza de que vos falo, - e em que estão imersos - onde os mais fortes e os mais hábeis oprimem, vilipendiam e exploram os fracos, os incapazes e obtusos, muitas das vezes vítimas de uma potencialização da pusilanimidade, da inaptidão, da estupidez.

Nada a fazer!

domingo, 1 de setembro de 2013

O diplomata que virou babalorixá


Meus leitores podem achar estranha a narrativa, pois que o exercício da diplomacia rescende refinamento, elegância, airosidade. Envolve igualmente o domínio de várias línguas, bem como conhecimentos de ciência política, de relações internacionais, economia, história universal, geografia, direito, artes etc. Mas não seria isso já um sintoma de preconceito? Afinal, vivemos em plenitude o respeito às diferenças. E não é o primeiro caso - pelo menos no Brasil - em que um diplomata abandona a diplomacia e volta-se a outro afazer, estreitando sua relação com a cultura afro-brasileira, a exemplo de Vinícius de Moraes.
Mutatis mutandis, meu amigo sempre se mostrou determinado em exercer a diplomacia. E conseguiu. Mas a diplomacia, por sua natureza intrínseca, pauta-se numa espécie de seleção aristocrática, pois que os representantes de qualquer nação devem fazê-lo com desembaraço, extremo zelo, conhecimento e desenvoltura. E creio que, ainda por uma exigência calcada em costumes, tradições e donaires, a diplomacia leva muito em conta a estirpe familiar.
Meu amigo, um lutador, advindo de uma classe médio média, ousou. E de tanto ousar, realizou seu intento, mas nunca fora enviado em longas missões por países classificados como primeiro mundo. Teve apenas uma rápida passagem pela Europa e nada mais. Da vez primeira lá estava o amigo no Marrocos. Ao ler suas missivas deparava-me com o harmônico Salaam Aleikum; na despedida, digitava um garboso Inshalá. Mas as culturas apenas desempenham seu papel: insinuam-se, disseminam-se e instalam-se. De outra feita, lá estava o diplomata na Mauritânia, depois Senegal, depois Nigéria... E teve início um peregrinar pelos países sul-africanos; dir-se-ia que o amigo tornara-se um especialista nas questões daquele continente.
Todavia, dependendo da receptividade, a cultura pode mostrar-se invasiva. Com os anos, comecei a estranhar os e-mails, porque além de se tornarem sintéticos e raros, vinham repletos de palavras em Yorubá. Os textos começavam, em geral por um Karò, o! Deixei de ser amigo e passei a ser Yekan. Do Brasil, da família, dos amigos, já não sentia mais saudades, e sim Inuyiyó. Sua senhora mãe tornou-se Yiá. Já não nos desejava felicidades, apenas Alafiá. Quando irritado, já a ninguém chamava de idiota e sim Akurete. O adeus limitava-se a um impessoal Ó dabò. Em verdade, o amigo africanizara, e sua assimilada africanidade era pura, espontânea, leal. Contudo, eu sentia falta do bom papo, das tergiversações, das gargalhadas, das fofocas e intrigas internacionais.
Algum tempo depois, recebi a notícia de que meu Yekan - amigo - abandonara a diplomacia e estava de volta ao Brasil; fixara residência em Salvador. Lá, com os recursos amealhados durante anos como diplomata, tentou fundar um terreiro de candomblé, mas a coisa não deu muito certo por conta da concorrência. Fazer o quê? Regras de mercado! Carecendo da verve para a poesia e/ou composição, mas detentor do conhecimento diplomático, preenchera proposta de adesão ao grupo Filhos de Gandhy. Bem, enquanto aguardava a resposta de sua solicitação, vendia acarajé no Rio Vermelho e jogava búzios na Baixa do Sapateiro. Apesar da Inuyiyó, ou melhor, saudade do nosso bom papo, eu lhe desejo muita Alafiá, isto é: Felicidades!


A vida ainda me surpreende!