Meus
leitores podem achar estranha a narrativa, pois que o exercício da diplomacia rescende
refinamento, elegância, airosidade. Envolve igualmente o domínio de várias
línguas, bem como conhecimentos de ciência política, de relações internacionais,
economia, história universal, geografia, direito, artes etc. Mas não seria isso
já um sintoma de preconceito? Afinal, vivemos em plenitude o respeito às
diferenças. E não é o primeiro caso - pelo menos no Brasil - em que um diplomata
abandona a diplomacia e volta-se a outro afazer, estreitando sua relação com a
cultura afro-brasileira, a exemplo de Vinícius de Moraes.
Mutatis mutandis, meu amigo sempre se mostrou
determinado em exercer a diplomacia. E conseguiu. Mas a diplomacia, por sua
natureza intrínseca, pauta-se numa espécie de seleção aristocrática, pois que
os representantes de qualquer nação devem fazê-lo com desembaraço, extremo
zelo, conhecimento e desenvoltura. E creio que, ainda por uma exigência calcada
em costumes, tradições e donaires, a diplomacia leva muito em conta a estirpe
familiar.
Meu
amigo, um lutador, advindo de uma classe médio média, ousou. E de tanto ousar,
realizou seu intento, mas nunca fora enviado em longas missões por países
classificados como primeiro mundo. Teve apenas uma rápida passagem pela Europa
e nada mais. Da vez primeira lá estava o amigo no Marrocos. Ao ler suas
missivas deparava-me com o harmônico Salaam
Aleikum; na despedida, digitava um garboso Inshalá. Mas as culturas apenas desempenham seu papel: insinuam-se,
disseminam-se e instalam-se. De outra feita, lá estava o diplomata na
Mauritânia, depois Senegal, depois Nigéria... E teve início um peregrinar pelos
países sul-africanos; dir-se-ia que o amigo tornara-se um especialista nas
questões daquele continente.
Todavia,
dependendo da receptividade, a cultura pode mostrar-se invasiva. Com os anos, comecei
a estranhar os e-mails, porque além
de se tornarem sintéticos e raros, vinham repletos de palavras em Yorubá. Os
textos começavam, em geral por um Karò,
o! Deixei de ser amigo e passei a ser Yekan.
Do Brasil, da família, dos amigos, já não sentia mais saudades, e sim Inuyiyó. Sua senhora mãe tornou-se Yiá. Já não nos desejava felicidades,
apenas Alafiá. Quando irritado, já a
ninguém chamava de idiota e sim Akurete.
O adeus limitava-se a um impessoal Ó dabò.
Em verdade, o amigo africanizara, e sua assimilada africanidade era pura,
espontânea, leal. Contudo, eu sentia falta do bom papo, das tergiversações, das
gargalhadas, das fofocas e intrigas internacionais.
Algum
tempo depois, recebi a notícia de que meu Yekan
- amigo - abandonara a diplomacia e estava de volta ao Brasil; fixara
residência em Salvador. Lá, com os recursos amealhados durante anos como
diplomata, tentou fundar um terreiro de candomblé, mas a coisa não deu muito
certo por conta da concorrência. Fazer o quê? Regras de mercado! Carecendo da
verve para a poesia e/ou composição, mas detentor do conhecimento diplomático, preenchera
proposta de adesão ao grupo Filhos de Gandhy. Bem, enquanto aguardava a
resposta de sua solicitação, vendia acarajé no Rio Vermelho e jogava búzios na
Baixa do Sapateiro. Apesar da Inuyiyó,
ou melhor, saudade do nosso bom papo, eu lhe desejo muita Alafiá, isto é: Felicidades!
A
vida ainda me surpreende!
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