domingo, 1 de setembro de 2013

O diplomata que virou babalorixá


Meus leitores podem achar estranha a narrativa, pois que o exercício da diplomacia rescende refinamento, elegância, airosidade. Envolve igualmente o domínio de várias línguas, bem como conhecimentos de ciência política, de relações internacionais, economia, história universal, geografia, direito, artes etc. Mas não seria isso já um sintoma de preconceito? Afinal, vivemos em plenitude o respeito às diferenças. E não é o primeiro caso - pelo menos no Brasil - em que um diplomata abandona a diplomacia e volta-se a outro afazer, estreitando sua relação com a cultura afro-brasileira, a exemplo de Vinícius de Moraes.
Mutatis mutandis, meu amigo sempre se mostrou determinado em exercer a diplomacia. E conseguiu. Mas a diplomacia, por sua natureza intrínseca, pauta-se numa espécie de seleção aristocrática, pois que os representantes de qualquer nação devem fazê-lo com desembaraço, extremo zelo, conhecimento e desenvoltura. E creio que, ainda por uma exigência calcada em costumes, tradições e donaires, a diplomacia leva muito em conta a estirpe familiar.
Meu amigo, um lutador, advindo de uma classe médio média, ousou. E de tanto ousar, realizou seu intento, mas nunca fora enviado em longas missões por países classificados como primeiro mundo. Teve apenas uma rápida passagem pela Europa e nada mais. Da vez primeira lá estava o amigo no Marrocos. Ao ler suas missivas deparava-me com o harmônico Salaam Aleikum; na despedida, digitava um garboso Inshalá. Mas as culturas apenas desempenham seu papel: insinuam-se, disseminam-se e instalam-se. De outra feita, lá estava o diplomata na Mauritânia, depois Senegal, depois Nigéria... E teve início um peregrinar pelos países sul-africanos; dir-se-ia que o amigo tornara-se um especialista nas questões daquele continente.
Todavia, dependendo da receptividade, a cultura pode mostrar-se invasiva. Com os anos, comecei a estranhar os e-mails, porque além de se tornarem sintéticos e raros, vinham repletos de palavras em Yorubá. Os textos começavam, em geral por um Karò, o! Deixei de ser amigo e passei a ser Yekan. Do Brasil, da família, dos amigos, já não sentia mais saudades, e sim Inuyiyó. Sua senhora mãe tornou-se Yiá. Já não nos desejava felicidades, apenas Alafiá. Quando irritado, já a ninguém chamava de idiota e sim Akurete. O adeus limitava-se a um impessoal Ó dabò. Em verdade, o amigo africanizara, e sua assimilada africanidade era pura, espontânea, leal. Contudo, eu sentia falta do bom papo, das tergiversações, das gargalhadas, das fofocas e intrigas internacionais.
Algum tempo depois, recebi a notícia de que meu Yekan - amigo - abandonara a diplomacia e estava de volta ao Brasil; fixara residência em Salvador. Lá, com os recursos amealhados durante anos como diplomata, tentou fundar um terreiro de candomblé, mas a coisa não deu muito certo por conta da concorrência. Fazer o quê? Regras de mercado! Carecendo da verve para a poesia e/ou composição, mas detentor do conhecimento diplomático, preenchera proposta de adesão ao grupo Filhos de Gandhy. Bem, enquanto aguardava a resposta de sua solicitação, vendia acarajé no Rio Vermelho e jogava búzios na Baixa do Sapateiro. Apesar da Inuyiyó, ou melhor, saudade do nosso bom papo, eu lhe desejo muita Alafiá, isto é: Felicidades!


A vida ainda me surpreende! 

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