A contemporaneidade tem como apanágio, além dos problemas de ordem ambiental, desenvolvimento sustentável, política neoliberal e globalização, a grande preocupação com a integração dos seres humanos e, por conseguinte, com questões raciais e de gênero, suas diferenças e conquistas. Em uma análise perfunctória, pode-se perceber, contudo, que apesar do enorme empenho em eliminar e/ou minimizar as diferenças sociais, há como que um processo de polarização da sociedade, onde de um lado encontra-se uma minoria e de outra a classe opositora àquela minoria.
Esta polarização advém de uma ideologia espúria. Sim, espúria, porque toda ideologia não construída a partir de um eu-em-si, de uma subjetividade, de uma vivência intrínseca, mostra-se como instrumento de manipulação. Portanto, o que se vê são ideologias manipuladoras, porque têm como objetivo principal fazer proselitismo e cooptar adeptos. Os tornados adeptos, por serem, de um jeito protocolar, politicamente analfabetos, deixam-se engambelar por discursos plenos de uma falácia obscena, de uma sofística execrável.
Não obstante o discurso que postula igualdade, vemos-nos quase que culturalmente educados, doutrinados para fortalecer a diferença, algo característico de um darwinismo social. Hodiernamente partilhamos o dia-a-dia com um grande número de minorias que se nos revelam como vítimas. A vitimização estabelece, portanto, seu corolário: o processo de polarização. O processo de polarização, salvo melhor juízo, impede até mesmo o exercício da cidadania, pois que obstaculiza as opiniões privadas e/ou públicas. A polarização social é, em si, antidialética.
Não há mais a possibilidade
de um debate aberto, franco, sem que os envolvidos sejam rotulados pelos mais
contundentes adjetivos. E tal expediente torpe estende-se às instituições,
sejam elas políticas, econômicas, educacionais, culturais, etc. O executivo busca administrar em função de interesses ideológicos partidários; o legislativo legisla igualmente em função de interesses e ideologias partidárias; o judiciário, na verdade uma legião de sofomaníacos, julga a partir de ideologias partidárias. Com isso temos o barbarismo democrático e a orgia institucional instaurada sob o manto da legalidade.
Nas relações cotidianas, o que se percebe é que temos a mulher como vítima do homem, o pobre como vítima do rico, o trabalhador como vítima do empresário, as classes sociais mais baixas vítimas das oligarquias, o negro como vítima do branco, o homossexual como vítima do heterossexual, o idoso como vítima da juventude, a criança como vítima do adulto, etc., etc., etc. A mediação deixou de existir, a dialética foi banida do léxico.
Nas relações cotidianas, o que se percebe é que temos a mulher como vítima do homem, o pobre como vítima do rico, o trabalhador como vítima do empresário, as classes sociais mais baixas vítimas das oligarquias, o negro como vítima do branco, o homossexual como vítima do heterossexual, o idoso como vítima da juventude, a criança como vítima do adulto, etc., etc., etc. A mediação deixou de existir, a dialética foi banida do léxico.
Mas
o discurso da tolerância permanece. Como? Como falar em tolerância se a
dinâmica é intolerante? O que temos, então? A violência contra a mulher
aumentou, a homofobia faz seus mártires, as crianças estão sendo maltratadas,
os negros mais e mais são discriminados, cresceu sobremodo a xenofobia. A tão
divulgada tolerância não encontra respaldo algum; por isso mesmo transforma-se e
manifesta sua antítese: a intolerância.
A
estrutura da crise se mostra através de um encadeamento: ideologia,
vitimização, polarização. Com isso, as lutas sociais assimilaram o modus
operandi de luta armada. A violência, antes justificada pela maneira de o povo
manifestar seu total desagrado com um sistema que os discrimina, maltrata e
repele, agora se mostra com requintes de ações cinematográficas, revelando
conhecimentos de guerrilha urbana. As greves não são mais reivindicatórias, mas
trazem em suas raízes a ideologia espúria bem presente nas mentes dos sequazes
manipulados. As manifestações se aliaram aos atos de violência, à barbárie, ao
vandalismo. A autoridade policial vê-se limitada, até porque, como instituição,
tornou-se refém da torpe ideologia.
Pergunto:
Estamos, de fato, vivenciando uma democracia? Democracia que se vincula à
violência dos manifestantes, ao descaso das autoridades, ao desrespeito com o
povo, ao deboche da classe política, ao desmando a que se entregaram as
instituições? Acredito que o Brasil não conseguiu assimilar ainda o que seja
uma democracia. A democracia no Brasil não contempla a urbanidade, mas a
balbúrdia, a defesa de interesses particulares, e, destarte, a impunidade. Meu
maior temor é que esse tipo singular de democracia desague, incondicionalmente,
numa guerra civil.
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