Enfim domingo: o dia do concurso. Não estranheis, mas eu precisava prestar o concurso (se não fosse este seria um outro), afinal o problema da idade aliada à crise econômico-pandêmica construíram minha ruína financeira. A aposentadoria tornou-se apenas um título curricular, um status em negativo. Nada obstante, há que ser levada em conta o problema da idade; não posso nem mesmo ser tratado por “maduro”, pois minha maturação é intempestiva, démodé. E com a idade vêm os “incômodos” característicos. Sim, problemas de intestino e de incontida flatulência. Mas acordei bem disposto naquele domingo. Barbeei-me com esmero, uma roupa bem transada, calçado tipo sapa-tênis; eu desfilava elegância. E assim, entusiasmado e confiante, deixei a casa.
Em pouco menos de vinte minutos
cheguei ao local da prova: um colégio bem conhecido situado em bairro próximo.
O relógio marcava sete da manhã quando o portão abriu-se. Identifiquei-me e
dirigi-me à sala nº 1. Cumpri os trâmites necessários, ou seja: embalei e
lacrei as chaves do carro, o telefone celular e demais objetos em certo
envelope plástico. Assinei a presença e escolhi o local no qual me sentaria durante
a realização da prova. Já acomodado, pus-me a pensar no tempo decorrido desde a
última vez que ocupara assentos como aqueles. Anos? Décadas? Tive o pensamento
interrompido pela sensação de uma iminente liberação de gases. Tentei
conter-me. Qual nada! E a inhaca teve lugar. As pessoas entreolharam-se
enquanto torciam o nariz, muito embora o uso obrigatório da máscara para evitar
a contaminação pela Covid19. Não pude conter a irrisão.
O bodum - insuportável, poder-se-ia
dizer - seria percebido até pelos vitimados de Corona Vírus. Aquele não fora o
único traque; eu diria que teve início um fenômeno que batizei de flatus delivery. As pessoas presentes
começaram a reclamar, a tossir, a ficarem vermelhas. Alguém sentiu ânsias de
vômito, acolá outro alguém experimentou, além de náuseas, um ligeiro desmaio. Vivenciávamos,
portanto, uma enxurrada de flatus
perversum. E os olhares voltaram-se para mim; acusadores, transtornados,
ressentidos. Mas como descobriram minha autoria? Simples; é a mesma coisa que
filho adolescente: os pais são os únicos que não reclamam. O fiscal de provas
dirigiu-se a mim, ameaçando-me com expulsão; disse-me ele que eu seria retirado
da sala por estar perturbando o ambiente e o bom andamento dos trabalhos. Em
meio a outra saraivada de bufas, haja vista a ventosidade na qual eu estava
imerso, respondi que ele consultasse o Edital; se nada fosse previsto no
Edital, eu permaneceria em sala. E para concluir, exclamei, bem ao estilo da
longínqua infância: “Os incomodados que se mudem!”
Pois bem, nada constava no Edital
sobre candidatos acometidos de flatulência. E os incomodados se foram; quase
todos deixaram o local e desistiram da prova. Pus-me então a pensar no quanto é
irresponsável emitir juízos de valor acerca de males e vícios que nos são
estranhos, afinal graças a minha flatosa característica, eliminei - pelo menos
naquela sala - grande parte da concorrência. A propósito, aguardo ansioso pela
nomeação e posse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário