segunda-feira, 14 de junho de 2021

Flatus delivery

 

Enfim domingo: o dia do concurso. Não estranheis, mas eu precisava prestar o concurso (se não fosse este seria um outro), afinal o problema da idade aliada à crise econômico-pandêmica construíram minha ruína financeira. A aposentadoria tornou-se apenas um título curricular, um status em negativo. Nada obstante, há que ser levada em conta o problema da idade; não posso nem mesmo ser tratado por “maduro”, pois minha maturação é intempestiva, démodé. E com a idade vêm os “incômodos” característicos. Sim, problemas de intestino e de incontida flatulência. Mas acordei bem disposto naquele domingo. Barbeei-me com esmero, uma roupa bem transada, calçado tipo sapa-tênis; eu desfilava elegância. E assim, entusiasmado e confiante, deixei a casa.

Em pouco menos de vinte minutos cheguei ao local da prova: um colégio bem conhecido situado em bairro próximo. O relógio marcava sete da manhã quando o portão abriu-se. Identifiquei-me e dirigi-me à sala nº 1. Cumpri os trâmites necessários, ou seja: embalei e lacrei as chaves do carro, o telefone celular e demais objetos em certo envelope plástico. Assinei a presença e escolhi o local no qual me sentaria durante a realização da prova. Já acomodado, pus-me a pensar no tempo decorrido desde a última vez que ocupara assentos como aqueles. Anos? Décadas? Tive o pensamento interrompido pela sensação de uma iminente liberação de gases. Tentei conter-me. Qual nada! E a inhaca teve lugar. As pessoas entreolharam-se enquanto torciam o nariz, muito embora o uso obrigatório da máscara para evitar a contaminação pela Covid19. Não pude conter a irrisão.

O bodum - insuportável, poder-se-ia dizer - seria percebido até pelos vitimados de Corona Vírus. Aquele não fora o único traque; eu diria que teve início um fenômeno que batizei de flatus delivery. As pessoas presentes começaram a reclamar, a tossir, a ficarem vermelhas. Alguém sentiu ânsias de vômito, acolá outro alguém experimentou, além de náuseas, um ligeiro desmaio. Vivenciávamos, portanto, uma enxurrada de flatus perversum. E os olhares voltaram-se para mim; acusadores, transtornados, ressentidos. Mas como descobriram minha autoria? Simples; é a mesma coisa que filho adolescente: os pais são os únicos que não reclamam. O fiscal de provas dirigiu-se a mim, ameaçando-me com expulsão; disse-me ele que eu seria retirado da sala por estar perturbando o ambiente e o bom andamento dos trabalhos. Em meio a outra saraivada de bufas, haja vista a ventosidade na qual eu estava imerso, respondi que ele consultasse o Edital; se nada fosse previsto no Edital, eu permaneceria em sala. E para concluir, exclamei, bem ao estilo da longínqua infância: “Os incomodados que se mudem!”

Pois bem, nada constava no Edital sobre candidatos acometidos de flatulência. E os incomodados se foram; quase todos deixaram o local e desistiram da prova. Pus-me então a pensar no quanto é irresponsável emitir juízos de valor acerca de males e vícios que nos são estranhos, afinal graças a minha flatosa característica, eliminei - pelo menos naquela sala - grande parte da concorrência. A propósito, aguardo ansioso pela nomeação e posse.   

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