quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

A visita

 

Apenas vontade? Não o saberia dizer. Talvez a rogativa de o meu coração surtira efeito: jovens surgiram e conduziram-me ao inaudito. Não, não havia movimento, mas deslocamento, e isso em grande velocidade. Meu destino? O infinito! Delíquio? Pode ser, mas lá estava eu. Procurei pelo passado... nada. Até mesmo por um futuro... Eu só via agoras: agoras que não precediam ou sucediam. Cronos deixara de existir. Nada de acontecimentos; não havia sucessões. Sem o tempo, a eternidade perdera a serventia.

Mas meu pasmo não se encerrava aí. Conduziram-me inda mais. Lugar nenhum? Somente eu na imensidão, se bem que apenas a ideia do eu; nada presencial, nada material. E o que mais? Nada! Eu visitava a imensidão; eu conhecera um nada prenhe de tudo. Urano também fora banido. O espaço só se faz necessário quando em presença de objetos. Nada havia que suscitasse dimensões.

O mais impactante de minha visita: percebo que o inexistente tem existência. Então pergunto-me pelo eu. Qual a relevância do ego em face de não haver espaço-tempo? Espaço e tempo são intuídos quando na finitude. Sábias as palavras que recomendam um “negar-se a si mesmo”. Afinal, o que conhecemos de fato?  

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Hciduw


A esposa solícita, enquanto arrumava com esmero a mesa para o nosso jantar, permitiu-se um tipo de desabafo: - “Creio que minha comida ficou sem graça”. Bem, ao sentar-me à mesa, preocupado com o que ela me confessara, buscando também demonstrar solicitude, após a primeira garfada, dei início a uma série de risadas. Gente, vós não tendes a mínima noção do que eu passei.

Pois bem, antes mesmo de emitir juízos de valor e culpar as relações, devo dizer que, a meu ver, o problema está na linguagem. Atentemos, pois: como a comunicação articulada é difícil! Considero a fala (sons articulados) algo primitivo, escabroso. A comunicação em si, exige uma substancial dose de boa vontade. Afinal, quando interpretar? Quando apelar para a literalidade? Independentemente do idioma, seres humanos vivenciam suas Babéis particulares.

Em minhas superficiais lucubrações, consegui perceber a gravidade do crime cometido por Prometeu. Por isso a punição: preso a uma pedra e ter seu fígado devorado ad aeternum por abutres. Escritos religiosos vêm corroborar a gravidade do problema ao determinarem o que seria pecado original; Adão e Eva expulsos do paraíso. E que ele, Adão, não ouse sorrir à hora das refeições!  


quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Nova subjetividade

Uma primeira questão: Tratar-se-ia, efetivamente, de subjetividade? Eu poderia até mesmo falar em narcisismo, mas creio que a coisa tem origem distante e se estende ainda mais. Não, a pessoa em questão não admira (apenas) com exagero sua própria imagem; ela quer mais, ela quer ser vista, reconhecida, idolatrada pelo outro. Isso é protocolar! Essa dependência do olhar alheio pode ser responsável, na atualidade, pelo sucesso de “influencers”, “coachs “. Estes, por sua vez, não estão preocupados com a qualidade do que divulgam, mas sim com likes, seguidores, compartilhamentos e emojis de aprovação. Atualmente, já se fala em mutação civilizacional. 

Então, abordemos os desdobramentos: Por não conseguir a atenção desejada, seres humanos lançaram mão de recursos outros, onde até mesmo a arte foi aviltada. Hodiernamente, manifestações artísticas, em geral, revelam a agressividade típica de seus criadores. O que importa é ser visto, conhecido, notado! A arte passou a ter como base simplesmente a subjetividade; conceitualmente, a arte seria apenas catarse. Não mais há preocupação com estética, pois mutilam partes do próprio corpo; rabiscos agressivos (tatuagens) se estendem por toda a pele. Bem, e quando tudo se resume a fracasso, resta o suicídio.

Essa nova subjetividade - na verdade não tão nova, a meu ver - expressa de modo óbvio um construído e nefasto individualismo. O que me causa espécie é o fato de uma sociedade pautada sobremodo numa doentia individualidade falar em respeito ao próximo, em fraternidade, em direito humanos, etc., etc., etc.      



terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Anti saussuriano


E a matéria declara o fim da língua portuguesa no Brasil. De fato? Linguistas assim o dizem: o país, em busca de sua identidade, deixará de usar a língua portuguesa e adotará um novo idioma. De início algum espanto, pois não sabia que o país ainda buscava uma identidade. Mas ... nem tudo está perdido. Todavia, preocupa-me saber a orientação ideológica dos ditos linguistas, afinal existem linguistas e linguistas. E como seria esse novo idioma? Porventura um caldo ralo de abreviaturas, estrangeirismos e corruptelas assimiladas a partir de uma farsa chamada multiculturalismo? Estai atentos: o povo brasileiro gosta da subserviência; a mentalidade é colonialista.

Voltemos aos fatos! A gramática (se houver) terá como base o método Paulo Freire, evidentemente... (risos). Creio que a nova identidade será apenas um ressurgir do tradicional: “Pelé, café e as Mulatas do Sargentelli”, isto é, “Brasil: o país do futebol e do carnaval”. Sejamos honestos: o país já não sabe mais o que é futebol e o carnaval está sob domínio do crime organizado. O povo, além da cerveja, contenta-se no sorver de uma excrecência cafeinada. Sim, só mais uma pergunta: como um país que se declara multiculturalista pode estar em busca de identidade?        

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Empedernido


Por que o desuso na linguagem? Parece-me que há grande empenho em “criar”, de forma célere, um português arcaico, pois percebo uma “língua morta” a partilhar nosso dia-a-dia. Seriam tão somente as dificuldades idiomáticas? Não creio! Dar-se-ia o mesmo com outros idiomas? Ou muito me engano, ou nossas gerações atuais desconhecem nosso idioma falado. Exacerbo? Senão, vejamos!

Em determinado concurso público, o texto apresentado na prova de português continha o termo propínquo. Pareceu-me ter ouvido - não é exagero - certo murmúrio a partir de alguns candidatos. Ao final da prova o termo propínquo era tudo em que se falava. E como a ignorância busca refúgio na galhofa, a coisa em pouco tempo virou piada. Na rua, em frente ao colégio que sediara a prova, alguém perguntou a um casal que passava: - “Ele é teu propínquo?” A mulher então, algo ofendida, respondeu: - “Propínquo é tua avó!” Não obstante a intenção ofensiva, vovós parecem-me a encarnação da proximidade. A linguagem poética, por sua vez, também é vítima do processo de degeneração. O achincalhe fez a bela mulher sentir-se ofendida com o termo pulcritude colocado pelo esposo. Sua resposta: - “Não tendo mais nada para falar, resolveste implicar com minha pulcritude!”

Peço a gentileza de corrigir-me em havendo excesso, mas, salvo melhor juízo, soa-me protocolar o processo de aviltar - degradar - o português. A língua, a norma culta não é distintivo de nenhuma classe social. Fazei-me o favor, a linguagem escorreita não envergonha, não desabona ou ofende a ninguém. A propósito, o termo empedernido não me converte em pedra ou me torna insensível, apenas declara-me não influenciável pelo discurso colonialista que dissemina a ideia do português ser uma língua periférica.           









domingo, 8 de dezembro de 2024

Certeza

 

Enfim nos encontraremos! Não, ela nunca esteve à minha espera; eu jamais a busquei... Mas nosso encontro mostra-se iminente. Mas, por que agora? E, por que não ontem ou em futuro distante? Posso afiançar-vos de que nunca lançamos mão de recursos delusórios para apressar esse tête-à-tête. Descreveram-na como alguém elegante, a fazer uso de roupagens clássicas... seria de fato? Qual nada, mera especulação; há os que a descrevem por exibir faces e petrechos estereotipados. Não obstante aconselharam-me um bem trajar; imaginai: eu um tardio handsome!

Contudo, questiono: por que Certeza? Pois foi desse modo que ela a mim se apresentou. Mas o que significa? Convicção? De fato, na Certeza não há espaço para opiniões. Teria algo a ver com o Absoluto? Dizem-no verdadeiro. O Absoluto me parece único... Certeza absoluta seria pleonasmo. Adjetivos são substantivados, substantivos surgem, adjetivos se insurgem. Hilário (por que não ridículo?) é como seres humanos se valem de eufemismos para reportarem-se ao que lhes perturbam, assustam...  

E nesse meu vaguear caótico ainda penso em apelar à lógica; busco premissas maiores e/ou menores... O silogismo carece de antecedentes, de consequentes. Fado? Falta de sorte? E ficamos à mercê de um depoimento entimemático: a tal Certeza não é outra senão a Morte!