quarta-feira, 25 de abril de 2012

Do Messianismo Jurídico



A pós-modernidade influenciou, e de modo incontestável, as ciências humanas - Geistswissenchaften – pois que a elas couberam uma maior responsabilidade no que tange às rupturas com a fracassada modernidade.
Parece que a modernidade líquida - ou a pós-modernidade - a exemplo da belíssima descrição de Bauman, não só trouxe a instabilidade, mas provocou uma permissividade, ou melhor, uma ductilidade incorporada pelas ciências humanas. Não obstante, essa flexibilidade fundiu-se à instabilidade que pretendia suprimir.
A ciência jurídica acompanhou tal segmento, não conseguindo, ipso facto, lobrigar melhores resultados. Ora, parece-me que o Direito afastou-se diametralmente de seu objetivo primeiro, ou seja, disciplinar as relações de seres humanos imersos em uma sociedade em atendimento às demandas desta mesma sociedade.
Mas busquemos nos clássicos o suporte para nossa empreitada. Do idioma grego (clássico) podemos dizer sobre o conceito de direito: tó díkaion, do adjetivo díkaios, que quer dizer ser humano justo, pois que envolve um comportamento e disposição interna, demonstrando que neste ser humano reside a virtude da justiça; indica uma ação, isto é, um “sendo justo”. É importante frisar que os gregos viam o direito de 3 (três) formas distintas: o direito como objeto, pois as leis seriam instrumentos para promover justiça; o direito como proporção - tó díkaion análogon - não seria uma igualdade (tó íson), pois a igualdade advém da proporcionalidade; o direito como equilíbrio - to díkaion méson - um meio entre dois extremos.
Se, porventura, a algum incauto, o uso do grego clássico desagradar, voltemo-nos para o latim, que, acredita-se ser o berço de toda a Ciência Jurídica. Pois bem, no latim clássico temos o termo Jus, ao qual associa-se uma ideia de poder, de comando, de origem divina. No latim vulgar deparamo-nos com o termo Directum, acusativo de Directus, que se reporta a um...(destinatário), assimilando o sentido de reto, de acordo com uma regra.
Enfim, podemos entender o direito como técnica de coexistência humana, o que envolve regras; falamos de uma ciência composta de normas - conjunto de normas jurídicas vigentes - que têm como característica a obrigatoriedade, e que disciplinam as relações entre seres humanos.
Todavia, nossa ciência parece, hodiernamente, preocupar-se mais em abolir as condições vigentes, modificando estruturas sócio-econômicas. O Estado providência, em substituição ao Estado liberal de Locke vem corroborar esta postura. E para tal lança mão de interpretações as mais díspares (e por que não contraditórias?) dos fatos jurídicos. Não mais existe o comprometimento em aquiescer cânones e lhes dar seguimento, não mais existe a preocupação em criar referenciais provedores de confiança. O que existem são motivos condutores pautados em interpretações confusas e/ou individualistas, que acabam por colocar interesses individuais acima dos interesses da sociedade. E tudo em nome de um neoliberalismo esquizofrênico, recheado de ideologia, onde se destaca o individualismo exacerbado. Como consequência, não só a insegurança jurídica, mas também a impunidade.
Os juízos, antes kelsenianos, ou seja, hipotéticos, cederam espaço a juízos disjuntivos, onde os fatos são analisados à luz de “contextos sociais” (entenda-se: circunstâncias sociais); melhor dizendo: “sociologismos”. Não mais se examina o fato em si, mas as circunstâncias em que o fato se realizou. Aqui o direito torna-se refém das questões sociais, ou melhor, o sociologismo amordaça, algema, manieta o direito. Questões jurídicas tornam-se ou transformam-se em questões sociais.
O que temos então? Um direito, cuja única fonte é a circunstância social; a hermenêutica prostra-se ao “politicamente correto”; e o objetivo maior da ciência jurídica seria instaurar uma era de felicidade, acabando com os desníveis e as injustiças sociais e trazendo uma promessa de bem-estar. Enfim, vivemos o triunfo do messianismo jurídico.

sábado, 21 de abril de 2012

Da felicidade


Da felicidade

Soa a campainha. Eu atendo com indolência. Uma menina de 13 ou 14 anos - talvez menos, pois a necessidade desgasta e torna célere o envelhecimento - macérrima, de olhar sofrido, rosto e olhar abatido, de vestido surrado e pés no chão, revela-se-me em toda a sua insatisfação, sua não-saciedade, não-abundância, completa carência. Solicita-me ajuda em forma de alimento.
Livro-me da insensibilidade, da apatia e peço que aguarde. Tenho pressa, pois a carência desconhece a serenidade, o equilíbrio. E volto com os alimentos; não só um, mas dois, três, quatro pacotes.
Então percebo a satisfação naquele inexpressivo olhar. Não houve sorriso, frases feitas, slogans vinculados a uma possível intervenção divina; apenas um humilde agradecimento. Eu a vejo voltar-me as costas, abraçar os pacotes e abandonar a rua com seu passo marcado pelo cansaço.
Então percebo a felicidade. É relação; é interdependência. Não falo da felicidade de um ou de outro. Falo da relação felicidade; a felicidade simplória de uma carência suprida; a felicidade em suprir tal carência. Na verdade, uma reciprocidade. Uma carência era o alimento; outra carência era a de suprir a primeira. Ao se preencher uma carência, supre-se outra carência. A felicidade, portanto, está em proporcionar meios para que alguém consiga também sentir-se feliz. As pessoas não carecem de felicidade, pois a felicidade é o fim colimado. As pessoas carecem de meios para atingirem um desideratum.
Bem, mas agora falemos de carência. A carência deve ser entendida como falta, ausência, privação, necessidade, precisão. A falta de amizade é carência, a falta de amor é carência; a ausência de um pai, de uma mãe é carência; a privação da liberdade é carência; a necessidade do pão é carência; a precisão de medicamentos é carência.
Aquele que conquista a liberdade, experencia o ineditismo; aquele que recebe o alimento conhece a saciedade; ao que preenche uma ausência, desfruta sua proximidade; aquele que vivencia o amor, celebra-o, e por meio dele realiza-se; o que recebe medicamentos ensaia um abrandamento. Mas percebam, mesmo com a expectativa de uma perpetuidade, não há o risco de se experimentar o tédio. 
Entretanto, enganam-se aqueles que vinculam o poder, a glória, a riqueza e a fama à felicidade, pois todas essas exigências são complementares; são condições que acrescentam algo ao que se já tem. Ora, o poder é dispor de algum tipo de força ou autoridade, pois trata-se de conquista gradual; a glória também é adquirida e pressupõe méritos; a fama advém da reputação, de certa notoriedade; a riqueza implica grande quantidade. Portanto, em nada disso há o ineditismo, pois presume-se uma condição prévia. Além do que são estados que estimulam vaidades; vaidades que criam a ilusão de perenidade. Poder, riqueza, glória e fama podem até conhecer alguma realização e celebração, mas tudo se torna tedioso, justamente porque tornam-se presas da não-saciedade.

Enfim, não há relação felicidade onde não há carência!

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Podemos rasgar o dicionário


Dou início a este libelo desculpando-me pela forma agressiva manifestada no título. Mas, que fazer? Parece ser a nova tônica do discurso apologético à ignorância. Dizem-nos os docentes, os lentes, e da forma mais indecente, que o título acima enquadrar-se-ia (perdoem-me a mesóclise) no que chamam de linguagem popular, e que por ser popular, pode desvincular-se da norma culta.
O absurdo da assertiva parece basear-se numa confusão conceitual. E não sei ao certo se tal descalabro é fruto de uma real ignorância, ou se tem por objetivo mascarar astutos e impensáveis projetos. Vejamos: se, de fato, houve sinceridade por parte da professora que defende tão veementemente o apedeutismo, o governo pode canalizar todo o percentual do PIB destinado à educação - o que já não é muito - para outros projetos. Vamos economizar! Se bem que economizar não seja apanágio dos governos brasileiros. Para que pagar professores? E para que educação? E para que Ministério e respectivo Ministro? Se a educação, em si, foi relegada a segundo ou terceiro planos, ministro e ministério já não mais se justificam. E, por favor, que o governo não se exima da responsabilidade de disseminar a banalização educativa, pois os livros didáticos foram adquiridos e distribuídos pelo Ministério da Educação sem o menor critério avaliativo. Só para que não caia no esquecimento: este é o governo que tem a pretensão de reivindicar para o Brasil o status de “primeiro mundo”.
Sempre surge alguém, ou “alguéns” (surpreendo-me aqui lançando mão do recurso populacho na utilização da linguagem) defendendo o insipiente governo. E os meus possíveis leitores perguntar-me-ão (eu e essa minha mania de mesóclise): Por que? Simples! Tudo começou quando a ideologia passou a frequentar as salas de aula. Não por ser ideologia, mas sim por ser uma ideologia caquética, superada, mofada: a utilização da ideologia, não como meio, mas como meio e fim, ou seja, uma realidade educacional onde basta o conscientizar e o suscitar espírito crítico, em detrimento a qualquer conteúdo. Todavia, o criticar exige conhecimento, isto é, conteúdo. Sem conteúdo, a crítica dissipa-se.
O espírito crítico, neste caso, não admite antítese - na verdade torna-se dogma - sob pena de algum incauto incorporar adjetivos como: burguês, reacionário, de direita, etc. Sim, a ideologia vem em socorro de uma esquerda ressentida, extemporânea. E o discurso desta esquerda confunde-se e empenha-se em confundir conceitos. O ressentimento é tamanho que mesclam, propositadamente, pobreza e ignorância. No âmbito deste discurso ideológico, todo aquele que se comunica em língua culta, ou busca fazê-lo, é burguês, é opressor, etc. A pobreza, nesta ótica canhestra e igualmente manipuladora, vê-se obrigada a expressar-se erradamente para justificar uma ideologia desengonçada. E chamam isso de expressão popular!
Não sem razão, a expressão popular diz-nos que “a ignorância é atrevida”, pois a ignorância, quando travestida de sabedoria, desemboca na arrogância. E esta é a promessa para as próximas gerações: a douta e arrogante sabedoria! Tal declaração torna-se inconteste quando analisamos o chavão “Universidade para todos”. Ora, de início a frase não passa de um truísmo, pois a universidade está ao alcance de todos. Porém a coisa perverte-se quando interpretada por uma ótica ideológica igualmente pervertida. O governo, para corrigir os desmandos cometidos na educação básica, quando o conteúdo deveria ser isonômico, independente de classe social, propõe e com extrema facilitação, através de programas assistenciais e exames perfunctórios o acesso ao terceiro grau. Em suma, adequa a universidade ao nível - e que nível - dos pretensos bacharelandos, para mitigar a própria consciência.
A médio prazo teremos que conviver com erros médicos, com construções inseguras, com advogados que recorrerão ao Google para redigir uma simples petição inicial. O mercado de trabalho sofrerá uma certa contração; bacharéis e mais bacharéis desempregados, justamente por não terem o nível e o perfil de bacharéis; com a aplicação da lei de mercado, que trata da oferta e da demanda, os salários despencarão; muitos, apesar do título do terceiro grau, para fugirem do desemprego, conformar-se-ão com um empreguinho de balconista, como escriturários ou até mesmo guiando táxis. E antes que o discurso ideológico do ressentimento solicite minha cabeça, explico-me: o balconista, o escriturário e o motorista são importantes em qualquer sociedade, mas para exercer tais funções não precisam ficar quatro ou cinco anos em uma faculdade, malbaratando seus próprios recursos ou o dinheiro do contribuinte. O governo deveria pensar bem na importância das profissões técnicas e auxiliares, antes de estar prometendo títulos de “Dotô” para toda a população, criando uma expectativa desumana, perversa, torpe.
Quanto a mim, na condição de réu confesso, ou seja, de direita, burguês, opressor, ou algo que o valha, dou-vos uma contribuição sine pecunia: Conhecimento é mérito; não acreditem naqueles que prometem igualdade através da banalização.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Muito se tem elogiado a economia brasileira. E isso não se deve a nenhum tipo de milagre. Antes de mais nada Ministro da Economia e seu ministério têm feito o "dever de casa" direitinho. Há um princípio keynesiano que assim declara: "A curto prazo aumenta-se os gastos do governo para que a economia cresça." E o que nosso país tem feito? Exatamente isso. O governo implementou o PAC - Programa de Aceleração do Crescimento - que não deixa de ser o princípio posto em prática. O governo aumenta seus gastos, gera empregos (a coisa pode estar próxima do pleno emprego), e com isso aumenta o consumo. A economia cresce; o PIB cresce. Mas não devemos esquecer o pequeno detalhe keynesiano presente em tal princípio: a curto prazo (o grifo é meu). Pois se o governo continua aumentando os gastos, haverá aumento no déficit público. Não devemos esquecer que nosso déficit beira ao impagável, e o governo não pode mais aumentar a carga tributária. Fica aqui apenas o alerta de um cidadão que não crê em milagres, principalmente econômico.

domingo, 8 de abril de 2012

Certa menina de apenas 12 anos escreveu: "A coisa mais normal da vida é  a morte e a coisa mais normal da morte é  o medo e a coisa mais normal do medo é a vida!"
A princípio minha imensa admiração pelo conteúdo da mensagem, haja vista uma pós-modernidade repleta de jovens - analfabetos funcionais em sua maioria - voltados unicamente ao consumismo.
O aforismo, longe de revelar uma visão niilista, parece ressaltar correlativos necessários, pois vida e morte se complementam num ciclo infindo; morte e vida se retro alimentam mutuamente.
Já morte e medo seriam dois conceitos intrinsecamente imbricados; em verdade não tememos a morte, mas sim o desconhecido. As pessoas, seguramente, não temem a morte, mas o que se segue a mesma.
Sim, e então me perguntariam: por que o mais normal do medo é a vida? Simples, vivemos sob tensão, o medo é somente uma perspectiva, não um fato. Respiramos sempre a possibilidade de uma catástrofe, de um ataque terrorista, de um assalto, de uma guerra, do desemprego, da falência, da doença, da própria  morte, e ipso facto, do desconhecido etc.
Por ilação: a vida é permeada pelo medo e o medo maior é a morte que complementa a vida.

sábado, 7 de abril de 2012

Inicio este meu pretenso contágio - dejeto universal - com um pensamento de Novalis. "Homem: uma metáfora!" Antes mesmo que os "politicamente corretos" se insurjam para defender a ideia de que o autor seria um machista, devo adiantar que - atenção para a leitura hermenêutica (séc. XVIII) - o autor se refere a todo o gênero humano. Bem, em seguida deparamo-nos com o termo metáfora. Aqui o autor percebe o ser humano como um objeto diverso daquele pelo qual foi designado; o ser humano seria recôndito por natureza. O que temos do ser humano afinal? O que conhecemos dos seres com os quais nos relacionamos? Parece que o autor nos quer falar da impossibilidade de conhecer os seres humanos na sua essência. O que podemos conhecer dos seres humanos? Comecemos pelo sujeito: sujeito seria uma instância epistemológica, ou seja, a relação sujeito X objeto, tão pertinente ao conhecimento. Pessoa: pessoa advém de persona, isto é, a máscara pela qual nos manifestamos no trato social. O eu: o eu seria uma percepção de si que diverge do outro. Bem, resta-nos o indivíduo. Mas o que é o indivíduo? Nada mais do que uma criação do eu; somente o eu pode conhecer o indivíduo por ele criado. O indivíduo, o indiviso, o indivisível, o único seria a criatura de um criador: o eu! Talvez por isso Novalis tenha entendido o ser humano como metáfora. Então, cabe a pergunta: haja vista a complexidade e a impossibilidade de se conhecer indivíduos, como podemos falar em relações individuais?