sábado, 21 de abril de 2012

Da felicidade


Da felicidade

Soa a campainha. Eu atendo com indolência. Uma menina de 13 ou 14 anos - talvez menos, pois a necessidade desgasta e torna célere o envelhecimento - macérrima, de olhar sofrido, rosto e olhar abatido, de vestido surrado e pés no chão, revela-se-me em toda a sua insatisfação, sua não-saciedade, não-abundância, completa carência. Solicita-me ajuda em forma de alimento.
Livro-me da insensibilidade, da apatia e peço que aguarde. Tenho pressa, pois a carência desconhece a serenidade, o equilíbrio. E volto com os alimentos; não só um, mas dois, três, quatro pacotes.
Então percebo a satisfação naquele inexpressivo olhar. Não houve sorriso, frases feitas, slogans vinculados a uma possível intervenção divina; apenas um humilde agradecimento. Eu a vejo voltar-me as costas, abraçar os pacotes e abandonar a rua com seu passo marcado pelo cansaço.
Então percebo a felicidade. É relação; é interdependência. Não falo da felicidade de um ou de outro. Falo da relação felicidade; a felicidade simplória de uma carência suprida; a felicidade em suprir tal carência. Na verdade, uma reciprocidade. Uma carência era o alimento; outra carência era a de suprir a primeira. Ao se preencher uma carência, supre-se outra carência. A felicidade, portanto, está em proporcionar meios para que alguém consiga também sentir-se feliz. As pessoas não carecem de felicidade, pois a felicidade é o fim colimado. As pessoas carecem de meios para atingirem um desideratum.
Bem, mas agora falemos de carência. A carência deve ser entendida como falta, ausência, privação, necessidade, precisão. A falta de amizade é carência, a falta de amor é carência; a ausência de um pai, de uma mãe é carência; a privação da liberdade é carência; a necessidade do pão é carência; a precisão de medicamentos é carência.
Aquele que conquista a liberdade, experencia o ineditismo; aquele que recebe o alimento conhece a saciedade; ao que preenche uma ausência, desfruta sua proximidade; aquele que vivencia o amor, celebra-o, e por meio dele realiza-se; o que recebe medicamentos ensaia um abrandamento. Mas percebam, mesmo com a expectativa de uma perpetuidade, não há o risco de se experimentar o tédio. 
Entretanto, enganam-se aqueles que vinculam o poder, a glória, a riqueza e a fama à felicidade, pois todas essas exigências são complementares; são condições que acrescentam algo ao que se já tem. Ora, o poder é dispor de algum tipo de força ou autoridade, pois trata-se de conquista gradual; a glória também é adquirida e pressupõe méritos; a fama advém da reputação, de certa notoriedade; a riqueza implica grande quantidade. Portanto, em nada disso há o ineditismo, pois presume-se uma condição prévia. Além do que são estados que estimulam vaidades; vaidades que criam a ilusão de perenidade. Poder, riqueza, glória e fama podem até conhecer alguma realização e celebração, mas tudo se torna tedioso, justamente porque tornam-se presas da não-saciedade.

Enfim, não há relação felicidade onde não há carência!

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