domingo, 30 de setembro de 2012

Vanitas vanitatum




Uma das características mais marcantes da pós-modernidade é a luta inescrupulosa do ser humano para se tornar celebridade. Tal proceder não implica necessariamente a conquista da riqueza, mas o reconhecimento em si. Platão nos fala do conceito de thimo: algo intrínseco à natureza humana; um querer ser e permanecer em si; a vontade de dominar os semelhantes e sentir-se superior a estes.
Muito embora todo meu esforço para entender antropológica e filosoficamente esta faceta da natureza humana, os dias de hoje me extenuam, pois se nos apresentam como uma exacerbação desta concepção, até porque o conceito de thimo não se confunde com o de vaidade. Não me arriscaria em falar que chegamos ao limiar da vaidade humana, pois que o ser humano continua sendo uma incógnita, ou melhor, o inapreensível. Em todo o caso, permito-me declarar que atingimos um nível de vaidade já bem próxima do insuportável, do intolerável.  Mas a vaidade, o querer tornar-se celebridade, tão bem recepcionado pela pós-modernidade, trouxe em seu encalço a sua própria negação - uma dialética necessária tipicamente hegeliana. Refiro-me àqueles que buscam as celebridades, não com intuito de cultuá-las, de promovê-las, mas com o único propósito de expô-las ao ridículo, de fragilizá-las, constrangê-las. O que não deixa de ser também uma enorme vaidade.
Aqui me parece crucial estabelecer a diferença fundamental entre tornar-se celebridade e ser celebridade. Estas últimas parecem ser alvos preferidos dos ditos paparazzi. A família real inglesa, por exemplo, vem se mostrando presa fácil desta modalidade que mescla arte, técnica, labor e mexerico.  Sem pudor, sem caráter, e igualmente sem escrúpulos, fotógrafos perseguem os famosos para surpreendê-los em alguma gafe, aleivosia, algum tropeço. Os assédios são invasivos, olvidam a privacidade, conspurcam a intimidade, invadem propriedades. Todavia, tais “profissionais”, além de afirmarem-se como seres humanos, satisfazendo suas vaidades pessoais, são recompensados financeiramente por tabloides sensacionalistas. Quem diria! Tabloides sensacionalistas ingleses: a terra do politicamente correto. Mas tais tabloides subsistem porque de certo modo alimentam o doentio arcabouço da existência humana e sua típica vaidade.
Fechado o ciclo, infiro a perspicácia de Heráclito de Éfeso, ao declarar em seu fragmento que “o início e o fim é uma e a mesma coisa”. Ainda atônito, percebo também que posso corroborar as palavras do Eclesiastes: Vaidade de vaidades; tudo é vaidade embaixo do céu!  

sábado, 29 de setembro de 2012

Minha escatologia enfim justificada




Se perguntássemos à malta em constante ebulição por Ptolomeu, Copérnico, Isaac Newton, Einstein, Albert Sabin, Fulton, Gutemberg, Rudolf Diesel, o casal Curie, e tantos outros nomes que se dedicaram a acrescentar algo de positivo à humanidade, por certo teríamos como resposta um sorriso amarelo, e logo em seguida a piada grosseira, apanágio da caterva que se entende como “antenada”.
Em contrapartida, a súcia, talvez explicada pelo inconsciente coletivo de Jung - e aqui me exponho por discorrer sobre uma ciência extremamente complexa - se projeta em nível mundial, ensaiando um holístico e apocalíptico ballet ao som de “call me, maybe”, ballet este “criado” - e aqui opto por manter o verbete entre aspas, até porque, na falta de melhor verbete me valho da “criação” - por um jogador de futebol (football, ou melhor, soccer).
O problema não está no jogador de futebol, nem mesma na sua capacidade “criadora”; o problema reside simplesmente em tal personagem conseguir despertar a atenção em nível mundial, atestando com isso a degradação, a degeneração, o abastardamento de toda uma espécie.
Mais uma vez me vejo impelido a recorrer aos clássicos, pois historicamente percebe-se o declínio de uma sociedade, quando esta se volta ao cultivo da forma, execrando o conteúdo, o espírito, a essência. Em suma, a espécie humana olvida seus verdadeiros benfeitores, contemplando o efêmero, o banal, o vulgar, posto que, num extremado culto ao apedeutismo, enquanto promove à condição de celebridade um semianalfabeto, relega ao ostracismo grandes vultos da humanidade.
O que nos resta afinal? Torçamos para que alguém, distraidamente, sabiamente, ousadamente, temerariamente, bem intencionadamente aperte um botão, dando origem a uma guerra nuclear. Este seria nosso último grande benfeitor. É disso que precisamos: um visionário! O anjo apocalíptico que dê início a nossa solução escatológica. Alguns poucos exemplares da raça humana restariam para reiniciar o processo de desenvolvimento. Estaríamos livres de tal abastardamento? Não sei.

A nova versão do Malleus Maleficarum




O texto não versa acerca de uma nova caça às bruxas, isto é, mulheres que espontaneamente se colocavam num patamar superior ao universo masculino, até porque isto é extemporâneo.  Não!  O texto discorre, e de modo quase cômico, pois que o assunto beira ao burlesco, sobre uma nova e nefasta neurose que, não satisfeita em analisar todos os problemas pelo viés único de uma teoria-padrão, volta-se à crítica daqueles que, antanho, defendiam posições hoje superadas pela sociedade.
Vejamos: há não muito, José de Alencar, escritor de renome e digno representante da literatura brasileira, foi vítima de certa perseguição, acusado de disseminar o ideal escravocrata. É pertinente ressaltar que o pensamento é filho de seu tempo. Então a pergunta: em que circunstâncias viveu José de Alencar? Parece-me que banir a leitura dos textos do referido escritor seria, no mínimo, um expediente inócuo e pautado meramente no ressentimento. O que devemos fazer é aprender a ler José de Alencar, que, como toda leitura, exige do leitor espírito crítico. Como já o disse em outras oportunidades, citando Wittgenstein, “a crítica pressupõe o conhecimento”.
Não sei se é pertinente, mas, neste caso, procurem inteirar-se de uma ciência que atende pelo nome de hermenêutica. Se assim não o fizermos, deixemos de lado os textos bíblicos, Platão, Aristóteles, Maquiavel, Hobbes e o próprio Karl Marx.
Hoje estamos às voltas com o veto a Monteiro Lobato, outro exímio escritor, esteio e farol de tantas gerações, que se vê enredado em acusações de racismo e sexismo. Meu Deus, tantos “ismos”! Algo me sugere de que as minorias se valem dos “ismos” para construir seus arrebatadores discursos retóricos, onde o ressentimento, assim acredito, serve de supedâneo. Devo ainda falar em critérios para se ler Monteiro Lobato? Devo ainda falar em circunstâncias? Devo ainda falar em hermenêutica? Não, não desejo me tonar fastidioso e repetitivo tanto quanto àqueles que vociferam na busca de reconhecimento público.
Todavia, e com alguma audácia, devo lembrar-vos de que os negros não são mais minoria, as mulheres nunca foram minoria, e, arriscadamente declaro que os homossexuais também o deixaram de ser.  O que se me afigura é que estamos diante de uma insólita situação: pseudominorias melindradas por fatos passados, que, a qualquer custo, desejam não só afirmar-se, mas também impor-nos goela abaixo seus valores de forma grotesca, envolvendo-nos em sofismas fundados em preconceitos e em pré-conceitos. 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Universidade não é para todos!



Parece-me que a tônica dos governos da pós-modernidade é administrar por chavões; ou seria um cabalístico dejá vu? A máxima em questão - Universidade para Todos - já desgastada, assume proporções sobremodo inconsequentes e irresponsáveis, olvidando a meritocracia tão necessária ao desenvolvimento de uma nação que tem a pretensão de dizer-se séria.
Não sei ao certo se tal postulado é refém de outra bizarrice inglesa que apregoa o “politicamente correto”. Mas em todo o caso, a primeira soa como complemento da segunda, criando, evidentemente, uma expectativa na população, que carece de um ensino rigoroso e sistemático, ensino este que tem como supedâneo o aporte insidioso de uma didática que exibe o epíteto de “construtivismo”.
Aqui, e a título de esclarecimento aos incautos, segue uma sintética explicação: o construtivismo de Piaget trata tão somente da estrutura cognitiva. A teoria levada a efeito pelo estudioso genebrino volta-se às etapas de aprendizado, mostrando a aptidão para assimilar o conhecimento vinculado a cada fase do desenvolvimento infantil. Como as etapas se mostram de modo cumulativo, Jean Piaget chamou tal estrutura de construtivismo, isto porque a faculdade de assimilar conhecimentos revela-se como uma construção. Não se trata, de modo algum, em atribuir ao aluno a responsabilidade de aprender o que quiser e quando quiser. Pelo exposto, pode-se presumir a torpe interpretação dada à teoria do filósofo suíço.
Mas, como se isso não bastasse, a ela - a torpe interpretação do construtivismo piagetiano - se une uma ideologia caquética e igualmente espúria, que proclama com acinte uma educação que tem como finalidade precípua a “formação de cidadãos com espírito crítico”. Inadvertidamente ou não, desprezam os “novos didatas” que - e a frase não é minha, mas de Ludwig Wittgenstein -“a crítica pressupõe conhecimento”. Trocando em miúdos: para criticar faz-se mister conhecimento para fazê-lo; não se critica a partir do nada, sem embasamento, sem conteúdo. Estamos diante, portanto, de uma capenga fabulação.
Mas a educação (?) segue seu curso normal (?) formando cidadãos com espírito crítico (?). Todavia, esses cidadãos não conseguem realizar um simples cálculo aditivo ou subtrativo sem auxílio de uma calculadora, - quando sabem usar uma calculadora - pois não leem o manual de instruções porque não sabem fazê-lo. Mas são cidadãos e possuem espírito crítico (?). E é com esse “vigor literário e científico” que tais cidadãos adentram as universidades.
Neste ínterim cabem algumas perguntas: porque todos na universidade? A frase sugere uma nação composta apenas por profissionais liberais. É isso? E os técnicos? E os serviços? E as atividades primárias? Olvidam os ilustres “condutores” desta nação que tal proposta, se realizada, pode desembocar numa inversão social, haja vista alguns exemplos de países da extinta Cortina de Ferro. Não! Há somente uma patente preocupação com índices; e só. Como decorrência desta comédia, percebe-se a aleivosia do Estado, pois cria em seus cidadãos a expectativa de torná-los “doutores”, esquecendo premeditadamente que o mercado de trabalho é seletivo. O princípio darwiniano não seria mais bem empregado como no mercado de trabalho: “only the strong survive”. Então observamos placidamente a banalização das profissões liberais, onde os conhecimentos se mostram pífios e os salários se mostram parcos. 
Bem, mas as universidades tiveram que se adaptar às exigências sociais. As instituições privadas aboliram o vestibular, afinal toda e qualquer empresa privada visa, antes de tudo, o lucro. Então vêm as facilitações, as condutas permissivas, a esfera dúctil nos critérios do aprendizado.  E as universidades públicas? Essas se vergaram aos desmandos e aos chavões do estado-providência, franqueando suas portas para as cotas, realizando assim a expectativa de um governo reconhecido por sua ingerência, mas que tenta reparar, e do modo mais escabroso, as estultícias deslavadas levadas a termo nos ensinos fundamental e médio. Todavia, as universidades públicas ainda impõe critérios “rígidos”(?) para aqueles que nela pretendem ingressar (entenda-se por critérios rígidos o fato de estudar para ter acesso às mesmas). Então, o governo cria programas de financiamento para que os “discriminados” pelas instituições públicas conquistem “seu lugar ao Sol” nas instituições particulares. O citado programa - vale a pena frisar - é bancado com o dinheiro dos contribuintes.
Campeia pelos abstrusos corredores do poder a ideia de que a política de cotas seria a solução exemplar para se reverter as gritantes diferenças sociais no país. Aqui fazem-se necessárias algumas desmistificações: a primeira delas é de o governo se dedica com afinco às distorções sociais. Bobagem! Se tal acontecesse, a primeira coisa a ser feita seria uma reforma fiscal, buscando uma melhor distribuição de rendas. A segunda é de que, com o discurso recheado de um sociologismo ultrapassado e canhestro, declara que “alguns não tiveram oportunidades”. Acabemos também com essa falácia. Todos nós temos oportunidades! O que há é uma acomodação do povo, originada nos vetustos e seguidos governos populistas que, além dos programas de “facilitação”, evidentemente em busca de apoio, agora se valem de mais um chavão, jogando a responsabilidade nos braços daqueles que, com seus impostos, custeiam os programas acima referidos. Mais uma vez o governo lança o mérito no ostracismo. A facilitação e os favores anulam quaisquer estímulos, aniquilam quaisquer iniciativas, estabelecendo destarte, uma demente forma de persecução a objetivos.
Ainda como sucedâneo desta inaudita chocarrice, encontro professores formados em “linhas de montagem” e com títulos de bacharéis em pedagogia, com o fito de alfabetizar os “excluídos”. Mais um pertinente questionamento se nos afronta: “professores” que não cultivam o hábito da leitura, justamente por não gostarem ou saberem fazê-lo, podem incentivar seus pupilos à leitura? E neste quadro dantesco, como ficam as pesquisas? E o desenvolvimento científico desta nação? Para ser sucinto: água abaixo!
Inconteste o fato de que tornamo-nos reféns do tempo. Não ensejando ser elitista, mas com a necessidade de sê-lo, outra vez cito Wittgenstein: “Os limites do meu mundo são os limites do meu conhecimento”. Que horizontes limitados tem essa nação! Infelizmente. Acredito que, pelo menos, nos próximos quarenta anos vindouros, o Brasil ressentir-se-á desta anomalia sócio-político-educacional epidêmica.