sábado, 24 de novembro de 2012

Mentira & Verdade



Em geral, a mentira é dita com a precípua intenção de enganar. E o engano, neste caso, não se originaria de uma antífrase nem da ironia. Então nos perguntamos: porque a intenção de enganar? Ou melhor: por que as pessoas mentem? Mentir, assim me parece, seria um mecanismo desenvolvido pela condição mesma da sociabilidade. Isto porque as pessoas digerem mais facilmente a mentira do que a verdade. Seres humanos têm com a mentira uma relação de cumplicidade; há como que uma parceria, uma tácita aceitação da mendacidade. A mentira torna as relações possíveis; ela as pacifica. Todavia, e não raramente, elas - as relações - mostram-se superficiais. Eis o porquê da instabilidade nas mesmas.
E a verdade? Por que seres humanos evitam um maior “contágio” com a verdade? A verdade cria êmulos; a verdade revela, expõe, desoculta, despe e se manifesta como algoz. A verdade não é para ser dita; a verdade, então, se reveste de inefabilidade. A verdade faz da mentira algo necessário. A verdade ficaria, por conseguinte, restrita à evidência. O evidente é o que se revela por si, e prescinde da palavra, do verbo, do logos. A verdade é silêncio, é mística, é um mergulhar em si. Nada mais.
Dizem por aí que a verdade deve corresponder aos fatos. Bem, neste caso, todo fato deveria ser verdadeiro. Fato verdadeiro, portanto, seria uma redundância. Não obstante, fatos, verdadeiros ou não, são inexistentes. Pois que a narrativa de qualquer fato, ao ter a pretensão (ou não) de versar sobre o verdadeiro, assimila valores (e por vezes os mais espúrios); estes arrebanhariam uma gama de controvérsias, de contraditores, de contraditórios. Como dizia Nietzsche: “Não existem fatos; existem interpretações”. E eu, do alto de minha humilde pretensão, posso lhes afiançar: verdades quando narradas beiram a fabulações.
Como a verdade é silêncio, é um voltar-se a si, percebo que é hora de calar. 

domingo, 18 de novembro de 2012

Do sentido da vida




Não raro perguntamo-nos pelo sentido da vida. A meu ver, dependendo do interesse do questionador, tal questão seria do orbe da psicologia ou da teleologia ou então da teologia. Mas não nos furtemos ao desafio. Então uma outra pergunta faz-se mister: a vida tem sentido? De que sentido falamos? De um intento, um objetivo? De uma direção? De um aspecto? Os pragmáticos entenderam que tal questão deveria ser respondida por algum tipo de ciência, e para tal, criaram a teleonomia. O que nos remete a um tipo de teologia teleológica, pois tal construção exprime uma pré-determinação, um destino, ou algo que o valha.
E a resposta: parece-me que o simples fato de buscarmos um sentido para a vida, estamos dando sentido à vida. É um sentido filosófico, claro, mas é o melhor que se pode fazer. Contudo, fica aqui uma sugestão sine pecunia: apesar de bastante louvável essa tentativa de apreensão, não nos preocupemos em buscar um sentido para a vida. Sêneca, distante da teleonomia, disse-nos: “Aquele que quer, o destino o conduz; aquele que não quer, o destino o arrasta”.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Dilema



O simples exercício do viver nos torna presas de situações embaraçosas. A elas, contudo, se solidarizam um leque de soluções possíveis. Em geral, dentre estas, duas se nos apresentam como viáveis, se bem que ambas com consequências difíceis e/ou penosas. Neste caso, não se observa a eterna disputa entre o apolíneo e o dionisíaco; não há razão opondo-se ao prazer. Tudo é razão. Eu diria até um racionalismo exacerbado e insensato. E como corolário teremos: uma solução deverá ser tomada em detrimento a outra. São dilemas!
Dilemas pervagam nossa existência e nos conduzem, inexoravelmente, à insegurança. Todavia, seres humanos costumam lançar mão de alguns recursos. Uns optam pelo aconselhamento, outros para o divã, alguns recorrem aos amigos. Existem aqueles que se voltam para a religião, onde fé, orações e promessas se mostram como ingredientes fundamentais. Em verdade, queremos não só fugir dos maus resultados de nossas decisões, mas também transferir ao outro a responsabilidade por possíveis malogros. Esquecemos, entretanto, que em se tratando de dilemas, os insucessos não serão meras possibilidades, mas algo efetivo, concreto.
Em face dos dilemas, seres humanos, em geral, revelam-se como incipientes; manifestam toda a sua meninice, toda a sua infantil evolução. Parecem esquecer que esta dualidade é bem-vinda e que serve de suporte às decisões futuras. A dúvida é sempre benéfica.

domingo, 11 de novembro de 2012

Do complexo de Peter Pan ou da Ingenuidade




Surpreendo-me, e não raramente, dentre muitos dos meus solilóquios, questionando o porquê de certas pessoas - pelo menos assim me parece - negarem-se a crescer. Reformulando: por que algumas pessoas teimam em permanecer crianças? Esse questionamento conduz-me a outra questão: O que é ser criança? O que existe de tão atrativo na infância? Tais perguntas me soam intrigantes. Pesquisemos, pois!
Crianças são seres que primam pela simplicidade. E quando falo em simplicidade reporto-me ao caráter originário, genuíno, o natural. Crianças manifestam sinceridade, desafetação, ou seja, carecem de vaidade, de pedantismo, de verniz social. Não obstante, as crianças estão inseridas no convívio social, estão no mundo, no mundo da vida - no Lebenswelt. E o que a vida lhes fornece em retribuição? Brinda-as com a hipocrisia, com a mentira, coma arrogância, com a ganância, com a mesquinhez. Mas o fato de brindar não é suficiente, pois as cobranças são insaciáveis. Há como que uma exigência social - e o processo tem início na educação doméstica - de perverter o caráter originário, de aniquilar o natural. Toda a educação no lar visa, estritamente, moldar, modelar, superar, romper o caráter genuíno dos rebentos, de modo a criar seres que atendam exemplarmente às expectativas sociais. E essa “linha de montagem” acaba por criar “máscaras”, por onde pessoas, já adultas, respiram, transpiram, gritam, sorriem, choram, amam, sofrem, desempenhando seu papel no teatro da vida. (melhor seria falar em burlesca comédia).
No entanto, há aqueles - acredito serem pouquíssimos - que se negam a desempenhar tal papel, muito embora a educação social ter-lhes sido apresentada. Como a sociedade não se conforma em abrigar atores que lhes contesta o roteiro preestabelecido, ela os retribui com o adjetivo ingênuo. E o que seria a ingenuidade? A ingenuidade só pode ser atribuída a alguém que contraria - contrariar aqui deve ser entendido como não ter apreço - os valores sociais; àquele que quebra, ou tenta romper paradigmas sociais. Ser ingênuo é viver em uma dimensão similar a uma bolha, é optar pelo autismo, isto é, tornar-se autista por espontânea vontade e permanecer fiel a seu caráter natural, o que exige extrema capacidade, tenacidade, dom. A ingenuidade é, em si, um eufemismo para se falar do pária, ou seja, daquele que a sociedade exclui. O adjetivo ingênuo é uma criação descortês, fruto do ressentimento social, e atribuído a todo aquele que quer permanecer em sua naturalidade, em sua genuinidade. O ingênuo é o que se opõe ao genuíno.
Portanto, presto aqui minha invejosa solidariedade àqueles que demonstram a devida coragem para se voltarem a si mesmos e optar pela “Terra do Nunca” - Neverland - em detrimento à farsa social.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Palavra de ordem: Esterilização!



Há não muito, circulou pelo Congresso Nacional, assim soube, um projeto de lei que visava esterilizar todos os cães da raça Pit Bull. A sustentação fundamental de tal projeto seria o já badalado argumento da agressividade, periculosidade, nocividade e outras “dades” que transitam pelo linguajar dos seres humanos.
Bem, parto do princípio que, se para nos livrar de certos perigos - mesmo aqueles que envolvem de perto a vida humana - usássemos o recurso da esterilização, algumas perguntas ficariam sem respostas. Por exemplo: a quantidade de vítimas fatais no trânsito é aterradora. Que fazer? Esterilizar os automóveis? Ou a raça de motoristas irresponsáveis que exibem uma habilitação para conduzi-los? Talvez devamos nos ocupar das autoridades que fornecem sem quaisquer critérios as habilitações.
Mas falemos em animais. Devemos esterilizar as baleias Orca Orcinus  para que não mais matem e/ou afoguem seus treinadores. E olha que o nome Orcinus é bem sugestivo: significa “do Inferno”.
Neste ponto posso ser acusado de retórico. Solicitando vênia, retomo minha argumentação com um acento mais pragmático. O que fazer com o sem número de assassinos que cresce em proporção geométrica numa sociedade onde a violência é banalizada? Esterilizá-los? De certo que não.
E os envolvidos na guerra do tráfico que acumulam vítimas sobre vítimas e exibem com soberba seus feitos na mídia e na sociedade? Também esteriliza-los?
Certamente existem males bem piores na sociedade do que cães, agressivos ou não. Existem males que estão além do fazer mal ao dono: são aqueles nocivos a toda uma sociedade; são aqueles que, pautados no cinismo e na hipocrisia, dissimulam sua própria nocividade; são aqueles que, sob a égide de uma pseudoautoridade, usam do recurso de uma imunidade parlamentar, de um foro privilegiado. Eles matam, quando embriagados ou não; eles usurpam e não de modo inconsciente; eles extorquem, e para tal fazem uso da racionalidade. Eles preterem, discriminam, molestam.
Neste caso, já que a palavra de ordem é esterilizar, esterilizemos, portanto, a classe política! Quem sabe uma geração alheia a esta raça anômala possa nos agraciar com a dignidade?