Em geral, a mentira é dita com a precípua intenção
de enganar. E o engano, neste caso, não se originaria de uma antífrase nem da
ironia. Então nos perguntamos: porque a intenção de enganar? Ou melhor: por que
as pessoas mentem? Mentir, assim me parece, seria um mecanismo desenvolvido
pela condição mesma da sociabilidade. Isto porque as pessoas digerem mais
facilmente a mentira do que a verdade. Seres humanos têm com a mentira uma
relação de cumplicidade; há como que uma parceria, uma tácita aceitação da
mendacidade. A mentira torna as relações possíveis; ela as pacifica. Todavia, e
não raramente, elas - as relações - mostram-se superficiais. Eis o porquê da
instabilidade nas mesmas.
E a verdade? Por que seres
humanos evitam um maior “contágio” com a verdade? A verdade cria êmulos; a
verdade revela, expõe, desoculta, despe e se manifesta como algoz. A verdade
não é para ser dita; a verdade, então, se reveste de inefabilidade. A verdade
faz da mentira algo necessário. A verdade ficaria, por conseguinte, restrita à
evidência. O evidente é o que se revela por si, e prescinde da palavra, do
verbo, do logos. A verdade é silêncio, é mística, é um mergulhar em si. Nada
mais.
Dizem por aí que a verdade deve corresponder
aos fatos. Bem, neste caso, todo fato deveria ser verdadeiro. Fato verdadeiro,
portanto, seria uma redundância. Não obstante, fatos, verdadeiros ou não, são
inexistentes. Pois que a narrativa de qualquer fato, ao ter a pretensão (ou
não) de versar sobre o verdadeiro, assimila valores (e por vezes os mais
espúrios); estes arrebanhariam uma gama de controvérsias, de contraditores, de
contraditórios. Como dizia Nietzsche: “Não existem fatos; existem
interpretações”. E eu, do alto de minha humilde pretensão, posso lhes afiançar:
verdades quando narradas beiram a fabulações.
Como a verdade é silêncio, é um voltar-se a
si, percebo que é hora de calar.