Heracleitos
era um sapo enorme; enorme de gordo (melhor dizer obeso), imponente, vaidoso. Sua
dieta variava entre moscas, baratas, pernilongos, formigas, pulgões, besouros,
lagartas e vagalumes. O prazer de comer o fascinava. As noites, portanto,
destinavam-se unicamente à caça. O batráquio anuro superestimava o fausto;
deveria chamar-se Luculo. Se fosse mulher, por certo, chamar-se-ia Penúria. E
durante o dia? Bem, durante o dia ele dormia sob a proteção de uma grande pedra
próxima à beira do riacho.
Em
uma noite qualquer, num dos raros momentos de interação, a fazer digestão, evidentemente
depois de uma pausa no coaxar, Heracleitos conversou com um parente distante,
também anuro e batráquio, se bem que de dimensões bastante reduzidas: a rã.
Esta, querendo impressionar o “priminho”, falou da beleza que é viver na água,
de poder curtir a luz do Sol, da diversidade de cores e de alimentos.
Heracleitos, sobremodo curioso no que tange ao repasto, solicitou da parenta
que discorresse mais sobre o tema. A rã não poupou detalhes, muito embora
mostrar-se receosa com as taxas do sapo. Sim, ela preocupava-se com a glicose, o
triglicérides, etc. Heracleitos, no entanto, quis saber mais da tal borboleta. Segundo
a rã, o inseto era belo, esvoaçante, inocente e sempre próximo das flores... Mas
haveria um problema: a luz do Sol em sua pele; o sapo não a suportaria. A rã chegou a
pensar em sugerir protetor solar, ...
Heracleitos
passou o resto daquela noite a planejar um meio para capturar e degustar, enfim,
a borboleta. É claro, o dia tinha que ser nublado e ele ficaria próximo a uma
touceira de flores totalmente camuflado. Daí em diante, o sapo estrategista não
mais se recolheu nas antemanhãs; ele esperava o dia clarear, observava as
nuvens no céu e torcia por um Cumulus Nimbus. E a oportunidade apareceu. Enfim,
a primavera! Determinado dia amanheceu coberto de nuvens. Nosso herói
regozijou-se, espreguiçou-se e ensaiou um alongamento. Todavia, algo o
incomodava. O quê? Por que? Sabe-se lá. Deu de ombros; estava ficando velho.
O
batráquio pôs-se a caminhar furtivamente entre as muitas moitas que se
avizinhavam do rio. Ele evitava, mesmo que de modo inconsciente, ficar exposto
aos possíveis raios de Sol filtrados pelas numerosas nuvens. E lá estavam as touceiras
de flores: campainhas, isto é, campânulas nas cores branca, azul, rosa e lilás.
Tanto quanto Heracleitos, as campainhas também gostam de sombras. Sim, as
nuvens em muito o auxiliariam no intento. O sapo esgueirou-se, camuflou-se e
ficou a esperar pela incauta borboleta. Pouco tempo havia passado e ele pode
observar e encantar-se com o elegante bater de asas belíssimas. Alguém disse
que aquele ruflar de asas poderia causar uma tormenta no outro lado do mundo.
Quanta bobagem! pensou Heracleitos. Ela revoluteava desordenada, subia e
descia. Pousaria ou não? Outra vez o inseto flutuava junto às campainhas
multicoloridas. Heracleitos engoliu a saliva e preparou sua língua viscosa para
entrar em ação; a borboleta além de bela lhe parecia de sabor inigualável,
supimpa.
Mas
o sapo não pode dar o bote: encantado com o panapaná colorido, descuidou-se da
própria defesa. Uma serpente que por ali errava pode garantir seu desjejum. Bem,
a última coisa que nosso personagem pensou foi na tormenta provocada pelo
adejar da bela borboleta.
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