Ocorre-me no momento discorrer acerca do talento, da genialidade. Arthur Schopenhauer, no entanto, talentoso que era, estabeleceu certa diferença entre os termos. Para o filósofo, “talento é acertar um alvo que ninguém acerta; genialidade é acertar um alvo que ninguém vê”. Data muitíssima vênia, entendo a genialidade como apanágio de um grande talento. E eu teria um sem número de exemplos para justificar meu postulado, todavia, ainda vinculo à genialidade uma boa parcela de extravagância. Então sobrevém-me naturalmente o nome de Tobias Barreto. Sim, sua biografia revela não só o advogado, o filósofo, o professor, o escritor, mas também a excentricidade que lhe era peculiar.
Hermes Lima, autor da biografia de
Tobias Barreto, vem nos narrar situações as mais intrigantes. Por exemplo,
Tobias Barreto fundou em Escada, pequeníssimo município de Pernambuco, por
volta de 1876, um jornal totalmente impresso em língua alemã. O nome do
semanário era Deutscher Kämpfer.
Especula-se que ele seria o editor, autor, impressor e também único leitor. Eis
a excentricidade de que falo. Ainda segundo o biógrafo, Tobias Barreto
revelou-se notável autodidata, pois aprendera sozinho o idioma germânico.
Como professor da Faculdade de Direito
de Recife, sobejam situações extravagantes protagonizadas por Tobias Barreto. A
título de exemplo, escolho passagem sui
generis, na qual nosso personagem fazia parte de uma banca examinadora.
Aqui peço licença para vos atualizar de modo breve: nos dias de hoje não mais
se exige dos formandos a obrigatoriedade de defender uma monografia frente à
banca examinadora. Pasmai: o argumento é que a defesa oral cria embaraços aos
discentes. Advogados envergonhados de falar em público!? Durma-se com um
barulho desses! Mas voltemos ao nosso excêntrico propedeuta. Jovem formando
fora sorteado com um ponto sobre Direito Eclesiástico. O tema: Da
infalibilidade Papal. Tobias perguntou ao aluno: “O Papa é infalível?” O aluno
respondeu que sim. Tobias tornou a perguntar: “Diz isto por convicção ou fé?” O
aluno respondeu: “Por fé!” Tobias então concluiu: “Então reze o Padre Nosso!” O
aluno retrucou algo contrariado: “Sr. Dr., estou a fazer prova de Direito
Eclesiástico, não de catecismo”. E o mestre respondeu: “Correto. Por isso
mesmo, no tocante a uma prova de direito, não se deve basear o arrazoado na fé. A fé não se discute. Se o Sr. tivesse respondido pautado em sua convicção, eu
buscaria demonstrar o contrário de sua afirmação. Portanto, reze o Padre
Nosso!”
De volta à realidade, isto é, à
pós-modernidade, acredito estarmos carentes de alguma excentricidade. Estamos
infecundos, estéreis. Seja na educação, no direito ou na política, estamos
necessitados de alguma extravagância, de alguma estranheza, de genialidade. Mas,
onde buscá-la? No ensino doutrinário de um Antonio Gramsci ou de um Paulo
Freire? Na força pulmonar e loquacidade inesgotável da malta política ambiciosa
que só faz tirar proveito pessoal com a vulgaridade das paixões? Ou em Suas
Excelências togadas que empenham-se por perverter de modo grosseiro a ciência
jurídica? Onde a convicção, a prova evidente, as certezas morais? Nem mesmo a fé
- atual e mormente banalizada - pode lhes servir de supedâneo, muito embora a
ideologia assemelhar-se sobremaneira ao fanatismo, a cultos disparatados, às
seitas fundamentalistas.
Resta-nos, portanto, assim creio, rezar
um Padre Nosso.
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