segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

A pena de Thoth

 

Este meu exercício escrevinhador (ou seria rabiscador?), por vezes, faz-me presa de circunstâncias inusitadas e também embaraçosas. Creio poder falar em teofania. O inusitado seria em função de relações com seres mitológicos ou numa experiência mística; o embaraçoso estaria justamente no trato com tais deuses, ainda mais quando estes se mostram estranhos ao nosso cotidiano.

E lá estou eu a preencher páginas e mais páginas com rabiscos, delírios, garatujas. Tratar-se-ia de escrita ideográfica? O certo é que, naquele momento, o talento fizera-se distante e a criatividade optara por segui-lo. Então, cerro os olhos como em sentida prece; talvez um lamento com o intelecto a ser investigado, algo muito invasivo até para os momentos de reflexão.

Penso ter intuído o pigarro típico de pensadores. Leve toque em meu ombro esquerdo fez-me abrir os olhos. Lá está ele: o corpo de ser humano com a cabeça de pássaro. O bico pontudo do ser desconhecido move-se ágil quando ele a mim se apresenta: “Sou Thoth, um deus, teu deus e de todos os que se entregam à sabedoria e às artes. Dizem-me um mago, mas fato é que, quando os seres terrenos mostravam-se ágrafos, eu lhes forneci a escrita hieroglífica, ou seja, a comunicação, o saber através da arte”.

Eu já ouvira falar de Thoth, se bem que em sua versão latina, Hermes Trismegisto, autor do Caibalion, isto é, um conjunto de escritos conhecidos como Leis Herméticas, que abrigam informações sobre ciência, artes, filosofia e religião. A contragosto, infiro que as Leis Herméticas - 7 no total - não teriam aceitação ou reconhecimento em dias atuais, posto que ao explicar o funcionamento do Universo, Hermes Trismegisto dos latinos ou o Thoth dos egípcios discorre, em sua sétima lei, sobre gênero. A título de esclarecimento fornecerei explicação resumida da tal Lei. Diz-nos o autor que “Nenhuma criação física, espiritual ou mental é possível sem a observação desse princípio. Absolutamente tudo tem as energias feminina e masculina”. A busca da harmonia envolve o equilíbrio entre essas duas energias. Todavia, gerações pós-modernas, cooptadas pelo “politicamente correto” chamariam Thoth de homofóbico.

Mas deixemos de lado a estreiteza de algumas mentes e continuemos em nosso descortinar deste meu, até então, ignorado deus. Hermes Trismegisto também escrevera a famosa Tábua de Esmeralda, onde, além de reiterar as sete Leis Herméticas, trata da criação do universo. Nada obstante, Thoth interviu em meus pensamentos para recitar sua frase mais conhecida: “O homem nada sabe, mas é chamado a tudo conhecer”. Semelhante máxima revela-se bem próxima do mantra aristotélico: “Todos os homens têm, por natureza, o desejo de conhecer”.  Em meio a meus devaneios de um “contador de histórias subdimensionado”, aquele deus com cabeça de pássaro falou-me do mentalismo. Segundo ele, “O todo é mente; o universo é mental”, pois que tudo parte da mente. Apliquemos, pois, tais energias na busca da felicidade; a vida interior estaria no controle de tudo. E a exteriorização dessa força interior dar-se-ia através de palavras. E Thoth instava comigo pelo uso de boas palavras.

Neste momento vós me perguntais: “Mas o que são boas palavras?” Eu vos respondo: São palavras formadoras de belas mensagens, capazes de gerar ações reveladoras de bons atributos nos falantes e naqueles com quem estes mantêm saudável convivência. Busquemos elencar, portanto, algumas destas boas palavras. Ei-las: gratidão, perdão, respeito, amor, reciprocidade, equilíbrio, união, gentileza, verdade, honestidade, integridade etc. Eu poderia ainda elencar um sem número de verbetes, contudo, perceber-se-á, sem muito esforço, que o ápice dos atributos cumulará não só no mais saudável, mas no que é capaz de criar um mundo distante de tantas imperfeições: A luz; luz que emana dos que cultuam as boas palavras, porque estas os transformam em seres de luz. E agora entendo pertinente citar: “Vós sois a luz do mundo;...” (Mt. 5:14).

Bem, a partir deste trecho receberei a pecha de apóstata. Fazer o que? Entendo que escritos religiosos complementam-se. Mas como já o disse anteriormente, deixemos de lado a estreiteza de raciocínios e concentremo-nos em algo mais saudável. Hodiernamente as pessoas buscam a luz de modo equivocado; as pessoas querem estar sob o foco, sob os holofotes. O moderno é ter seguidores nas redes sociais, é ser celebridade, receber likes, ter compartilhamento, reconhecimento etc.

Certamente essa não foi a proposta do Evangelho, mas sim que sejamos a fonte de toda a luz que viria iluminar o mundo, ou seja, criá-lo de modo a buscar a perfeição. Sim, nossas atitudes dão origem a nossa própria luz e nenhuma verdadeira luz ficará apagada ou dissimulada, afinal “não se pode esconder uma cidade sobre um monte; nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador e dá a luz a todos os que estão na casa” (Mt. 5:14 e 15). Vossa boa luz vos servirá de destaque e será refletida para todo o mundo, mundo este por vós criado. “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (Mt. 5:16). Vossas ações, geradas a partir da vossa luz, não só influenciarão na criação de um mundo melhor, como também servirão de exemplos aos que vos são próximos. Aqui podemos perceber algo similar ao imperativo categórico: “Age de tal forma que a máxima de tua ação possa transformar-se em lei universal”. (Immanuel Kant).

As boas palavras reportadas por Thoth, que orientam as boas ações, seriam nada mais que os tesouros ajuntados no céu. Nada corroerá tuas boas ações, tuas boas obras, teu justo pensar. Teu interior potencialmente criador é teu tesouro, e “onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração” (Mt. 6:21). Tudo vai depender, evidentemente, do modo como olhas para o mundo. A primeira coisa a iluminar o mundo é o olhar de quem o contempla. É de teus olhos que parte a luz que alumia o mundo; essa luz revelar-se-á por todo o teu corpo. Ora, “A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; se porém os teus olhos forem maus, todo o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grande serão tais trevas!” (Mt. 6: 22 e 23). Eis o viver na verdadeira luz! Estar sob os holofotes da vaidade ou ter prazer nos elogios hipócritas e interesseiros é viver nas trevas

Repentinamente a sala foi invadida por densa nuvem: fumaça, o perfume, ambiente esfumarado, uma nebulosidade estranha. A figura de Thoth começou a dissolver-se diante de mim. Ele ainda estendeu-me a mão; eu acedi e, em respeito, estendi-lhe a minha. Algo me foi dado. Desviei o olhar do vulto que se desfazia e observei a palma de minha mão: ali uma antiga pena me fora ofertada; a pena da asa de alguma águia, a pena de Thoth! 

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Nihil nisi verba


Grande número de pessoas está a dizer que meus escritos são elitistas... Não, não escrevo para eruditos, assim como não tenho intenção de dirigir-me aos néscios. Busco apenas aprimorar-me no modo escorreito, pois que admiro sobremodo a língua portuguesa. Reduzida parcela de circunstantes, todavia, acusa-me de “purista”, o que prefiro entender como elogio. Infelizmente, para todos nós, independentemente se letrados, sábios ou ineptos, nosso idioma vem sendo mutilado, vilipendiado. Pessoas de diferentes classes sociais e graças a uma espécie de doutrina, - estúpido modismo - introduzem termos estrangeiros totalmente fora de contexto em nossas orações coloquiais. Não falo de estrangeirismos, de corruptelas ou dos neologismos adquiridos em face da convivência com demais povos, mas tal expediente - essa salada idiomática - agride e banaliza nossa raiz cultural. Volto a declarar, como já o fiz em outras oportunidades, que divirjo daqueles que anunciam “só ser possível filosofar em alemão”; discordo também dos que entendem o português como “língua periférica”. Antes de tudo, salvo melhor juízo, consigo perceber certo empenho, por parte de alguns, em tornar nosso idioma periférico. Línguas outras, mais faladas do que a nossa, nesta Babel globalizada, mostram-se limitadas e com restrição vocabular. Penso que, excetuando-se o idioma espanhol, a língua portuguesa revela beleza ímpar, haja vista as nuanças harmoniosas que expressam vigor; há um quê de melódico e aprazível em nossa mater lingua que denota, além do mais, muita sensibilidade. Nossa linguagem é tão densa que vem permitir confecções de textos como se outro idioma fosse. Segue-se, portanto, o exemplo abaixo:

 

Nada além de palavras  

O abadengo pudibundo, em virtude de insalubres escarmentos, assemelhava-se à vegetal xerófilo; poder-se-ia dizê-lo um escaganifobético. Todavia, aspirava em ser jocoso, iracundo talvez. Quisera lançar impropérios, verter turpilóquios, ser tosco... Mas sua educação distava; valores outros lhe tinham sido pespegados, fora criado melindroso. Nas conversas mostrava-se encomiástico, esbanjava circunlóquios, perífrases. No âmago, contudo, sabia-se além de restrito, exaustante. Possíveis dialogantes, com brevidade de tempo, revelavam-se lacunares e modorrentos. À pudicícia somava-se a timidez. Contudo, buscou apropinquar-se de certa donzela, que além de pulcra, esbalgia pansofia. Reconheceu-se amantético e lobrigara oportunidade em fazer a corte. A pucela, no entanto, viu-se presa de jogo temerário, e a ressumar pavor armou-se de objeto perfuro-cortante. Enfim, o envergonhado anacoreta fenecera vitimado pelo que mais pregara: o amor!

 

PS: Em havendo dificuldades na compreensão, recomendo-vos o dicionário. 


segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Caverna: a farsa da existência


Minha origem - meados de século XIV d.C. - deveu-se à decepção dos seres no tocante a verdade em sua mais abrangente concepção, o que engloba a verdade científica (veritas), a verdade revelada (emunáh), a verdade investigada (aletheia). Sim, de início, por conta de minha condição atemporal, pretenderam-me um demiurgo, deus ou semideus que busca construir um novo mundo a partir de visões ideais. Mas eu nada de ideal vislumbrara; busquei apenas identificar falhas inseridas nas estruturas sociais, culturais e científicas de um mundo (ou seria uma caverna?) eminentemente natural.  

Seres que entendem-se a si mesmos como do tipo Alfa (melhores que os demais) deram início a um certo tipo de protocolo que teria como finalidade última perpetuarem-se no poder, não um poder oficial, mas algo próximo de uma eminência parda. É patente a influência de organizações rotuladas de filantrópicas nas decisões de alcance mundial. Neste ponto já podemos perceber uma primeira falha, não na caverna ou no mundo, mas na má formação de caráter: o fato de indivíduos perceberem-se melhores que os demais. Todavia, a coisa (ações protocolares) ganhou proporções.

Sim, apesar de certo filósofo (coitado, um apátrida) atestar que os seres humanos são naturalmente bons, a violência e a agressividade sempre partilharam da existência humana (vide o Pentateuco), mas pior que a violência é a hipocrisia, ou como dizem os religiosos, o fermento dos fariseus. A hipocrisia sustenta discursos, ações, intenções; a hipocrisia arregimenta, fomenta, reúne, pactua. E teve lugar o discurso; um primeiro sintoma do cinismo: o clamor pela liberdade! Curioso é que muito embora desfraldar a bandeira da liberdade, a Europa se encarregava de escravizar e transportar seres humanos (escravos) para o recém descoberto continente: a América.

E surge um movimento ligado às artes: o Renascimento. Este pode ser entendido como uma reformulação, nada de clássicos pagãos, mas um novo nascer das artes da antiguidade, se bem que uma cultura urbana, algo bem mais pé no chão O termo estaria ligado à igreja em reconhecer seus próprios excessos; seria o “renascer da água e do espírito”. E vós me perguntais: Por que iniciar pela cultura? Sim, povos permitem-se dominar militarmente, politicamente, economicamente, mas culturalmente é bem mais difícil. A título de exemplo, cito a Grécia dominada pelo Império Romano; culturalmente o domínio foi grego. E a questão cultural desempenhará papel fundamental nas duas grandes guerras.

Antes disso, podemos observar um outro movimento no interior da caverna: o humanismo. Sim, embora alinhado ao Renascimento, aqui fica evidenciado a ruptura com a Igreja; o ser humano, inebriado com a ideia de liberdade, reclama para si o traçar de seu próprio destino. Muito bem, ótimo! Então surgem como sequazes o Antropocentrismo, o Racionalismo, o Cientificismo. Sim, o ser humano daí em diante pretende-se o centro de tudo. Os seres pleiteiam a condição de racionais, mas fica aqui um alerta aristotélico: Grandes crimes são perpetrados por grandes mentes! Creio que os seres humanos confundiram inteligência com racionalidade. A inteligência é característica humana, já a racionalidade necessita de um “algo a mais”. Que tal uma pitada de sensibilidade, alguns valores e certo apego à divindade?  E o cientificismo? Houve quem declarasse que “submetidos à ciência seríamos felizes”. Pergunto: Somos, de fato?

O Antropocentrismo, mesmo de modo lento e discreto, deu início ao processo de individualização; hoje vivemos a exacerbação do indivíduo, uma verdadeira egolatria, e tudo graças às ciências que se dizem sociais. No panorama jurídico/político já se confirmam os interesses particulares acima dos interesses do Estado, e isso aliado a um discurso que declara defender a democracia. Pergunto: de quem seriam esses interesses?

O advento do Racionalismo, outra cortina de fumaça, só serviu para dar sustentação a uma gama de discursos sofísticos e bem ordenados que exigem ser tratados como ciência. Seres humanos, muito embora a bandeira da liberdade e sob a égide do humanismo, declaram-se vítimas de uma sociedade injusta. Outra pretensa ciência adentrou a esfera jurídica e começou a interferir na educação doméstica, a ponto de criarem um Direito Privado.

O cientificismo desempenha papel fundamental na caverna: ele serve como make up para uma série de informações desencontradas que se autodetermina “pesquisa científica”. Na verdade, o que temos em mãos é uma verborragia acadêmica mesclada à oratória demagógica tão presente no exercício politiqueiro. No politizar-se da ciência, surgem os desmandos típicos de toda má informação.

Mas os influenciadores que atuam na caverna para conduzirem seus “rebanhos” não desistem; eles entendem que a maneira de corrigir erros é estabelecendo rupturas. E lá ficamos às voltas com o Iluminismo. Mas o que é isso? Falamos do Aufklärung, do esclarecimento, de lançar luzes sobre o que estava ofuscado, nas sombras. Mas será que o Iluminismo iluminou? Apoiado no Iluminismo tivemos uma Revolução Francesa, cujos pilares seriam Liberté, Égalité et Fraternité. Esqueceram os iluministas de plantão que tais valores são excludentes? A Revolução Francesa tencionava acabar com a monarquia absolutista e seus privilégios, inclusive estabelecendo a liberdade de propriedade. Ora, nesse caso, pergunto-vos: Será que a liberdade de ter, ocupa-se com igualdade e fraternidade? Evidente que não. Falemos, então, em Justiça. O que seria? Justiça é tratar iguais como iguais e desiguais como desiguais na medida de suas desigualdades. Não há como estabelecer tratamentos iguais. A igualdade é burra! E desde quando a pretensa igualdade desigual ocupa-se em ser fraterna? O fracasso do Iluminismo, traço característico da modernidade, deu origem a uma contrarrevolução, a pós-modernidade, que não sabemos ao certo quando teve início. O Iluminismo, enquanto discurso, assimilou um sem número de jargões utilizados pelos poderosos na tentativa de justificar o número expressivo de assassinatos cometidos na Revolução; eu chamaria de recurso hipócrita e, consequentemente cínico. Uma das torpes heranças, na verdade o câncer advindo desse tal de Iluminismo atende pelo nome de “politicamente correto”, recurso utilizado para dividir e, portanto, melhor governar.

Vivenciamos guerras, e com elas as questões culturais que subjazem. Sob o manto do humanismo, subsumidos pela ideia de liberdade, a Europa quis apartar-se de sua cultura, de seus valores. No entanto, ao buscar a origem de seus valores, de sua religiosidade, de sua ética, de sua arte, deparou-se com o judaísmo cristão. Houve rupturas, reformas, movimentos outros, a caça às bruxas, o Martelo das Feiticeiras, a Inquisição etc. O povo germânico, contudo, amparado em Nietzsche, na “morte de Deus”, e na mitologia nórdica/germânica musicada por Richard Wagner e suas Valquírias, pretendeu extirpar o judaísmo, muito embora a tentativa de justificar o genocídio paute-se em declarações de caos econômico.

Os adestradores de nossa imensa caverna, no pós-guerra, tentaram gerar um organismo que estabelecesse regras aos países membros, e isso com o discurso de acabar com as guerras. Balela! A primeira tentativa fracassou e a Liga das Nações experimentou rápida existência. Então criaram as Nações Unidas. Não, a finalidade não é acabar com guerras ou evitar confrontos entre povos, pois a guerra traz lucro, gera empregos e cria dependências. A finalidade maior da ONU é atender à exigência das grandes famílias para criar um governo mundial. As grandes famílias têm como pátria os países que formam o Conselho de Segurança. De certo forma esse governo mundial já existe, pois a ONU não respeita qualquer soberania. Países signatários devem adaptar suas Constituições de modo a satisfazer as exigências da ONU. Os países ainda se entendem como soberanos porque a ONU não agride diretamente as diferentes culturas regionais.   

Não trateis a questão cultural como coisa de “menor valor”. Atentai! De início, seres humanos lançavam mão de deuses (deuses que justificavam toda e qualquer faceta humana). Então apareceram os heróis para guiar a existência humana; heróis, contudo, mostraram-se falhos. Com o advento do povo hebreu, acompanhamos o surgimento de um único Deus. E tiveram lugar os “representantes” deste único Deus, que se empenharam em torná-lo indesejado. A ciência despontou como panaceia a todos os males e também fracassou; os políticos e seus ditadores igualmente fracassaram. Durante algum tempo falaram em ética, porém tratava-se de discurso vazio, apesar da rebuscada oratória. O individualismo foi então contemplado, mas o indivíduo necessitava de referências. Logo, teve início uma manipulação cultural para servir de supedâneo ao indivíduo, ao ego. Um retorno aos gregos: o povo necessita de heróis!  

E descendências foram gestadas segundo novos heróis, novos valores. A educação, que sempre esteve a serviço do Estado, parece desempenhar o papel de uma prostituta cultual, pois só atua para arrebanhar seguidores e fazer proselitismo. Não só a educação, mas a arte de um modo geral prestou-se a isso. Novos heróis foram criados, segundo o interesse das classes poderosas, com o fito de forjar gerações servis. O cinema, o teatro, a música, a poesia, a dança, os esportes fornecem estranhos estereótipos, (mitos, outros heróis) para pré-programar novas gerações. Têm lugar o despontar de alguns atletas, cantores populares, religiosos, estadistas etc.: todos lobos em peles de ovelhas. Um recurso eufemístico apelida tais estereótipos de originais, exóticos ou singulares, ao mesmo tempo em que lhes dispensa culto e recomenda respeito.

A contribuição de filósofos iluministas, suas risíveis filosofias (algo bem clichê), teorias políticas (enredos de um filme noir) travestidas de ideologias pútridas e pervertidas disseminaram mais uma vez a ideia de um viver feliz e com total liberdade. A juventude, preparada de antemão para bem recepcionar o discurso, aplaude e assimila todo o conteúdo sem o menor resquício de espírito crítico. O espírito crítico fora distorcido. Crítica, termo utilizado pela medicina grega, cujo significado seria a cura para um mal, transformou-se num menosprezo ao pensamento dialético, um conformismo ao status quo ante. Mas o prazer oferecido fez da Matrix o lugar ideal; fomenta-se, inclusive, a vontade de uma eterna existência.  

A ciência em muito auxilia às classes (algumas famílias) que se dizem dominantes e “naturalmente imunizadas”. A indústria farmacêutica atende às expectativas dos dominadores. Com o rótulo de ciência demonizam-se raios solares, bebidas lácteas, algumas frutas, alguns grãos, algumas verduras. E a Indústria Alimentícia, aliada à Indústria Farmacêutica, supre as carências daí decorrentes. Os dominadores agradecem. Doenças são criadas para dar ensejo ao controle de natalidade. A grande mídia, ideologizada e por receber benesses, massifica diariamente “aconselhamentos”, portfólios, imagens, comunicados, e tudo em nome de um bem estar social. Em toda e qualquer novidade “sócio/científica”, a mídia cuida em apresentar “especialistas” para defender temas até então inusitados. Em pouco tempo tais novidades recebem o amparo das leis. Eis um outro descalabro presente no cotidiano: a judicialização das relações.

Uma “revolução” (???) teve lugar na caverna: a ciência orgulha-se de desenvolver a tecnologia da informação que: a) apequena as relações humanas; b) tem alienado gerações inteiras; c) serve como aporte às classes dominantes que buscam intensificar a observação e melhor controlar seus dominados. A tecnologia da informação, infelizmente à serviço da canalha, mascara-se de ciência, e além de ofuscar desempenhos verdadeiramente originais, arrefece as relações entre profissionais, enfraquece conhecimentos e proporciona o surgimento de oportunistas.

A busca pela verdade, na qual tive origem, assimila então um novo conceito dentre tantos outros: A verdade é uma crença eletiva! Sim, infelizmente algo pessoal, individual, pois as pessoas escolhem em que acreditar, apesar de comprovações irrefutáveis. Mesmo as verdades científicas se vergam a este meu novo conceito, pois se assim não fosse, não haveria uma “teoria da terra plana”. O que é o mundo, afinal? Perdão; seria uma caverna? Respondo-vos sem temer represálias: Uma grande farsa! Vivemos o embuste que nos foi reservado. A existência é uma farsa. E os seres humanos empenham-se em preservar tais farsas.  

Em face do exposto, questiono-vos: Como adquirir conhecimento? Assimilar conhecimento parece-me extremamente difícil, senão impossível, pois que todo e qualquer saber está subjetivado. E vós me perguntais: E a sabedoria? Eu vos respondo: O mesmo grupo de poderosos, fantasiados de ciência, travestidos de seriedade e apoiados em alguma rota filosofia, exige de mim a crença nesses “desvalores” criados e manipulados para me alienar; no entanto, deprecia-me quando eu revelo minha predisposição ao sagrado, ao religioso. E a mim, ao demiurgo, só me resta crer. Eis a sabedoria!


sábado, 22 de janeiro de 2022

A síndrome de Sodoma

  

Nosso mundo claudica... agoniza. Não pela iminência de uma guerra qualquer; não pelo descaso ao meio ambiente; não pelo possível choque de um cometa ou meteoro; não pelo advento de um governo central imposto por uma nova ordem mundial. Estas não seriam causas, mas apenas efeitos. O mundo, através de uma quase totalidade de cidades, assimilou essa doença; na verdade uma síndrome: a síndrome de Sodoma. O pensar renovador que despreza valores, a visão progressista que olvida princípios, os revolucionários que rejeitam a religião, os vanguardeiros que depreciam e/ou desonram a família são responsáveis pela algaravia que envolve nosso dia-a-dia, pela comédia burlesca que fingimos ser prazerosa e verdadeira. Eis aí a personificação da besta. As emanações mentais provenientes de um sem número de cérebros inovadores em eterno espasmo criaram as situações das quais somos reféns. Não vos enganeis, Ló e seus familiares já foram retirados das cidades enfestadas. Todavia, ainda haverá esposas a olhar para trás, não por conservadorismo, mas pelo desejo de perpetuar o clima liberal; ainda haverá filhas buscando embebedarem seus pais na tentativa de parirem novos povos, povos estes que fatalmente se odiariam. E o que será do mundo? A total destruição? Não, pasmai: o mundo será resgatado pelos conservadores, pelos reacionários, pelos tradicionalistas, pelos ultrapassados. Aliás, os únicos a entenderem que as constantes rupturas entre passado e futuro dão lugar a lacunas intransponíveis, como as que partilham do nosso cotidiano, impedindo, inclusive, o livre traçado da história.      

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

O Sal

 

Independentemente de informações midiáticas ou de redes sociais, está evidenciado o caos em que mergulhou o orbe terrestre. O ser humano parece ter-se degenerado, regredido; a violência aumentou sobremaneira; tornaram-se rotineiros os assassinatos, os estupros, os roubos, os furtos, a corrupção ativa e passiva. A introdução de novos valores parece ter dissociado as relações mesmas; ao dia-a-dia somam-se as catástrofes naturais, os efeitos das alterações climáticas, as doenças. E a reboque temos a politização e a ideologização dos tão afamados “Contratos Sociais”. Todavia, perguntas se nos revelam pertinentes: somente gestores, administradores e políticos seriam responsáveis por tal panorama? Enfim, por que nos isentarmos? Por que nos abrigarmos sob a égide da responsabilidade alheia? Senão, vejamos!

“Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido com que se há de salgar?” (Mt. 5:13) Ora, por que a figura do sal? Sim, o sal deve ser utilizado como a arte de dar sabor. Nós devemos dar sabor à terra. E como? A sabedoria salga a terra, dá-lhe sabor e fertilidade. O sal significa preservação, fidelidade, constância. O sal é o elemento utilizado para selar o concerto com Deus; a aliança com Deus nada mais é do que nos tornarmos conscientes e certos da fidelidade de Deus para conosco. O sal é o elemento purificador; ele simboliza a perenidade da aliança entre Deus e seres humanos. E como devemos entender o dar arte e sabor à terra? Damos sabor à terra quando cumprimos nosso pacto com Deus. Somos o sal da terra quando nos tornamos testemunhas de Deus; quando servimos a Deus. E se não o fizermos? E se o sal não salgar? “Para nada mais presta senão para se lançar fora e ser pisado pelos homens”. (Mt. 5:13)

Por outro lado, ideias que declaram salgar a terra, mas, no entanto, apenas se prestam para por em evidência o pretenso salgador, tornam o solo ermo. Ideias tresloucadas que propõem superar toda e qualquer dificuldade e abrigam promessas de eterna felicidade são disfarçadas apostasias; nesse caso o sal transforma-se em enxofre. Tais ideias nada mais são do que o fermento dos fariseus, a hipocrisia. A maldade dos seres que habitam um terreno qualquer não permite que este produza bons frutos; as ideias maldosas execram qualquer adubo. Uma terra coberta de sal e enxofre não poderá ser semeada; erva alguma nela crescerá. E se algo nela brotar terá início um povo similar à Sodoma e Gomorra; em verdade, tal terreno tornar-se-á lamacento, nada mais que um charco.   

Permiti que vossos pensamentos recriem a terra; uma terra farta em arte e de sítios saudáveis e prazerosos. Afastai-vos, portanto, do pensamento insípido, assim como do fermento que transforma o simples pensar em cruel pesadelo.