sábado, 30 de novembro de 2024

Aerofotogrametria


 

Em homenagem a Fernando Monteiro, meu pai e amigo

 

À espera os diapositivos. Sobre a mesa do aparelho o papel canson já com as coordenadas traçadas. O operador examina o par de fotos; aproximadamente 60% de sobreposição. No papel vegetal que recobre as fotos, alguns pontos identificados: são acidentes, postes, esquinas, algum RN (referência de nível). Sim, a escala utilizada será de 1:2000, haja vista a necessidade da prefeitura em identificar novas construções, bem como ampliar o cais na suntuosa ilha. E os diapositivos são colocados nas placas do aparelho restituidor. Agora é sentar e dar início à operação.

Para que as imagens se fundam e seja possível observar em terceira dimensão, faz-se necessário a orientação. De início aciona-se as chaves Kappa, depois as chaves Phi e então as chaves Omega. Com a orientação terminada - não mais paralaxes - busca-se colocar a imagem na escala correta; para isso deve-se lançar mão das chaves BX ou BY. Os pontos identificados nas fotografias devem coincidir com a marcação realizada no papel canson, isto é, suas coordenadas geográficas, bem como suas respectivas altitudes.

Antes de dar início à restituição, gabaritos devem ser extraídos de outras folhas já prontas do projeto. Feito isso, terá início a restituição como um todo, a começar pela hidrografia. O par a ser restituído em questão mostra uma ponta de praia com seus casarões e um pequeno pier. Então tem lugar a altimetria, com curvas de nível bem definidas e delineadas. É possível perceber-se o relevo. Depois terá lugar a planimetria, ou seja, acidentes naturais geográficos e/ou construções. E lá estão casas, ruas, estradas vicinais, postes, cercas, muros, cortes, pontes... Vez por outra uma macega, a lavoura, um córrego, um riacho... 

Mas a tecnologia acabou com tudo isso; acabou com a profissão, com a excelência do trabalho, com a seriedade dos que ao ofício de entregavam. Onde a perícia e precisão corroborados pela arte? Hoje aerofotogrametristas são páginas viradas; tornaram-se meros programadores de lacônicos hardwares e estão à mercê da banalidade dos softwares.

Infelizmente, vida que segue! 

The Jump of Cat (A new trick?)

 

E lá estava o bichano: imóvel, não miava, não rosnava... Acariciei-o e nenhuma reação. O nerd, seu tutor, o chamou pelo nome: Frodo! Frodo apenas virou a cabeça, piscou os olhos e tornou a deitar-se. Arrisquei ainda uma descabida onomatopeia e nada. O nerd, então, pegou seu Apple iPhone 16 Pro Max, digitou alguma coisa e Frodo ficou de pé; conforme ele digitava o gato punha-se a agir de diferentes formas. Pasmai! O gato em questão era apenas um amontoado de algoritmos. Com isso, o antissocial estudioso passou a exibir-se. O corpo feliforme fora esculpido por uma impressora 3D. Acreditava ele ter gerado o pet perfeito: além de não deixar pelos, nada sujar, não necessitar de vacinas, alimentos, água, não perseguir outros animais nem atacar quaisquer pássaros, ele teria bem mais que 7 vidas. Declarou-me que criara Frodo para ser um pet politicamente correto.

Pus-me a vaguear: até que ponto os seres humanos deixar-se-ão dominar por narrativas? Até quando submeter-se-ão à tecnologia? Não, não se trata de ciência; apenas tecnologia. A comodidade passou a atender pela alcunha de IA, Inteligência Artificial. Que lástima, quanto embaraço, quanto equívoco! A começar pelo conceito, pois a Inteligência Artificial não é inteligente. E como corolário, essa não-inteligência é tampouco artificial. O farsante felino agora miava de maneira ritmada e contínua. Uma loucura! O nerd, também incomodado, pressionou alguma tecla e Frodo voltou a seu antigo lugar em silêncio. Ainda atônito, despedi-me do impopular estudioso. Esperei que a porta fosse aberta com a ajuda da password digitada no aparelho celular do jovem.

Nada obstante, assim que a porta foi aberta, antes mesmo de eu sair, enorme cão da raça pastor belga invadiu intempestivamente o recinto e destroçou Frodo. Lamentei o ocorrido; controlei-me para não perguntar: - “E onde está o pulo do gato?”    

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Argumentum

 

Eis no que se resumem todas as relações, sejam elas educacionais, informacionais, sociais, tecnocientíficas, religiosas, ... Estou a falar de argumentação! Tudo não passa de recurso linguístico utilizado para defender uma opinião particular sobre qualquer assunto. Trata-se de mera ferramenta comunicacional para nos influenciar, persuadir a nós, assistentes (interlocutores?) desavisados. Mesmo a se valer de evidências, o argumento é tendencioso, pois que evidências se atêm a fatos. E o que são fatos, afinal? Verdades? Verdades são abstrações! (Atenção: não me referi a subjetividade!) Atentai: não existem fatos, mas interpretações de fatos (agora sim subjetivos). Então o argumentador nada mais faz do que defender a própria interpretação. Provas científicas incontestes? Ora, ora, fazei-me o favor; se a ciência fosse absoluta, não existiriam defensores da Teoria da Terra Plana. E assim vamos nós: Argumentos usados por educadores, argumentos usados por religiosos, argumentos como recurso político, argumentos pseudocientíficos, narrativas construídas para disseminar informações, etc., etc., etc. Enfim, só assimilamos o que é conveniente e útil a outrem.

 

Parece-me que cada argumentador polemista constrói sua torre particular dentro de um universo que atende pela alcunha de Babel.  

sábado, 9 de novembro de 2024

Tou Theoú (De Deus)

 

A natureza, o universo como um todo, é manifestação de Deus; a ubiquidade é distintiva. Por outro lado, cada ser humano, enquanto autolimitação divina, traz em si um dom, um dote natural, algo ínsito. Deus, embora transcendente, faz-se imanente - latente - em todo ser humano. E essa imanência, na verdade uma substância, em nada interfere na individualidade dos seres. A consciência humana, capaz de discernir entre o Eu e o não-Eu, percebe esse dom natural. A vontade, aliada ao livre-arbítrio, busca desenvolver esse dom, que é parte da essência humana. E a fé auxilia na tarefa. Então Deus revela-se aos que se dedicam a tal empreitada. Mesmo que o ser humano despreze sua característica distintiva, o atributo divino nele estará presente. 

Àquele a quem Deus se manifesta, experiencia a liberdade; o conhecimento de Deus é a verdade que liberta. Todavia, essa experiência não pode ser transmitida; é uma relação inefável; ser um com o Uno é intransmissível. O silêncio, portanto, é o que melhor retrata a experimentação.

Agradeçamos, louvemos ao Senhor!