A modernidade e, por
conseguinte, a pós-modernidade, como seu correlativo necessário, vez por outra
ainda consegue nos surpreender. A Sociedade Ocidental encontra-se refém e
vivencia a exacerbação de um recurso sórdido: sua vitimização. As pessoas preferem
ser vistas como vítimas ou fazerem-se como tais a realizarem seus objetivos a
partir de seus próprios esforços, revelando mérito e/ou conquistando respeito.
As pessoas não querem mais ser respeitadas; as pessoas querem a comiseração
alheia, querem suscitar a dor, a piedade, e encontrar respaldo nas leis para
realizar seus desideratos. Ora, o fato de se cumprir uma lei não implica
respeito. A vitimização, muito pelo contrário do que possam pregar os
defensores de uma sociedade mais humana e igualitária, coloca-se frontalmente
contra o princípio de cidadania.
Mas a vitimização não é
recurso novo, nem mesmo original; tem sua origem no pilar judaico-cristão, que
jungido a uma filosofia social piegas e extremamente retórica, fez da
vitimização um instrumento político, onde se destaca o discurso torpe e
ressentido do politicamente correto que visa à manipulação das massas. A
vitimização está institucionalizada; a vitimização não educa, apenas manipula;
constrange, não conscientiza; é apenas um ritual, uma idolatria manca; é algo
tipicamente emocional e despreza a racionalidade que o ser humano busca tanto
evidenciar.
Parece haver a necessidade
de se criar um estereótipo da vitimização. E nada ou ninguém melhor que a mídia
para desempenhar papel fundamental nesse processo formador de opinião. A mídia
vincula-se a uma moral de ocasião, de certo modo aliada ao discurso religioso
original, clamando sempre e sempre por uma fraternidade rota, respeito,
dignidade e bem-estar social preestabelecidos, que criam, não raramente, só e
somente só a expectativa de felicidade humana.
Após a massiva propaganda e
a merchandising da vitimização feita
pela mídia, faz-se necessário sua legalização. Curioso é como a vitimização tem
sua hermenêutica característica. Então se interpreta qualquer princípio pelo
viés acanhado e tendencioso desta hermenêutica caótica. Assim foram com os
direitos fundamentais estabelecidos pela Revolução Francesa; assim é na
criação, apreciação, sancionamento e aplicação das leis, onde conceitos de
igualdade e isonomia são confundidos de modo contumaz.
Em todos os meandros da
sociedade percebe-se sempre a presença da vítima. O aluno é vítima do
professor; a mulher é vítima do homem, o pobre é vítima do rico, o empregado é
vítima do patrão, o trabalhador é vítima do empresário, o filho é vítima dos
pais, o negro é vítima do branco, o homossexual é vítima do heterossexual, o
deficiente é vítima do são. E para arrematar, o réu deixou de existir; ele tornou-se
vítima. Sim, o réu é vítima da sociedade que ele agride e avilta, e assim o faz
por estar justificado. A vitimização, com o auxílio das ciências sociais e
jurídicas, cria, então, novos jargões característicos metaforicamente
temperados: hipossuficientes, minorias, etc.
A hipossuficiência é um
manto sagrado; hipossuficientes são aqueles que assim se declaram e assim se
consideram, mas, no entanto, reivindicam a autossuficiência. As minorias,
embora em muitos casos não sejam mais minorias, pois quantitativamente são em
maior número, recorrem a um recurso semântico para se declararem minorias “qualitativas”.
Ou seja, eles mesmos se reconhecem como de menor qualidade, pleiteando, contudo,
desfrutar da condição de grande qualidade. Vivemos sob o império das minorias.
A tão decantada liberdade de expressão só se aplica às minorias. Qualquer
manifestação de desacordo por parte de uma não minoria implica diretamente em
outro recurso espúrio: a rotulação. O maior risco social nos dias de hoje é
assimilar títulos como burguês, elite, aristocrata, homofóbico, preconceituoso,
racista, ginófobo, misógino, machista, xenófobo, fascista e mais uma série de
adjetivos previamente e protocolarmente marginalizados.
E a culminação de tudo está
na educação. A estrutura educacional trabalha no sentido de doutrinar de modo amplo
o universo do aprendizado, formando, ou melhor, deformando gerações, no sentido
de consolidar efetivamente a vitimização. Esse recurso, muito ao contrário do
que vem sendo pregado, fomenta, estimula, viraliza e incita o ódio, corroendo a
base social. A vitimização é nada mais que um jogo pautado na desfaçatez, pois
não educa para a igualdade, mas sim prima por expor as diferenças, ao mesmo
tempo em que carrega a nefasta presunção de realizar uma convivência harmônica entre
as diferenças por ela destacadas.
Há os que poderiam pensar a
vitimização como uma utopia. Mas não, de modo algum; uma utopia tem por
característica uma sociedade imaginária organizada de forma perfeita e/ou
superior. A vitimização está mais para uma distopia, pois a Sociedade Ocidental
vem se mostrando sim, organizada de forma a oprimir, excluir, diferenciar e
iconizar alguns em detrimentos de muitos. Poder-se-ia até mesmo alegar, sem
incorrer em qualquer deslize, que a vitimização seria a origem das atuais
distopias.
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