terça-feira, 19 de abril de 2016

A Vitimização da Sociedade


A modernidade e, por conseguinte, a pós-modernidade, como seu correlativo necessário, vez por outra ainda consegue nos surpreender. A Sociedade Ocidental encontra-se refém e vivencia a exacerbação de um recurso sórdido: sua vitimização. As pessoas preferem ser vistas como vítimas ou fazerem-se como tais a realizarem seus objetivos a partir de seus próprios esforços, revelando mérito e/ou conquistando respeito. As pessoas não querem mais ser respeitadas; as pessoas querem a comiseração alheia, querem suscitar a dor, a piedade, e encontrar respaldo nas leis para realizar seus desideratos. Ora, o fato de se cumprir uma lei não implica respeito. A vitimização, muito pelo contrário do que possam pregar os defensores de uma sociedade mais humana e igualitária, coloca-se frontalmente contra o princípio de cidadania.
Mas a vitimização não é recurso novo, nem mesmo original; tem sua origem no pilar judaico-cristão, que jungido a uma filosofia social piegas e extremamente retórica, fez da vitimização um instrumento político, onde se destaca o discurso torpe e ressentido do politicamente correto que visa à manipulação das massas. A vitimização está institucionalizada; a vitimização não educa, apenas manipula; constrange, não conscientiza; é apenas um ritual, uma idolatria manca; é algo tipicamente emocional e despreza a racionalidade que o ser humano busca tanto evidenciar.
Parece haver a necessidade de se criar um estereótipo da vitimização. E nada ou ninguém melhor que a mídia para desempenhar papel fundamental nesse processo formador de opinião. A mídia vincula-se a uma moral de ocasião, de certo modo aliada ao discurso religioso original, clamando sempre e sempre por uma fraternidade rota, respeito, dignidade e bem-estar social preestabelecidos, que criam, não raramente, só e somente só a expectativa de felicidade humana.
Após a massiva propaganda e a merchandising da vitimização feita pela mídia, faz-se necessário sua legalização. Curioso é como a vitimização tem sua hermenêutica característica. Então se interpreta qualquer princípio pelo viés acanhado e tendencioso desta hermenêutica caótica. Assim foram com os direitos fundamentais estabelecidos pela Revolução Francesa; assim é na criação, apreciação, sancionamento e aplicação das leis, onde conceitos de igualdade e isonomia são confundidos de modo contumaz.
Em todos os meandros da sociedade percebe-se sempre a presença da vítima. O aluno é vítima do professor; a mulher é vítima do homem, o pobre é vítima do rico, o empregado é vítima do patrão, o trabalhador é vítima do empresário, o filho é vítima dos pais, o negro é vítima do branco, o homossexual é vítima do heterossexual, o deficiente é vítima do são. E para arrematar, o réu deixou de existir; ele tornou-se vítima. Sim, o réu é vítima da sociedade que ele agride e avilta, e assim o faz por estar justificado. A vitimização, com o auxílio das ciências sociais e jurídicas, cria, então, novos jargões característicos metaforicamente temperados: hipossuficientes, minorias, etc.
A hipossuficiência é um manto sagrado; hipossuficientes são aqueles que assim se declaram e assim se consideram, mas, no entanto, reivindicam a autossuficiência. As minorias, embora em muitos casos não sejam mais minorias, pois quantitativamente são em maior número, recorrem a um recurso semântico para se declararem minorias “qualitativas”. Ou seja, eles mesmos se reconhecem como de menor qualidade, pleiteando, contudo, desfrutar da condição de grande qualidade. Vivemos sob o império das minorias. A tão decantada liberdade de expressão só se aplica às minorias. Qualquer manifestação de desacordo por parte de uma não minoria implica diretamente em outro recurso espúrio: a rotulação. O maior risco social nos dias de hoje é assimilar títulos como burguês, elite, aristocrata, homofóbico, preconceituoso, racista, ginófobo, misógino, machista, xenófobo, fascista e mais uma série de adjetivos previamente e protocolarmente marginalizados.
E a culminação de tudo está na educação. A estrutura educacional trabalha no sentido de doutrinar de modo amplo o universo do aprendizado, formando, ou melhor, deformando gerações, no sentido de consolidar efetivamente a vitimização. Esse recurso, muito ao contrário do que vem sendo pregado, fomenta, estimula, viraliza e incita o ódio, corroendo a base social. A vitimização é nada mais que um jogo pautado na desfaçatez, pois não educa para a igualdade, mas sim prima por expor as diferenças, ao mesmo tempo em que carrega a nefasta presunção de realizar uma convivência harmônica entre as diferenças por ela destacadas. 

Há os que poderiam pensar a vitimização como uma utopia. Mas não, de modo algum; uma utopia tem por característica uma sociedade imaginária organizada de forma perfeita e/ou superior. A vitimização está mais para uma distopia, pois a Sociedade Ocidental vem se mostrando sim, organizada de forma a oprimir, excluir, diferenciar e iconizar alguns em detrimentos de muitos. Poder-se-ia até mesmo alegar, sem incorrer em qualquer deslize, que a vitimização seria a origem das atuais distopias.

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