quarta-feira, 13 de abril de 2016

Porque não me ufano de meu país.

Porque não me ufano do meu país:

Carta aberta de um professor de filosofia.

Fernando Monteiro

Acredito estarmos vivendo um momento ímpar da história política do país, mas o que mais me aflige é o descaso que o governo e seus integrantes devotam ao cidadão brasileiro. O clima não é só de insegurança, mas de desrespeito, de cinismo, de imoderação. Sinto-me, e creio que como tantos outros, agredido, aviltado, acuado, hostilizado, ofendido, e o pior de tudo é não conseguir vislumbrar uma saída para todo esse cenário torpe. Não há uma escolha possível, pois as possibilidades se revelam como impossíveis. Por incrível que possa parecer, até a vontade de exercer a cidadania está inviabilizada; não há como ser cidadão dentre a escória institucional que se instalou no país. A tentativa de exercer a cidadania por certo será interpretada ou como radicalidade, ou reacionarismo, ou fanatismo, ou fascismo, ou qualquer outro título de conotação degenerada e banalizada com o fito de ofender, agredir, vilipendiar. O simples fato de morar neste país mostra-se, no mínimo, como um desafio diário, onde somos fáceis presas da marginalização em todos os níveis, independente se na escala governamental ou popular.

O desmando a que estamos entregues é de tal modo amplo que se poderia justificar qualquer revolta de origem popular. Assistimos, e de certa maneira placidamente, a troca de acusações entre governo e oposição. A presidente, acusada de mascarar o balanço orçamentário de modo a transformar o que é deficitário em superavitário visando sua reeleição, está ameaçada de impeachment, porque semelhante atitude implica crime de responsabilidade. Encarregados de julgar o referido processo, temos um congresso, onde em média 50% de seus integrantes são alvos de investigação, inclusive por homicídio. Temos um partido político que prima por desfrutar do poder, apenas como coparticipe, haja vista não ter, e já há algum tempo, nenhum interesse em disputar as eleições presidenciais. 

Mas os deputados e senadores permanecem em seus exercícios legislativos sem serem incomodados por conta dos mecanismos constitucionais que assim o permitem. A retórica que subjaz é o “devido processo legal”, a “ampla defesa” e o “contraditório”. A isso se alia o instituto do “foro privilegiado”, onde a turba de malfeitores se alicerça. A arbitrariedade se traveste de discricionariedade. E como os processos arrastam-se anos até que se tenha trânsito em julgado, os acusados desfrutam de todas as suas prerrogativas, estampando um sorriso misto de cinismo e descaso, tripudiando sobre nossa impotência jurídico-constitucional. Com isso está instaurada a “República da Impunidade”. Alguns crimes são perpetrados já com a certeza da impunidade. Agora, imaginem, há um projeto que propõe um semiparlamentarismo ou semipresidencialismo. Mas, na verdade, tal projeto em nada se aproxima do parlamentarismo ou presidencialismo, apenas trata-se de um recurso escuso para transferir atribuições do executivo ao legislativo, como se o legislativo fosse uma instituição confiável.

Nossa constituição, que recebe a epígrafe de “Constituição Cidadã”, isto porque encobre grande ressentimento, revela simplesmente o despreparo de um povo que brinca de democracia. O brasileiro, de um modo geral, até por sua falta de vivência política, confunde democracia com desmando. Se um governo qualquer é eleito por princípios que se assemelham aos democráticos, é interpretado pelo povão como algo que não deve ser alvo de investigação. Nossa constituição, preocupada em excesso com direitos sociais, mostra-se agora leniente e bastante permissiva. Todavia, apesar dos clichês, slogans e frases de efeito que bradam por democracia - o povo adora chavões -, na prática, o que percebemos é uma velada oligarquia hereditária. As famílias buscam se perpetuar no poder através de seus descendentes; a tônica da política brasileira é a mesma de 1808 quando na chegada da família real no Brasil, ou seja, a troca de favores, o compadrio, o tráfico de influência. E essa cultura desaguou no coronelismo, que independente do estágio atual de informações e/ou desenvolvimento tecnológico vige até os dias de hoje.

O judiciário não dista muito desse descompromisso. Nossa Corte Suprema, formada por egrégios juristas, parece ter-se tornado refém de ideologias, o que a impede de julgar com parcimônia, olvidando, portanto, um princípio norteador do direito: a equidade. Evidentemente que a Constituição é um instrumento político, mas a Corte Suprema tem que analisar os fatos e denúncias afeitos à Constituição por um prisma unicamente jurídico, e não deixar-se conduzir por interesses partidários. Quando tal postura é observada, o que se tem é um avilte à própria Constituição. Vemos o judiciário como um todo embasado numa retórica peculiar, eivado de verborragia acintosa, onde abunda a falácia criminosa e desconcertante, abrilhantada pelo gongorismo que põe em destaque artigos da Constituição, citados e interpretados através de uma hermenêutica casuística e tendenciosa.

Nossa ductilidade política e eleitoral admite o financiamento de campanhas, o que facilita a corrupção e a compra de votos. Os empresários financiadores das campanhas, por sua vez, contam com uma contrapartida, isto é, com a leniência por parte do governo financiado. Um dos maiores investidores nas campanhas são as companhias de mineração, o que culminou no desastre ambiental de Mariana. E este é o governo que diz se preocupar com a ecologia, o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.

Nossa carga tributária é uma das maiores do mundo, o que se mostra como óbice à iniciativa privada. Consequentemente há uma procura pelo emprego público, o que provoca inevitável inchaço da máquina estatal. Quando o governo anuncia um “ajuste fiscal”, sabemos de antemão que seremos vitimados pela criação de mais um imposto. Enquanto isso, os banqueiros, independente da situação econômica vigente, apresentam seus balanços faraônicos, graças a juros escorchantes ao qual o povo vive submetido. Isso implica diretamente num agravamento da tão falada má distribuição de renda. Nossa altíssima taxa de juros, que visa o investimento externo, compactua com os altos juros bancários e das administradoras de cartões de crédito.

Os tributos arrecadados são utilizados apenas como fontes recursais do Estado, que, por seu turno, não tem como contrapartida os serviços pelos quais cobra para realizar. Parece não haver a menor preocupação em se questionar a responsabilidade objetiva do Estado, pois apesar dos impostos arrecadados, nossas estradas e ruas jazem esburacadas, o lixo acumulado e em muitos lugares os esgotos correm a céu aberto. A insegurança dos cidadãos se amplia a cada momento. Nosso sistema previdenciário está falido, graças à ingerência do próprio Estado e necessita de uma devassa, de uma auditoria séria. Nosso sistema de saúde adoeceu e está em fase terminal: faltam leitos, faltam médicos, faltam medicamentos; nos hemocentros faltam bolsas para coleta. E isso permite a proliferação dos planos de saúde que cada vez mais excluem e erguem barreiras entre as classes sociais. Este é o governo que diz ter como meta os Direitos Humanos. Mas o desmando é justificado por outra falácia: alguns artigos de nossa Constituição, e evidentemente seus parágrafos e incisos, devem ser encarados apenas como um dever-ser. Temos uma lei maior que propõe, mas não se compromete; reconhece que deve haver direitos, mas não os garante.

Nossa educação está sem rumos. Apesar do relevante percentual sobre o PIB aplicado à Educação, somos reféns de tecnocratas; criam-se ideais educacionais, deixando de lado a questão pragmática do ensino. O governo acredita que faz sua parte somente quando libera verbas, mas a qualidade do ensino é péssima. Não há uma meta educacional a ser perseguida com seriedade. Os programas lançados pelo governo apenas mascaram lamentáveis resultados. Não se dá a devida ênfase ao ensino fundamental; seus professores são mal preparados e mal remunerados. Com isso proliferam as escolas particulares, o que, enquanto empresa, visam apenas o lucro. E mais uma vez percebe-se uma maneira covarde de discriminação. No ensino médio não é diferente. O ensino superior, muito contemplado pelo governo, também goza de substancial desprestígio, exceto pouquíssimas instituições, isto porque, e não por falta de salários dignos, não há comprometimento dos docentes com a causa educacional, o que pode ser explicado pelos critérios de admissão: os candidatos a professores nas universidades públicas, principalmente no que tange às provas de títulos, análise de currículos e entrevistas, submetem-se passivamente aos caprichos de uma banca que usa o argumento espúrio da subjetividade para aprovar e dar posse a seus apadrinhados.

Na tentativa de apresentar melhor resultados e dizer-se Pátria Educadora, o governo disponibiliza recursos para que a população tenha acesso ao ensino superior em instituições particulares. Todavia, as instituições particulares fazem da educação um produto qualquer, onde os discentes são vistos apenas como clientes. Com isso observamos que a educação no Brasil, através das instituições, sejam governamentais ou particulares, assemelha-se ao objeto que passa por uma linha de montagem, onde o produto final é simplesmente o analfabetismo funcional. A falta de critério para abrir cursos de nível superior e/ou conceder licença ao funcionamento de faculdades particulares cria expectativa nos jovens, que depois de formados vão perceber o engodo de que foram vítimas, não só em face do restrito mercado de trabalho, mas em virtude da dívida criada com a própria educação.

Nossas grandes empresas estão sendo devastadas, haja vista o escândalo que envolve a Petrobrás, que apresenta uma dívida na ordem dos 32 bilhões de dólares. Mais uma vez se percebe a protocolar “ingenuidade” de um governo que, para conseguir apoio nas casas do Congresso, estabelece acordos e leiloa cargos como contrapartida. Então, é criada uma espécie de “balcão de negócios”, onde as empresa estatais, empresas de capital misto, fundações, agências reguladoras etc., tornam-se cabides de emprego para os partidos da base governista. Outrossim, apesar de todas as exigências da lei de licitações, observamos, sobretudo, as empreiteiras arroladas em um esquema de propinas e extorsões que extrapolam qualquer expectativa de corrupção.

Entendo que num sistema republicano a colaboração e presença marcante da imprensa e da intelectualidade são de suma importância. Contudo, a tão afamada liberdade de imprensa no Brasil tornou-se um recurso inócuo, pois que a imprensa afiliou-se a ideologias. Parece que nossa imprensa não percebeu que ao eleger uma ideologia qualquer coloca em si mesma a mordaça que tanto teme. Nossos intelectuais não são diferentes, pois que também se vincularam a discursos ideológicos que lhes servem de obstáculo. A liberdade de expressão, tão fundamental a uma democracia, afina-se não mais com o livre pensar, mas torna-se refém de interesses.

Este é, grosso modo, o panorama nada alentador em que nós, brasileiros, vivemos imersos. O que se pode ainda esperar desse clima de total ingerência, onde uma nação ferreteada por sérios problemas de ordem econômica - haja vista a recessão, o nível de desemprego e as graves questões sociais - estão sendo deixadas de lado em nome de uma movimentação política que esbanja mau-caratismo? Evidentemente que o povo brasileiro tem uma atuação política jamais vista, mas é algo tardio e sobremodo ingênuo. Percebe-se que a maioria das pessoas que comparecem às passeatas, seja contra ou pró impeachment, não sabe ao certo o que está ocorrendo; o povo é apenas massa de manobra. E aí reside minha maior preocupação, porque pior que a situação atual é uma possível e iminente guerra civil se o impeachment se confirmar.


Só me resta neste momento, e em face da possibilidade do pedido de asilo político feito por um ex-presidente para fugir das investigações de que é alvo, suplicar a qualquer nação que me conceda asilo, pois que não há condições de sobrevida no caos que se instalou neste país, tendo-se em conta a insegurança, a orgia e caducidade de nossas instituições ditas republicanas. 

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