A viagem fora demorada; quase nove horas. A primeira parte do percurso tivera início no Rio de Janeiro. Hosana quando na chegada em Juiz de Fora. Zanzei desordenadamente naquela cidade; a segunda e última parte da jornada ainda demoraria. Vi praças, monumentos; com a Polaroide tirei fotos, registrei lugares e detalhes. Entrei num café e procurei ler o jornal local. Além da beberagem uma mostra do bom queijo mineiro. Sentado, pus-me a pensar: fazia anos que não via a parentalha, talvez não reconhecesse boa parte deles. O tempo fluiu e teve lugar o novo embarque. A derradeira parte, pensei com alguma alegria. E a viagem prosseguiu, com solavancos, poeira, suor e cansaço.
Chegamos! alguém avisou com
solicitude. Pus-me de pé e aguardei que outros reunissem as muambas e apeassem.
Desci desconfiado. Seria esperado? Uma senhora surgiu, encarou-me, murmurou meu
nome e aguardou pela minha reação. Aproximei-me; ela desfez-se num sorriso. Era
uma prima de meu pai. Abraçamo-nos efusivamente como se íntimos fôssemos.
Pusemo-nos a caminhar e a trocar informações acerca dos familiares ausentes. A
cidadezinha era um nada: pequeníssima, ínfima, minúscula. Mas ali residia - ou
jazia? - minha origem. Uma charrete conduziu-nos por quase uma légua.
Enfim uma casa, uma sala, uma sombra,
a cadeira onde eu pudesse sentar. Abraços outros corroboraram o quanto eu era
bem-vindo. E havia um quarto pra mim reservado. Instava por bom banho; o banheiro
era único, mas havia uma cama para chamar de minha. Descansei por cerca de uma
hora. Retornei ao convívio dos parentes. Sentamo-nos à mesa: comidas, doces,
bebidas. Sim, o fumo de rolo lá mesmo produzido. Éramos, a contar comigo, oito
pessoas ao redor da mesa. Alguém falou em imortalizar aquele momento com uma
foto, mas o lembrado artista lambe-lambe encontrava-se distante. Sim, em minha
bagagem repousava a Polaroide, a máquina de revelação instantânea. O grupo
fez-se mais denso, enquanto eu me exibia como pretenso fotógrafo.
Todos sorriam. Ao afastar-me à procura
de melhor ângulo, bati com as costas contra um armário de madeira rústica. Então,
após o aviso de atenção, acionei o botão da máquina. Poucos minutos de
impaciência a aguardar pelo resultado. De início o papel em branco, logo
sombras surgiram, desenharam-se vultos e ... pronto! Como mágica a imagem da
família em torno da imensa mesa. Admirei o grupo estampado na foto. Alguém
solicitou que eu trocasse de lugar, para que também pudesse ser fotografado.
Rapidamente instruí o rapaz, filho de uma prima e introduzi-me ao desordenado e
coeso conjunto. O rapaz bateu a foto, aguardou o surgimento da imagem e
entregou-a à matriarca da família.
Minha tia-avó deixou escapar um grito
abafado. Todos a ela se voltaram. A velhinha permanecia estática, olhos
arregalados a contemplar a foto. Os demais se interrogavam mudamente: mas
enfim, o que houve? Aproximei-me com a primeira foto nas mãos. Estupefato
percebi o que acontecia: além das sete pessoas, outra criatura apresentara-se.
A imagem estava esmaecida e distante; um vulto sobre os ombros da pessoa mais
situada à esquerda do grupo. Eu não a conhecia nem reconhecia, mas de uma coisa
tinha certeza: até o momento ela não esteve presente. A matriarca então falou: “parece
muito com minha irmã; ela morreu faz três anos!” Mostrei a primeira foto, a
senhora comparou e confirmou.
Tudo mudo, silêncio sepulcral. Fomos
transportados do interior de Minas para os bastidores de Poltergeist. Como
poderíamos chamar o fenômeno? Psicocinesia silenciosa? Não, a mulher morrera; é
mais fácil falar em assombração... se bem que, aquilo estava mais para
Gasparzinho, o fantasminha camarada. Em meio ao pânico, alguém falou em padre,
em benzer a casa, em exorcismo. O que é isso, minha gente? estão a demonizar um
ente querido? Pensei em Ghostbusters, os caça-fantasmas. Quando já imaginava as
presenças de Dan Aykroyd e Bill Murray no casarão, observei que, por trás do
grupo havia um janelão com os postigos abertos. O vidro da janela esteve
exatamente atrás do ombro direito da pessoa que posara à esquerda; o vidro
apenas refletira a foto de um grande retrato que encimava o armário de madeira
rústica.
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