domingo, 21 de março de 2021

Paranormal

 

A viagem fora demorada; quase nove horas. A primeira parte do percurso tivera início no Rio de Janeiro. Hosana quando na chegada em Juiz de Fora. Zanzei desordenadamente naquela cidade; a segunda e última parte da jornada ainda demoraria. Vi praças, monumentos; com a Polaroide tirei fotos, registrei lugares e detalhes. Entrei num café e procurei ler o jornal local. Além da beberagem uma mostra do bom queijo mineiro. Sentado, pus-me a pensar: fazia anos que não via a parentalha, talvez não reconhecesse boa parte deles. O tempo fluiu e teve lugar o novo embarque. A derradeira parte, pensei com alguma alegria. E a viagem prosseguiu, com solavancos, poeira, suor e cansaço.

Chegamos! alguém avisou com solicitude. Pus-me de pé e aguardei que outros reunissem as muambas e apeassem. Desci desconfiado. Seria esperado? Uma senhora surgiu, encarou-me, murmurou meu nome e aguardou pela minha reação. Aproximei-me; ela desfez-se num sorriso. Era uma prima de meu pai. Abraçamo-nos efusivamente como se íntimos fôssemos. Pusemo-nos a caminhar e a trocar informações acerca dos familiares ausentes. A cidadezinha era um nada: pequeníssima, ínfima, minúscula. Mas ali residia - ou jazia? - minha origem. Uma charrete conduziu-nos por quase uma légua.

Enfim uma casa, uma sala, uma sombra, a cadeira onde eu pudesse sentar. Abraços outros corroboraram o quanto eu era bem-vindo. E havia um quarto pra mim reservado. Instava por bom banho; o banheiro era único, mas havia uma cama para chamar de minha. Descansei por cerca de uma hora. Retornei ao convívio dos parentes. Sentamo-nos à mesa: comidas, doces, bebidas. Sim, o fumo de rolo lá mesmo produzido. Éramos, a contar comigo, oito pessoas ao redor da mesa. Alguém falou em imortalizar aquele momento com uma foto, mas o lembrado artista lambe-lambe encontrava-se distante. Sim, em minha bagagem repousava a Polaroide, a máquina de revelação instantânea. O grupo fez-se mais denso, enquanto eu me exibia como pretenso fotógrafo.

Todos sorriam. Ao afastar-me à procura de melhor ângulo, bati com as costas contra um armário de madeira rústica. Então, após o aviso de atenção, acionei o botão da máquina. Poucos minutos de impaciência a aguardar pelo resultado. De início o papel em branco, logo sombras surgiram, desenharam-se vultos e ... pronto! Como mágica a imagem da família em torno da imensa mesa. Admirei o grupo estampado na foto. Alguém solicitou que eu trocasse de lugar, para que também pudesse ser fotografado. Rapidamente instruí o rapaz, filho de uma prima e introduzi-me ao desordenado e coeso conjunto. O rapaz bateu a foto, aguardou o surgimento da imagem e entregou-a à matriarca da família.

Minha tia-avó deixou escapar um grito abafado. Todos a ela se voltaram. A velhinha permanecia estática, olhos arregalados a contemplar a foto. Os demais se interrogavam mudamente: mas enfim, o que houve? Aproximei-me com a primeira foto nas mãos. Estupefato percebi o que acontecia: além das sete pessoas, outra criatura apresentara-se. A imagem estava esmaecida e distante; um vulto sobre os ombros da pessoa mais situada à esquerda do grupo. Eu não a conhecia nem reconhecia, mas de uma coisa tinha certeza: até o momento ela não esteve presente. A matriarca então falou: “parece muito com minha irmã; ela morreu faz três anos!” Mostrei a primeira foto, a senhora comparou e confirmou.

Tudo mudo, silêncio sepulcral. Fomos transportados do interior de Minas para os bastidores de Poltergeist. Como poderíamos chamar o fenômeno? Psicocinesia silenciosa? Não, a mulher morrera; é mais fácil falar em assombração... se bem que, aquilo estava mais para Gasparzinho, o fantasminha camarada. Em meio ao pânico, alguém falou em padre, em benzer a casa, em exorcismo. O que é isso, minha gente? estão a demonizar um ente querido? Pensei em Ghostbusters, os caça-fantasmas. Quando já imaginava as presenças de Dan Aykroyd e Bill Murray no casarão, observei que, por trás do grupo havia um janelão com os postigos abertos. O vidro da janela esteve exatamente atrás do ombro direito da pessoa que posara à esquerda; o vidro apenas refletira a foto de um grande retrato que encimava o armário de madeira rústica.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário