segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Caverna: a farsa da existência


Minha origem - meados de século XIV d.C. - deveu-se à decepção dos seres no tocante a verdade em sua mais abrangente concepção, o que engloba a verdade científica (veritas), a verdade revelada (emunáh), a verdade investigada (aletheia). Sim, de início, por conta de minha condição atemporal, pretenderam-me um demiurgo, deus ou semideus que busca construir um novo mundo a partir de visões ideais. Mas eu nada de ideal vislumbrara; busquei apenas identificar falhas inseridas nas estruturas sociais, culturais e científicas de um mundo (ou seria uma caverna?) eminentemente natural.  

Seres que entendem-se a si mesmos como do tipo Alfa (melhores que os demais) deram início a um certo tipo de protocolo que teria como finalidade última perpetuarem-se no poder, não um poder oficial, mas algo próximo de uma eminência parda. É patente a influência de organizações rotuladas de filantrópicas nas decisões de alcance mundial. Neste ponto já podemos perceber uma primeira falha, não na caverna ou no mundo, mas na má formação de caráter: o fato de indivíduos perceberem-se melhores que os demais. Todavia, a coisa (ações protocolares) ganhou proporções.

Sim, apesar de certo filósofo (coitado, um apátrida) atestar que os seres humanos são naturalmente bons, a violência e a agressividade sempre partilharam da existência humana (vide o Pentateuco), mas pior que a violência é a hipocrisia, ou como dizem os religiosos, o fermento dos fariseus. A hipocrisia sustenta discursos, ações, intenções; a hipocrisia arregimenta, fomenta, reúne, pactua. E teve lugar o discurso; um primeiro sintoma do cinismo: o clamor pela liberdade! Curioso é que muito embora desfraldar a bandeira da liberdade, a Europa se encarregava de escravizar e transportar seres humanos (escravos) para o recém descoberto continente: a América.

E surge um movimento ligado às artes: o Renascimento. Este pode ser entendido como uma reformulação, nada de clássicos pagãos, mas um novo nascer das artes da antiguidade, se bem que uma cultura urbana, algo bem mais pé no chão O termo estaria ligado à igreja em reconhecer seus próprios excessos; seria o “renascer da água e do espírito”. E vós me perguntais: Por que iniciar pela cultura? Sim, povos permitem-se dominar militarmente, politicamente, economicamente, mas culturalmente é bem mais difícil. A título de exemplo, cito a Grécia dominada pelo Império Romano; culturalmente o domínio foi grego. E a questão cultural desempenhará papel fundamental nas duas grandes guerras.

Antes disso, podemos observar um outro movimento no interior da caverna: o humanismo. Sim, embora alinhado ao Renascimento, aqui fica evidenciado a ruptura com a Igreja; o ser humano, inebriado com a ideia de liberdade, reclama para si o traçar de seu próprio destino. Muito bem, ótimo! Então surgem como sequazes o Antropocentrismo, o Racionalismo, o Cientificismo. Sim, o ser humano daí em diante pretende-se o centro de tudo. Os seres pleiteiam a condição de racionais, mas fica aqui um alerta aristotélico: Grandes crimes são perpetrados por grandes mentes! Creio que os seres humanos confundiram inteligência com racionalidade. A inteligência é característica humana, já a racionalidade necessita de um “algo a mais”. Que tal uma pitada de sensibilidade, alguns valores e certo apego à divindade?  E o cientificismo? Houve quem declarasse que “submetidos à ciência seríamos felizes”. Pergunto: Somos, de fato?

O Antropocentrismo, mesmo de modo lento e discreto, deu início ao processo de individualização; hoje vivemos a exacerbação do indivíduo, uma verdadeira egolatria, e tudo graças às ciências que se dizem sociais. No panorama jurídico/político já se confirmam os interesses particulares acima dos interesses do Estado, e isso aliado a um discurso que declara defender a democracia. Pergunto: de quem seriam esses interesses?

O advento do Racionalismo, outra cortina de fumaça, só serviu para dar sustentação a uma gama de discursos sofísticos e bem ordenados que exigem ser tratados como ciência. Seres humanos, muito embora a bandeira da liberdade e sob a égide do humanismo, declaram-se vítimas de uma sociedade injusta. Outra pretensa ciência adentrou a esfera jurídica e começou a interferir na educação doméstica, a ponto de criarem um Direito Privado.

O cientificismo desempenha papel fundamental na caverna: ele serve como make up para uma série de informações desencontradas que se autodetermina “pesquisa científica”. Na verdade, o que temos em mãos é uma verborragia acadêmica mesclada à oratória demagógica tão presente no exercício politiqueiro. No politizar-se da ciência, surgem os desmandos típicos de toda má informação.

Mas os influenciadores que atuam na caverna para conduzirem seus “rebanhos” não desistem; eles entendem que a maneira de corrigir erros é estabelecendo rupturas. E lá ficamos às voltas com o Iluminismo. Mas o que é isso? Falamos do Aufklärung, do esclarecimento, de lançar luzes sobre o que estava ofuscado, nas sombras. Mas será que o Iluminismo iluminou? Apoiado no Iluminismo tivemos uma Revolução Francesa, cujos pilares seriam Liberté, Égalité et Fraternité. Esqueceram os iluministas de plantão que tais valores são excludentes? A Revolução Francesa tencionava acabar com a monarquia absolutista e seus privilégios, inclusive estabelecendo a liberdade de propriedade. Ora, nesse caso, pergunto-vos: Será que a liberdade de ter, ocupa-se com igualdade e fraternidade? Evidente que não. Falemos, então, em Justiça. O que seria? Justiça é tratar iguais como iguais e desiguais como desiguais na medida de suas desigualdades. Não há como estabelecer tratamentos iguais. A igualdade é burra! E desde quando a pretensa igualdade desigual ocupa-se em ser fraterna? O fracasso do Iluminismo, traço característico da modernidade, deu origem a uma contrarrevolução, a pós-modernidade, que não sabemos ao certo quando teve início. O Iluminismo, enquanto discurso, assimilou um sem número de jargões utilizados pelos poderosos na tentativa de justificar o número expressivo de assassinatos cometidos na Revolução; eu chamaria de recurso hipócrita e, consequentemente cínico. Uma das torpes heranças, na verdade o câncer advindo desse tal de Iluminismo atende pelo nome de “politicamente correto”, recurso utilizado para dividir e, portanto, melhor governar.

Vivenciamos guerras, e com elas as questões culturais que subjazem. Sob o manto do humanismo, subsumidos pela ideia de liberdade, a Europa quis apartar-se de sua cultura, de seus valores. No entanto, ao buscar a origem de seus valores, de sua religiosidade, de sua ética, de sua arte, deparou-se com o judaísmo cristão. Houve rupturas, reformas, movimentos outros, a caça às bruxas, o Martelo das Feiticeiras, a Inquisição etc. O povo germânico, contudo, amparado em Nietzsche, na “morte de Deus”, e na mitologia nórdica/germânica musicada por Richard Wagner e suas Valquírias, pretendeu extirpar o judaísmo, muito embora a tentativa de justificar o genocídio paute-se em declarações de caos econômico.

Os adestradores de nossa imensa caverna, no pós-guerra, tentaram gerar um organismo que estabelecesse regras aos países membros, e isso com o discurso de acabar com as guerras. Balela! A primeira tentativa fracassou e a Liga das Nações experimentou rápida existência. Então criaram as Nações Unidas. Não, a finalidade não é acabar com guerras ou evitar confrontos entre povos, pois a guerra traz lucro, gera empregos e cria dependências. A finalidade maior da ONU é atender à exigência das grandes famílias para criar um governo mundial. As grandes famílias têm como pátria os países que formam o Conselho de Segurança. De certo forma esse governo mundial já existe, pois a ONU não respeita qualquer soberania. Países signatários devem adaptar suas Constituições de modo a satisfazer as exigências da ONU. Os países ainda se entendem como soberanos porque a ONU não agride diretamente as diferentes culturas regionais.   

Não trateis a questão cultural como coisa de “menor valor”. Atentai! De início, seres humanos lançavam mão de deuses (deuses que justificavam toda e qualquer faceta humana). Então apareceram os heróis para guiar a existência humana; heróis, contudo, mostraram-se falhos. Com o advento do povo hebreu, acompanhamos o surgimento de um único Deus. E tiveram lugar os “representantes” deste único Deus, que se empenharam em torná-lo indesejado. A ciência despontou como panaceia a todos os males e também fracassou; os políticos e seus ditadores igualmente fracassaram. Durante algum tempo falaram em ética, porém tratava-se de discurso vazio, apesar da rebuscada oratória. O individualismo foi então contemplado, mas o indivíduo necessitava de referências. Logo, teve início uma manipulação cultural para servir de supedâneo ao indivíduo, ao ego. Um retorno aos gregos: o povo necessita de heróis!  

E descendências foram gestadas segundo novos heróis, novos valores. A educação, que sempre esteve a serviço do Estado, parece desempenhar o papel de uma prostituta cultual, pois só atua para arrebanhar seguidores e fazer proselitismo. Não só a educação, mas a arte de um modo geral prestou-se a isso. Novos heróis foram criados, segundo o interesse das classes poderosas, com o fito de forjar gerações servis. O cinema, o teatro, a música, a poesia, a dança, os esportes fornecem estranhos estereótipos, (mitos, outros heróis) para pré-programar novas gerações. Têm lugar o despontar de alguns atletas, cantores populares, religiosos, estadistas etc.: todos lobos em peles de ovelhas. Um recurso eufemístico apelida tais estereótipos de originais, exóticos ou singulares, ao mesmo tempo em que lhes dispensa culto e recomenda respeito.

A contribuição de filósofos iluministas, suas risíveis filosofias (algo bem clichê), teorias políticas (enredos de um filme noir) travestidas de ideologias pútridas e pervertidas disseminaram mais uma vez a ideia de um viver feliz e com total liberdade. A juventude, preparada de antemão para bem recepcionar o discurso, aplaude e assimila todo o conteúdo sem o menor resquício de espírito crítico. O espírito crítico fora distorcido. Crítica, termo utilizado pela medicina grega, cujo significado seria a cura para um mal, transformou-se num menosprezo ao pensamento dialético, um conformismo ao status quo ante. Mas o prazer oferecido fez da Matrix o lugar ideal; fomenta-se, inclusive, a vontade de uma eterna existência.  

A ciência em muito auxilia às classes (algumas famílias) que se dizem dominantes e “naturalmente imunizadas”. A indústria farmacêutica atende às expectativas dos dominadores. Com o rótulo de ciência demonizam-se raios solares, bebidas lácteas, algumas frutas, alguns grãos, algumas verduras. E a Indústria Alimentícia, aliada à Indústria Farmacêutica, supre as carências daí decorrentes. Os dominadores agradecem. Doenças são criadas para dar ensejo ao controle de natalidade. A grande mídia, ideologizada e por receber benesses, massifica diariamente “aconselhamentos”, portfólios, imagens, comunicados, e tudo em nome de um bem estar social. Em toda e qualquer novidade “sócio/científica”, a mídia cuida em apresentar “especialistas” para defender temas até então inusitados. Em pouco tempo tais novidades recebem o amparo das leis. Eis um outro descalabro presente no cotidiano: a judicialização das relações.

Uma “revolução” (???) teve lugar na caverna: a ciência orgulha-se de desenvolver a tecnologia da informação que: a) apequena as relações humanas; b) tem alienado gerações inteiras; c) serve como aporte às classes dominantes que buscam intensificar a observação e melhor controlar seus dominados. A tecnologia da informação, infelizmente à serviço da canalha, mascara-se de ciência, e além de ofuscar desempenhos verdadeiramente originais, arrefece as relações entre profissionais, enfraquece conhecimentos e proporciona o surgimento de oportunistas.

A busca pela verdade, na qual tive origem, assimila então um novo conceito dentre tantos outros: A verdade é uma crença eletiva! Sim, infelizmente algo pessoal, individual, pois as pessoas escolhem em que acreditar, apesar de comprovações irrefutáveis. Mesmo as verdades científicas se vergam a este meu novo conceito, pois se assim não fosse, não haveria uma “teoria da terra plana”. O que é o mundo, afinal? Perdão; seria uma caverna? Respondo-vos sem temer represálias: Uma grande farsa! Vivemos o embuste que nos foi reservado. A existência é uma farsa. E os seres humanos empenham-se em preservar tais farsas.  

Em face do exposto, questiono-vos: Como adquirir conhecimento? Assimilar conhecimento parece-me extremamente difícil, senão impossível, pois que todo e qualquer saber está subjetivado. E vós me perguntais: E a sabedoria? Eu vos respondo: O mesmo grupo de poderosos, fantasiados de ciência, travestidos de seriedade e apoiados em alguma rota filosofia, exige de mim a crença nesses “desvalores” criados e manipulados para me alienar; no entanto, deprecia-me quando eu revelo minha predisposição ao sagrado, ao religioso. E a mim, ao demiurgo, só me resta crer. Eis a sabedoria!


2 comentários:

  1. Altamente erudito para minha mente, mas vejo aí o desenrolar das coisas desde que éramos crianças até os dias de hoje. Muito de mundo e muito mais de Brasil nos dias de hoje principalmenta. Gostei muito da reflexão. Texto muito verdadeiro.

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  2. Eu sinceramente questiono a humanidade, depois de tanto aprendizado, tanta bagagem, do que nos valeu? já que hoje é proibido discordar. Pois contrapor-se hoje tornou-se sinônimo de cancelamento. Eis que me surge a figura desesperançosa de John Spartan nesse admirável mundo novo do politicamente correto. E oooo vida de gado, povo vacinado ehhhhh, povo feliz!!!!

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