Ainda não sei ao certo se o que sinto é raiva ou decepção. Recobro a calma e explico-me: Faço parte daquele extenso número de pessoas que vivem no “desvio” (entenda-se desemprego), haja vista a pandemia, a guerra, etc. Se bem que minha realidade preceda, e muito, aos recentes eventos sócio-econômico-sanitários. Pois bem, creio que o “nada fazer” proporcione um “fazer qualquer coisa”, inclusive a manter o foco na busca alucinante por um possível emprego. E para isso servem jornais. Sim, na qualidade de “vintage”, confesso-me um antecedente do Sine ou Linkedin. Então, descubro uma verdade: A busca obstinada nos leva a descobrir o não buscado. (Devo colocar entre aspas? Ora bolas, a frase é de minha autoria!)
Não raramente surpreendo-me a folhear
jornais, mesmo que antigos e/ou desatualizados. Atenção aos que primam por críticas!
(lacradores, na verdade). Mesmo na era da informatização e do QR Code, existem
jornais impressos! Estes, creio eu, são publicados para satisfazer à geração
que ainda valoriza as relações pessoais. E lá estava eu, em plena praça, sob
sol escaldante, a ler a página de empregos/classificados. De repente a grande
surpresa: o anúncio declarava ter duas vagas para professor de filosofia. O que
é isso minha gente? Não consegui desviar meus olhos do impresso. Gostaria de
ter grifado, mas a caneta ficara em casa. Vi-me assaltado por uma
hipersudorese, ou como dizem os nordestinos, eu suava mais que tampa de
chaleira.
Depois de refazer-me, deixar de arfar,
ofegar, palpitar ou coisa parecida, passei a mão diversas vezes pela cabeleira
branca e tonsa, dispondo-me a ler o anúncio com a devida atenção. Eu queria
calma, sim, muita calma naquela hora. A primeira oferta dizia: “Busca-se
filósofo, graduado em filosofia ou professor de filosofia para ministrar
palestras em sede de partido político. O objetivo é aliar o estudo filosófico
às demandas socioeconômico-políticas, a ter por base a democracia, a visão
iluminista e o estado democrático de direito. Dar-se-á preferência ao candidato
que tiver especialização em Filosofia da práxis”. Eu não sabia se ria ou chorava.
A filosofia fora degradada; estava sendo usada para doutrinação. Quis xingar
alguém, mas os passantes não deveriam ser penalizados... Com a revolta a
capitular, optei por ler o segundo anúncio antes de dar fim ao periódico. E lá
estava: “Procura-se filósofo bem antenado, elegante, simpático,
intelectualizado, para compor júri de programam de auditório. Salário condizente
com a capacidade avaliativa e a boa aceitação do público”
Bem, eu gostaria de escrever, mesmo
que um breve final, mas faltam-me palavras. Infelizmente, em face do exposto,
podemos apenas traçar um perfil mal delineado da filosofia e seus
representantes: ou ferramenta de doutrinação ou make-up de banalização. Eis uma
das consequências do projeto gramsciano: a vulgarização do conhecimento.
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