De repente novo destino: Alemanha, Hamburger
Hafen, o porto de Hamburgo. Nossa carga de suco de laranja abasteceria parte do
mercado alemão. Hamburgo, Baixa Saxônia, cidade portuária localizada às margens
do rio Elba. O porto, o maior do país, é conhecido como “Portal do Mundo”, Weltportal.
Na condição de turista, depois de degustar um café e observar a paisagem do
lago Binnenalster, deixei-me vagar pela avenida Jungfernstieg até a parte
antiga da cidade, Altstad, onde tive a oportunidade de orar em uma igreja do
século XVIII, a Igreja de São Miguel, oder Kirche San Miguel.
Todavia, minhas orações não obtiveram
êxito para impedir a sedução. Explico-me: Fui convidado e não consegui resistir
à tentação de conhecer uma vinícola, vinícola esta localizada na cidade de
Werder, distante 150 Km de Hamburgo. E lá estava eu, neófito no país, na
língua, nos costumes e na enologia, abancado em certo taxi guiado por motorista
espanhol. El conductor, a pesar de hablar mucho, hizo que el viaje fuera
divertido y rápido. Súbito: Llegamos! - disse o motorista a sorrir.
À entrada da vinícola, senti-me como a
ingressar na recém visitada igreja de São Miguel. Em verdade, nós, os quatro
companheiros de vida marítima, fomos envolvidos por um ambiente singular. Entre
os enormes barris de carvalho, com capacidades próximas dos 360 litros, algumas
luzes mortiças a indicar passagens escurecidas. No cruzamento dos corredores,
em geral, a mesa iluminada por única vela a disponibilizar uma faca e um naco
de queijo. Em minha primeira aula de enologia aprendi que, embora o vinho não
estrague com o calor, a incidência de luz e/ou altas temperaturas podem
estimular reações químicas que alterariam as características da bebida.
Nosso sommelier, de nacionalidade
alemã, conversava conosco em inglês. Pareceu-me pessoa bastante comedida, muito
embora o esforço em mostrar-se simpático. Dentre uma explicação ou outra nosso
anfitrião perguntou-nos, já que pela vez primeira numa vinícola, se tínhamos
alguma vontade oculta. Any hidden will? Sem hesitação, ergui meu braço e falei
do desejo de deitar-me no chão, de boca aberta, para experimentar um pouco do
vinho diretamente do barril. Herr Diehl (o nome de nosso anfitrião) sorriu,
apontou para o barril próximo e disse: Deite-se! Assim o fiz. Enquanto aguardava
o momento azado e lúdico para abrir a boca e provar do líquido, certo
pensamento apresentou-se-me: eu, marítimo visitante brasileiro, estava a trocar
nosso inocente suco de laranja por algumas goladas de vinho. Esdrúxula permuta!
Não pude furtar-me ao sorriso.
A experiência durou poucos segundos;
eu não suportaria uma maior quantidade da bebida. Houve alguns risos, o
princípio de alguma morna galhofa. Enfim, esse seria o apanágio da cultura latina
e subtropical. Contudo, nosso sommelier levou o dedo à boca como a exigir
silêncio. A frase, quase mergulhada em sussurro, que acompanhou o gesto foi: Der
Weingeist schläft! - o espírito do vinho dorme! E para concluir meu
aprendizado: som, vozes ou ruídos altos causam vibrações; tais vibrações não
são bem vindas, pois provocam movimentações nas membranas que recobrem a
superfície do líquido, o que pode corromper a fermentação, e esta modificar o
sabor característico.
Terminada a visita, terminado o intensivo
curso... sem diploma, sem méritos ou encômios. Retornamos a Hamburgo no carro
guiado pelo falante espanhol. Agora era a voz do motorista que vibrava
altissonante; aquilo também não era bem-vindo; aquela pessoa mutilava-me os
pensamentos; aquilo modificava-me, fermentava-me. Meu espírito não buscava
dormir; apenas queria alguma paz... Não sei se a inconveniente companhia precedida
por uma aula de enologia pode ser responsabilizada pela mudança que se fez em
mim. Prova disso foi a frase que não
mais me abandonaria: Der Weingeist schläft. O espírito do vinho dorme. Creio
que por conta desta frase tenha me voltado ao estudo da língua alemã.
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