quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Esboço fitoterápico

 

E mais uma vez regredi no tempo; um simples vegetal encarregou-se de fazê-lo. Calculo, por alto, que já não olhava para uma folha de saião há mais de 50 anos. Mas a planta, a folha-da-fortuna, não viera sozinha; vários foram os personagens que lhe serviram de companhia. Lá estavam as tias, a mãe e a velha avó; todas militantes no tratamento fitoterápico tão em voga nos anos cinquentas, sessentas...setentas? Não! Minha família não dispunha sequer de remediada fortuna; o tratamento com ervas era algo recursal. Remédios sempre foram caros; já as folhas e medicamentos homeopáticos eram vendidos na “bacia das almas”. (Vali-me da expressão em homenagem a vovó, se bem que ela mesma o evitasse por considerá-lo ultrapassado).

Veio-me à mente, e de modo vago, o herbanário ou ervanário, próximo de nossa casa, que usava um tipo de avental sempre sujo ou manchado; sei lá. Recordo-me não só do saião, mas também do pinhão roxo, da babosa, da erva-doce, do capim-santo, da cidreira. Dos homeopáticos lembro-me do acônito, da beladona, da arnica, do hamamelis... Dentre os vegetais, o que eu mais gostava era de cana-do-brejo. Na falta do que fazer, creio eu, vivia a mastigar cana-do-brejo. Talvez isso explique meus cálculos renais; o excesso de oxalato de cálcio. Mas o saião tinha emprego quase que constante, haja vista auxiliar no tratamento da gastrite, má digestão, ter efeito diurético, ser antibacteriano, ajudar no combate a problemas respiratórios, na tosse, na bronquite...

Meu reencontro com a folha de saião deu-se em virtude de certa senhora dispor-se a auxiliar-me no meu “passar mal”. Sim, eu tivera uma “crise” de refluxo; coisa horrível, sensação horrível; um desastre sociossanitário que obrigava-me a despender à rodo (excedi-me?) expressiva quantia para obter o medicamento. A dita senhora falou-me em fazer um chá e mostrou-me a folha. E lá estava o saião; não o saião recurso medicamentoso, mas o saião companheiro de infância. De um modo intuitivo comecei imediatamente a devorar algumas das folhas e... pasmai: o mal gastroesofágico despareceu quase que instantaneamente.   

Bem, vencida a crise de refluxo e de saudosismo, acho melhor parar por aqui, muito embora meu prazer tenha se resumido a esta inusual fitoterapia literária. Todavia, a se levar em conta os óbices do mundo atual, posso ser acusado - quem o sabe? - de falsidade ideológica e/ou exercício ilegal da medicina. “Se persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado”.

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