sexta-feira, 25 de maio de 2012

Eu e minha esquizofrenia



Parece que o rótulo tornou-se uma exigência da pós-modernidade. Todos nós, queiramos ou não, gostemos ou não, somos instados a exibi-los. E estes – os rótulos – variam dos mais soberbos – quando exibem minúcias detalhistas de pseudo intelectualizados – aos de criatividade mais chula. Com certa contrariedade, mas parte integrante desta malta em eterna efervescência, acabei por assimilar um novo título; – em breve o estarei elencando em meu Lattes – o de esquizofrênico.
Fazendo jus ao novo rótulo, passo agora a discorrer acerca desta minha recém-descoberta psicopatia, se é que tal epígrafe deva ser levada a sério.
Mas vejamos. Diz-se, dentre tantos apanágios da esquizofrenia, que:
a) “perda das relações sociais que mantinha”. Parece-me que as pessoas devem perpetuar todas as relações sociais, muito embora sabendo que todas as relações deterioram-se com o tempo, sejam elas entre pais e filhos, entre irmãos, sócios, vida matrimonial, etc.
b) “dificuldade de tomar decisões e de resolver problemas comuns”. Como se a pós-modernidade tivesse a menor intenção em resolver alguma coisa. A geração pós-moderna, e com muita razão, culpa as gerações passadas pelo caos instalado, a partir da pretensão da mentalidade iluminista em estabelecer padrões de comportamento com a promessa de tornar a humanidade feliz. Deu no que deu!
c) “hostilidade, desconfiança e medos injustificáveis”. Aqui me permito responder colocando uma nova questão: Qual o legado da “modernidade líquida”?
d) “sensibilidade excessiva a barulhos e luzes”. O que me ocorre é a imposição em nos adequar à sonoridade aviltante das festas raves e ao uso costumeiro de óculos escuros para mitigar a luminosidade feérica e sempre festiva do mundo hodierno.
e) “rostos inexpressivos”. A inexpressão de um semblante sempre exprime algo. Inexpressão é um conceito vazio. Eu me solidarizo àqueles que, em face de tantos desenganos e decepções, mantêm os semblantes inexpressivos.
f) “afirmações irracionais”. Observem, por favor, discursos políticos, declarações de autoridades, CPIs do Congresso, votos de relatores e me apontem afirmações racionais. As afirmações irracionais advêm de um processo de assimilação/imitação.
g) “abandono das atividades usuais”. Sofremos um massacre midiático diário, no sentido de inovar comportamentos, fincados em pesquisas e experiências as mais torpes e estapafúrdias. E ainda se justifica tal absurdo com a retórica de uma necessária ruptura conceitual histórica.
h) “incapacidade de expressar prazer, de chorar ou chorar demais injustificadamente, risos imotivados”. Devemos ser capazes de demonstrar prazer, mesmo diante das aberrações que toma lugar no palco do mundo; devemos ser capazes de chorar quando nosso ídolo for desclassificado no “reality show”; devemos ser incapazes de chorar quando Barak Obama e o povo norte americano festejam nas ruas a morte de um extremista islâmico. Em que diferem uns dos outros? Só devemos sorrir diante das câmeras, expressando aquela felicidade dos muares. Mostremo-nos felizes como o gado que caminha plácido e sereno rumo aos abatedouros.

Estou pensando seriamente em usar a alcunha de: “o esquizofrênico”. O que acham?

terça-feira, 22 de maio de 2012

Da filosofia


Percebi, mesmo a contragosto, que as filosofias são únicas. Lamentável descoberta, pois a Filosofia é encanto, é consolo, é conforto. Todavia, este encanto, consolo e conforto estão interiorizados; não podem ser transmitidos. Não pode haver conhecimento universal ou universalizado. Por quê?
De início, o conhecimento nos é imposto – trata-se da coação educacional, aliás muito pertinente e bem-vinda. Mais tarde, em alguns, passado o ardor, o frenesi da juventude, surge o interesse pelo conhecer, mesmo que de modo utilitarista. Em reduzido número, no entanto, o conhecimento se torna algo vicioso, uma vontade quase que incontrolável, até que ele mesmo – o conhecimento – se impõe e determina a relação. O exercício da Filosofia é isso: é fazer do conhecimento uma prenda. Então, esta minoria eleita torna-se refém; o conhecimento agora o arrasta e o controla, o precede e o conduz.
Ora, deste modo, o filósofo traz em si a pretensão de versar sobre os mais variados temas. E mesmo que o tente fazer de modo equilibrado, cauteloso, reticente, ainda assim manifesta uma certa “vaidade” provocada pela própria filosofia. O “ranço” do saber filosófico contagia, constrange, perturba. Louvado seja Kant, que em sua epistemologia estabelece limites para o conhecimento.
E quando digo que as filosofias são únicas, o digo pautado na certeza de que neste exercitar do intelecto o filósofo encontra em si a medida – única – para tratar de determinado problema. O entendimento dispõe-se a conhecer fenômenos que a ele se apresentam, propondo então conceitos. Mas para estabelecer conceitos – o entendimento – lança mão de pré-conceitos, de pré-julgamentos, de uma abordagem previamente raciocinada e individualizada. Por isso, o modo de tratar dado problema mostra-se intransmissível. Entendo ser relevante citar aqui o pensamento do sofista Górgias, pois que “há uma diferença entre o que se pensa e o que é o pensado”.
A filosofia traz ainda em seu cerne um estigma: mesmo sendo bela, arrebatadora, contagiante, excitante, ela não pode ser considerada ciência. O pensamento filosófico é especulativo e improvável. Talvez seja melhor abandonarmos os conceitos e nos voltarmos às metáforas, reverenciando Nietzsche.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Aos usuários do metrô do Rio de Janeiro

Próxima estação: Cidade Nova; desembarque pelo lado esquerdo!
 
Eis a Cidade Nova! Mas a cidade não é nova. Cidades não são os prédios faraônicos, não são as novas avenidas, não são as pedras, postes, muros, jardins. Cidades são as pessoas que a constituem, e as pessoas são as mesmas. Nem mesmo pode-se falar de uma nova cidade, pois que as pessoas não atingiram maturidade; não assimilaram novos valores. As pessoas apenas se repetem, se seguem, se multiplicam, se copiam e se extinguem.
Amiúde, seres humanos reinventam paisagens com o fito de transformar a si mesmos. Tolice ou cinismo? O homem é isso: essencialmente e necessariamente cultural; interage com a natureza, transformando-a, moldando-a e adequando-a. Seu princípio básico e o mais natural é ser artificial.
Então não há uma Cidade Nova; houve sim uma reestruturação paisagística, objetivando a “recuperação” de determinado local da cidade que por décadas foi freqüentado e explorado pela prostituição. Eis a contradição: muda-se a paisagem, mas não se consegue mudar a mentalidade. A prostituição permanece, só que agora desconcentrada. Já escrevi alhures: a prostituição atende a expectativa de uma demanda social, de uma exigência social. Nada mais! A prostituição faz com que seres humanos retornem à sua condição primária, primeira, rude, animal, mas nada sexual. Apenas o clamor por uma liberdade ignota!

terça-feira, 15 de maio de 2012

Uma bárbara egologia


Ego sum qui sum.

Eu simplesmente sou o que sou! E é isso que me apavora. Eu sou aquilo que sou, embora a contragosto. Sou quem sou e não gosto de sê-lo. Mas o que sou, afinal? Algo que repudio. E quem não sou? O que quero ser. Então a questão se me afronta: De fato, sou?
Há algo em mim que não sou eu; que me é estranho, indesejável. Mas não se trata de outro eu; sou eu mesmo. É o eu que não quero, mas que faz parte de mim. Tampouco trata-se de um alter ego, pois que este não é confiável. Não, nada de maniqueísmo, ou qualquer outro dos “ismos” tão utilizados nos dias de hoje para explicar o trivial ou o banal. É um eu que me habita, me expande, me sufoca, me comprime, me habilita. É um eu que me faz, me oculta, me eterniza. Esse é aquele que me quer fazer acreditar que sou. Tenho existência? Como posso existir se não concordo com meu modo de ser? Percebe-se, portanto, que há um eu que determina-se como existente em franca oposição a um não-eu que busca existir.
Aqui devo colocar-me frontalmente contra Descartes, pois minha verdadeira existência, da qual não desfruto, é que advém de meu pensamento. É justamente o pensar que me traz a certeza de que o que existe não sou eu, mas um outro eu que não tem existência; é pelo pensar que me certifico de que o que tenho é uma pseudo-existência.
E como vive um pseudo-existente? Na tentativa insana de tornar-se existente. Que dilema é esse, onde o existente não é, e o pseudo-existente quer ser?
Que convivência danosa, insalubre! Com o tempo, além da expectativa de não querer ser, vivo também o tédio dessa expectativa.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

O gerúndio como solução

Tornei-me um cético em relação ao gerúndio. Parece-me que esta forma verbal invariável passou a ser utilizada como recurso furtivo ao não-fazer, ou seja, é empregado quando alguém diz estar fazendo algo que na realidade ainda não fez, e até mesmo quando não tem muita vontade de fazê-lo.
Confuso? Não. Uma dica: quando alguém se compromete em tomar uma atitude qualquer e sobrevier o arrependimento, basta que, requestado no tocante ao compromisso assumido, retire o “r” final do verbo no infinitivo e acrescente o fatídico “ndo”. A coisa funciona mesmo e a pessoa vê-se livre, pelo menos por um certo período de tempo, dos solicitantes.
E já que falamos em tempo, o gerúndio parece desprezar o tempo. O que é “estar fazendo”? Neste caso a ação implica não só um término, mas também a indefinição deste término. E nós, pragmáticos que somos, perguntamos: mas quando? E a resposta é imediata: - Ah, tenha paciência; estou fazendo!
O assunto é tão sério que, em minha casa, proibi meus filhos de empregarem o gerúndio. Toda vez que os chamava era um tal de: “To indo!” Mas não vinham. Não, não era mentira; talvez indolência, talvez vontade de não atenderem ao meu chamado.
Mas o gerúndio tem uma dimensão preocupante: quando é utilizado para mascarar uma outra ação. Quem poderia, ao se deparar com um adolescente diante de um livro de química, não crer que ele estivesse estudando? E a esposa solícita que chama por telefone o número do escritório do marido e ele responde agastado: - Estou trabalhando! 
Há ações que implicam gerúndio. Vejamos: quando nos chega aos ouvidos o choro de uma criança, não se pode negar que ela esteja, de fato, chorando. Todavia existem outros seres que fingem chorar; lágrimas rolam por faces vermelhas e contritas. Não, eu não falo da arte dramática. Atenção: as mulheres choram, os políticos choram; até o presidente chora.
Mas será que alguém, excluindo-se a dramatúrgica classe, conseguiria falsear um sorriso amplo e contagiante, forjando alegria? O sorriso, este que os senhores, meus incautos leitores, ostentam nos lábios – mesmo que motejador – corresponderia, de fato, à declaração gerúndica: “Estou rindo!”
Doravante, em face de leitores experts em gerúndio, devo lembrar: o analfabetismo, o contraste social e o desemprego no Brasil estão diminuindo; o problema da saúde e da segurança pública estão sendo levados à sério; a classe política está sendo punida em suas aleivosias. No mais, parafraseando Chico, “aqui na terra não só estamos jogando futebol”, mas estamos bebendo e brindando a saúde dos tolos e sambando num eterno carnaval.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

O SUS e o ar condicionado

O SUS e o ar condicionado

Amiúde, e não sem razão, critica-se o SUS. O chavão seria mais ou menos esse: “A saúde do brasileiro está doente”. Fala-se em corrupção no sistema, benefícios indevidamente pagos, aposentadorias fantasmas, pensões irregulares. Enfim, o sistema exaurido de recursos mostra-se agonizante.
Todavia, para tudo há uma solução! Então o Estado empenha-se em regulamentar os planos de saúde. Sim, os Planos de Saúde – aqui já os evidencio em maiúsculas. E como toda solução atenuante, ou seja, remediadora, os Planos de Saúde surgem como panacéia. Ops! “Muita calma nessa hora”. Eu falei em panacéia, mas panaceia é a cura para todos os males. E nós sabemos que são muitos os males a serem curados. Dentre estes citarei apenas dois: comecemos com os males físicos, (as doenças ou os doentes, como queiram, pois para alguns só existem estes e não aqueles) mas nem todas - doenças - têm a cobertura dos planos; sim, há também males sociais, pois que nem todos - cidadãos - têm condições de bancar um plano de saúde (desta feita os retrato em minúsculas), o que nos remete a um mal financeiro. Mas o Estado há de redargüir com o recurso da metábase de que milhares abandonaram a condição de extrema pobreza. Lógico, contra fatos não há argumentos.
Então narremos um fato! Senhora de meia idade, com cefaléia, fortes dores no peito, hipertensa confessa e de carteirinha, com freqüentes regurgitações e diarréia dá entrada em núcleo hospitalar de certo Plano de Saúde - neste instante volto a grafá-lo em maiúsculas, talvez levado pela expectativa de um bom atendimento. Qual nada; ledo engano! Depois de uns bons 40 (quarenta) minutos é atendida pelo plantonista. Pasmem: nem um exame, nem um medicamento. Apenas 2 (dois) frascos de soro. Ah sim, quase esquecia; o laudo: virose! Minha pergunta estúpida a então recém atendida paciente: “E aí, tudo bem? Sente-se melhor?” E ela respondeu com um misto de mágoa, desânimo e ironia: “Pelo menos o ar condicionado funciona”!
Bem, como sou dado a ilações, permito-me concluir: As “salgadas” mensalidades dos planos de saúde - atenção hipertensos - justificam-se apenas pelo uso do ar condicionado. Um país onde até o medicamento para diarréia exige receita médica; onde os PSFs marcam consultas com meses de antecedência; os consultórios credenciados dos planos de saúde, - volto às minúsculas - seus “concorrentes,” também demorem a fazê-lo, precisa, no mínimo, ser repensado. Por enquanto, nós, burgueses por falta de opção - aderimos a planos de saúde para não sucumbir nas filas de hospitais públicos - nos abandonamos ao conforto de um ar condicionado degustando, via endovenosa, um frasco de soro glicosado.
Este insólito artículo passará, mas minhas palavras não passarão: Há de chegar o dia em que sentir-nos-emos saudosos do nosso Sistema Único de Saúde.