Inicio este breve texto voltando-me
especificamente à questão jurídica, que por sua amplitude e desdobramento
revela-se como crise institucional. Ora, tendo em vista a temática em pauta,
permito-me discorrer acerca da dinâmica estrutural do direito, ou seja de sua
Teoria Tridimensional. A referida teoria contempla o Fato, o Valor e a Norma. Em
rápida introdução, podemos entender que o fato vincula-se ao social; todo fato
é social antes mesmo de tornar-se fato jurídico, o que explica a necessidade de
se conhecer a sociologia jurídica. O valor, por sua vez, do âmbito da
filosofia, é uma ferramenta, um instrumento, o crivo pelo qual se deve observar
e analisar um fato, tendo-se em vista que os valores são norteadores das ações.
Transmuta-se em dever, portanto, o valor espontaneamente assimilado. Bem,
depois do fato ser amplamente analisado à luz dos valores, aplica-se a norma.
Neste passo, deve-se colocar uma
interrogação: e se a estrutura, ou seja, a tridimensionalidade for afetada por
carência ou ausência de um dos seus elementos? Evidentemente que tal carência
reporta-se diretamente aos valores, pois que os fatos continuam a pontuar nosso
cotidiano, assim como as normas a se fazerem presentes. Nada obstante, a crise
de valores é patente. Pode-se perceber que a partir da modernidade, não só os
valores, mas as crenças e tradições relativizaram-se. Mas, por que? Ora, o
progresso pode explicar o sintoma. O pensamento humano progrediu pari passu com
a evolução do conhecimento técnico/científico. E foi exatamente o progresso
técnico/científico que passou a determinar nosso modo de vida. Em fins do
século XVIII, Condorcet declarou que se a humanidade seguisse à risca a
orientação das ciências alcançaria a felicidade. A propósito: somos felizes?
As consequências da citada crise de
valores podem ser encontradas nas ciências jurídicas. Logo, é pertinente
recordar o Direito no século XIX com a experiência pandectista, que
resumidamente visava a construção conceitual de regras jurídicas, na verdade uma
tentativa de resgatar o direito romano, pautando-se no procedimento lógico-abstrato,
envolvendo tanto a dogmática quanto a pesquisa histórica, o que serviria de
base ao direito vigente. Há que se falar também em jurisprudência de
interesses, na qual, o intérprete, ao aplicar a lei, não deve estar submisso à
literalidade da mesma, mas ter em conta os interesses em jogo, em conformidade com
as valorações do legislador. A Escola Histórica de Savigny, mais voltada ao
direito natural, propunha a adaptação da lei à realidade social, onde os
antecedentes legislativos deveriam ser desconsiderados, pois que as leis
deveriam acompanhar a fluidez da realidade fática. Contudo, questiona-se a
segurança jurídica em face de uma Escola Histórica.
Mas foi Hans Kelsen, fiel discípulo de
Immanuel kant, quem estabeleceu a Teoria Pura do Direito. Nesta, a aplicação do
direito pauta-se simplesmente em um juízo hipotético, ou seja, se A (o fato)
acontecer, então aplica-se B (a norma). Em resumo: a norma pela norma. Todavia,
a crise de valores agiganta-se; o eu, o ego, por sua vez, passa a ser
sobejamente contemplado. Os valores, já que relativizados, deixam de ser um dos
pilares do direito. O ego, em vista do progresso técnico/científico, experimenta
um novo patamar; o individualismo exacerba-se. Como suprir a carência na tridimensionalidade,
haja vista o ruir de um de seus pilares?
Então, o argentino Carlos Cóssio, nos
anos quarentas do século passado – Séc. XX – cria a Teoria Egológica do Direito,
que a meu ver nada mais é do que uma tentativa para recompor a base estrutural
estabelecida na Teoria Tridimensional do Direito. A Teoria Egológica do
Direito, que de certa forma pretende superar Hans Kelsen, pauta-se num juízo
disjuntivo, isto é, se A (o fato) acontecer, aplicar-se-ia ou não B (a norma).
Percebei: o ego passou a ser um referencial para analisar o fato jurídico, já que
os valores relativizaram-se. A Teoria Tridimensional do Direito foi reescrita
nos seguintes termos: O Fato, o Ego e a Norma. Atentai: não estamos diante da
exegese proposta pelos pandectistas, na qual dever-se-ia ter em conta os
valores dos legisladores; não estamos diante de uma adaptação do direito ao
fático como pretendiam os seguidores da Escola Histórica. O que vemos é tão
somente uma hermenêutica que atende aos apelos de interesses subjetivos, até
porque os valores em crise, ou melhor, os desvalores continuam a ordenar
pensamentos e ações humanas. O ego, ciente de sua detração, busca ocultar-se,
dando ênfase ao fato; sob a égide do fato, o ego afirma-se, o que culmina em um
sociologismo grotesco. A ciência e a técnica, apesar de todo o progresso, não
logram determinar o agir humano. Então vos proponho algumas questões: onde está
a segurança jurídica? Para que os extensos enunciados das leis, se o que é tido
como basilar são interesses, sejam pessoais ou de determinado grupo? Para que a
pantomina nas sessões do STF se o que rege tal espetáculo são o corporativismo e a
ideologia?
Mas os valores não apenas se
relativizaram, pois que a individualidade conheceu seu apogeu na
contemporaneidade. A crise agravou-se: surgiram “outros” valores, ou melhor,
desvalores, antivalores. E são esses “outros” valores que passaram a nortear os
egos responsáveis por criar leis, analisar fatos jurídicos e aplicar as leis.
Distante dos valores, condição fundamental à educação e a estruturação familiar, a
ciência jurídica experimenta algo como que um messianismo, pois que produz e
sanciona leis substitutivas à educação doméstica, leis que estabelecem condutas
sociais, etc.; em suma: discorre sobre o que não deveria ser do alçada do
direito. Entretanto, os verdadeiros crimes são analisados à luz de uma
egolatria bizarra, – aqui é pertinente destacar a vaidade, a soberba, a
ganância, a disputa pelo poder – porque ordenada por valores torpes, espúrios,
nefastos.
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