domingo, 5 de maio de 2019

Crise institucional: os valores e o Direito



Inicio este breve texto voltando-me especificamente à questão jurídica, que por sua amplitude e desdobramento revela-se como crise institucional. Ora, tendo em vista a temática em pauta, permito-me discorrer acerca da dinâmica estrutural do direito, ou seja de sua Teoria Tridimensional. A referida teoria contempla o Fato, o Valor e a Norma. Em rápida introdução, podemos entender que o fato vincula-se ao social; todo fato é social antes mesmo de tornar-se fato jurídico, o que explica a necessidade de se conhecer a sociologia jurídica. O valor, por sua vez, do âmbito da filosofia, é uma ferramenta, um instrumento, o crivo pelo qual se deve observar e analisar um fato, tendo-se em vista que os valores são norteadores das ações. Transmuta-se em dever, portanto, o valor espontaneamente assimilado. Bem, depois do fato ser amplamente analisado à luz dos valores, aplica-se a norma.

Neste passo, deve-se colocar uma interrogação: e se a estrutura, ou seja, a tridimensionalidade for afetada por carência ou ausência de um dos seus elementos? Evidentemente que tal carência reporta-se diretamente aos valores, pois que os fatos continuam a pontuar nosso cotidiano, assim como as normas a se fazerem presentes. Nada obstante, a crise de valores é patente. Pode-se perceber que a partir da modernidade, não só os valores, mas as crenças e tradições relativizaram-se. Mas, por que? Ora, o progresso pode explicar o sintoma. O pensamento humano progrediu pari passu com a evolução do conhecimento técnico/científico. E foi exatamente o progresso técnico/científico que passou a determinar nosso modo de vida. Em fins do século XVIII, Condorcet declarou que se a humanidade seguisse à risca a orientação das ciências alcançaria a felicidade. A propósito: somos felizes?

As consequências da citada crise de valores podem ser encontradas nas ciências jurídicas. Logo, é pertinente recordar o Direito no século XIX com a experiência pandectista, que resumidamente visava a construção conceitual de regras jurídicas, na verdade uma tentativa de resgatar o direito romano, pautando-se no procedimento lógico-abstrato, envolvendo tanto a dogmática quanto a pesquisa histórica, o que serviria de base ao direito vigente. Há que se falar também em jurisprudência de interesses, na qual, o intérprete, ao aplicar a lei, não deve estar submisso à literalidade da mesma, mas ter em conta os interesses em jogo, em conformidade com as valorações do legislador. A Escola Histórica de Savigny, mais voltada ao direito natural, propunha a adaptação da lei à realidade social, onde os antecedentes legislativos deveriam ser desconsiderados, pois que as leis deveriam acompanhar a fluidez da realidade fática. Contudo, questiona-se a segurança jurídica em face de uma Escola Histórica.

Mas foi Hans Kelsen, fiel discípulo de Immanuel kant, quem estabeleceu a Teoria Pura do Direito. Nesta, a aplicação do direito pauta-se simplesmente em um juízo hipotético, ou seja, se A (o fato) acontecer, então aplica-se B (a norma). Em resumo: a norma pela norma. Todavia, a crise de valores agiganta-se; o eu, o ego, por sua vez, passa a ser sobejamente contemplado. Os valores, já que relativizados, deixam de ser um dos pilares do direito. O ego, em vista do progresso técnico/científico, experimenta um novo patamar; o individualismo exacerba-se. Como suprir a carência na tridimensionalidade, haja vista o ruir de um de seus pilares? 

Então, o argentino Carlos Cóssio, nos anos quarentas do século passado – Séc. XX – cria a Teoria Egológica do Direito, que a meu ver nada mais é do que uma tentativa para recompor a base estrutural estabelecida na Teoria Tridimensional do Direito. A Teoria Egológica do Direito, que de certa forma pretende superar Hans Kelsen, pauta-se num juízo disjuntivo, isto é, se A (o fato) acontecer, aplicar-se-ia ou não B (a norma). Percebei: o ego passou a ser um referencial para analisar o fato jurídico, já que os valores relativizaram-se. A Teoria Tridimensional do Direito foi reescrita nos seguintes termos: O Fato, o Ego e a Norma. Atentai: não estamos diante da exegese proposta pelos pandectistas, na qual dever-se-ia ter em conta os valores dos legisladores; não estamos diante de uma adaptação do direito ao fático como pretendiam os seguidores da Escola Histórica. O que vemos é tão somente uma hermenêutica que atende aos apelos de interesses subjetivos, até porque os valores em crise, ou melhor, os desvalores continuam a ordenar pensamentos e ações humanas. O ego, ciente de sua detração, busca ocultar-se, dando ênfase ao fato; sob a égide do fato, o ego afirma-se, o que culmina em um sociologismo grotesco. A ciência e a técnica, apesar de todo o progresso, não logram determinar o agir humano. Então vos proponho algumas questões: onde está a segurança jurídica? Para que os extensos enunciados das leis, se o que é tido como basilar são interesses, sejam pessoais ou de determinado grupo? Para que a pantomina nas sessões do STF se o que rege tal espetáculo são o corporativismo e a ideologia?

Mas os valores não apenas se relativizaram, pois que a individualidade conheceu seu apogeu na contemporaneidade. A crise agravou-se: surgiram “outros” valores, ou melhor, desvalores, antivalores. E são esses “outros” valores que passaram a nortear os egos responsáveis por criar leis, analisar fatos jurídicos e aplicar as leis. Distante dos valores, condição fundamental à educação e a estruturação familiar, a ciência jurídica experimenta algo como que um messianismo, pois que produz e sanciona leis substitutivas à educação doméstica, leis que estabelecem condutas sociais, etc.; em suma: discorre sobre o que não deveria ser do alçada do direito. Entretanto, os verdadeiros crimes são analisados à luz de uma egolatria bizarra, – aqui é pertinente destacar a vaidade, a soberba, a ganância, a disputa pelo poder – porque ordenada por valores torpes, espúrios, nefastos. 

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