quarta-feira, 17 de junho de 2020

Acidentes lexicais ou uma estética dos fonemas



Já sentistes o quão alguns termos de uma língua qualquer nos soa de modo agradável? Sim, é prazeroso não só ouvir, mas pronunciar alguns vocábulos, independentes dos verbetes a eles relacionados. Seria um fenômeno místico? Ou trata-se da estética dos fonemas? O português, língua sobre a qual tenho pretenso (o grifo é meu) domínio, não raras vezes arrebata-me em meio a uma simples frase, por conta de uma palavra que me soa de modo singular. Exemplo? Láudano. Percebestes? Além da beleza ínsita às proparoxítonas, algo mais torna-se manifesto. Não me refiro ao significado, apesar de que o mesmo pode servir de conforto aos desavisados: láudano é uma substância à base de ópio que acalma, alivia, seda. Contudo, a simples pronuncia já nos transmite sensação algo tranquilizadora. Seriam as palavras vinculadas às sensações por elas descritas?

Voltemo-nos, então, a outros idiomas. Antes porém, cabe aqui uma explicação: minha vida marítima, de certa forma, impôs-me a irresponsável obrigação de falar desajeitadamente vários idiomas. Foi assim com o espanhol, alemão, inglês, francês, japonês, servo-croata, russo, cantonês, etc. Se quiserdes, doravante chamai-me de canhestro poliglota. Na verdade, sinto-me como “O homem que falava javanês”. Teria sido eu a inspiração de Lima Barreto?  Prossigamos! No idioma alemão, sinto uma forte atração pelo termo “das Badezimmer”, isto é, o banheiro. Seria uma questão de afinidade ou algum tipo de crítica literária? No idioma francês, o termo voilà causa-me um prazer indizível, assim como o soledad do espanhol. Estai atentos: eu falo de fonemas.

É fato notório que o idioma inglês percute e repercute em todo o mundo hodierno. Quando vi-me compulsoriamente conduzido a ele (ao referido idioma), uma primeira palavra cativou-me por inteiro: entertainment. Agora imaginai o termo pronunciado não por Winston Churchill, John Wayne ou qualquer texano, mas por Anthony Hopkins, Jeromy Irons ou Sean Connery. Por puro diletantismo, elegi três palavras no idioma inglês que me provocam algo como um arrebatamento fonético. São elas: apologise, suddenly, jeopardize (não necessariamente nesta ordem). Pergunto: seria possível, a título de entertainment, reduzir a língua inglesa a estes três vocábulos? Minha veia poética incita-me a rimar apologise com jeopardize. E se algumas das possíveis leitoras criarem uma mínima expectativa em relação a este pretenso e novo Byron, eu, o improvisado bardo, vos responderia: I’m apologise, but suddenly I feel jeopardized!

Atenção: com boa vontade a licença poética justificaria quaisquer dos meus deslizes.

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