Primeiramente devemos buscar entender o que seria
arte. Em desacordo com as várias tentativas filosóficas de definir e ou
conceituar a arte, eu a vejo como algo tipicamente humano; seria a faculdade
que alguns detêm para, através da percepção e emoções idiossincrásicas, criar
objetos, textos, imagens ou sons, dotados de beleza, isto porque capazes de
estimular certo interesse consciencial no espectador. Percebei que esta última
oração, por acréscimo, vos fornece o objetivo da obra de arte.
E vós, tomados não só de mera curiosidade,
perguntar-me-eis: Como a arte pode estimular o interesse em possíveis
espectadores? Que dom é esse? Seria ele do orbe da arte mesma ou de quem a
produz? Pois bem, as pessoas que se autodeclaram conhecedoras de arte, dizem-na
a expressão maior da liberdade. Pergunto-lhes em contrapartida: Seria isso o
suficiente? Afinal, o termo arte tem origem no latim, que significa técnica,
habilidade. No idioma grego diz-se teckné.
A liberdade seria capaz de suprir tal requisito, isto é, a técnica e a
habilidade?
Nada obstante, uma outra corrente bem em destaque
no mundo hodierno, o psicologismo, fala que arte é catarse. Creio que estes
preclaros amantes da arte confundiram o enunciado aristotélico. Diz-nos
Aristóteles, em sua obra, a Poética, que a arte deve provocar catarse, ou seja
proporcionar algo como uma purificação nos espectadores. A criação da obra de
arte não é processo originado simplesmente da catarse. O termo provém do grego kátharsis, entendido como um tipo de
libertação psíquica. Pelo
ponto de vista da psicanálise, podemos entender que a arte, pode provocar,
através da catarse, a liberação de emoções ou sentimentos reprimidos nos observadores.
Eis a beleza da arte: interação entre o artista e
possíveis observadores. A beleza reside exatamente na reciprocidade; o
sentimento que motivou o artista foi captado pelo espectador. Em face do
exposto, clamo vossa atenção para: a) unicamente uma possível catarse do autor
não é suficiente para provocar a catarse no observador; b) já que arte
proporciona liberação de emoções e/ou sentimentos, o artista é responsável por
sua criação. Teria a dita manifestação da liberdade vínculo com a
responsabilidade?
Então vós, certamente, podeis ainda questionar-me:
Que critérios seriam esses a serem atendidos pelos artistas, autores,
compositores, para que o objetivo da arte fosse alcançado? Bem, vimos acima que
o termo arte, originado dos idiomas grego e latino, tinha como significação a
técnica, a habilidade. Logo, por inferência, podemos entender que a arte pode
ser ensinada. E mais uma vez estou inclinado a vos provocar: Seria o ensino da
técnica e o exercício da habilidade suficientes para se “criar” um bom artista,
autor, compositor, etc.? Evidente que não. Faz-se necessário ainda a
sensibilidade, a boa disposição de ânimo, o bom caráter.
No entanto isso ainda não responde vossa pergunta.
Vejamos, a obra de arte para ser considerada, pelo menos agradável, deve ter como
supedâneo a matemática. Não, não vos exalteis. Tende calma. Explicar-me-ei. Conheceis
o Quadrivium? Trata-se de o conjunto de quatro matérias ensinada nas
universidades na Idade Média. A pergunta: Por que seriam ensinadas
concomitantemente a Aritmética, a Geometria, a Astronomia e a Música? Arte e
matemática juntas? Aristóteles pode nos responder: “A Beleza é, de fato, o objeto
principal do raciocínio e das demonstrações matemáticas”.
A música tonal, intrépidos leitores, é formada por:
melodia, harmonia e ritmo. Ora, a harmonia e o ritmo têm como base a
matemática. Eu poderia citar-vos Pitágoras: “O Cosmo, o universo organizado, é
regido por relações matemáticas”. Perdoai-me a insistência, mas alguém
discordaria da beleza do universo? O mesmo Pitágoras nos dirá que a divina proporção ou proporção áurea,
1,618 é padrão de estética e beleza. As proposições constantes nos Elementos de
Euclides, um grande matemático, nos Livros I a IV, que discorrem acerca de
pontos, linhas retas, círculos, quadrados, triângulos, ângulos retos e
retângulos, demonstra que estas são as formas estáveis da arte e da
arquitetura. George Sarton, historiador da ciência, a falar sobre Os Elementos
de Euclides, declarou: “criou um monumento que é tão maravilhoso em sua
simetria, beleza interior e clareza como o Partenon, mas incomparavelmente mais
complexo e durável”.
Voltemo-nos agora às artes plásticas e
a poesia. Nas palavras de Hardy: “O matemático, tal como o pintor ou o poeta, é
uma criador de padrões. Um pintor faz padrões com formas e cores, um poeta com
palavras e o matemático com ideias. Todos os padrões devem ser belos. As
ideias, tal como as cores, as palavras ou sons, devem ajustar-se de forma
perfeita e harmoniosa”. Na poesia, a métrica é pura matemática. A poetisa Edna
St. Vincent Millay, em um de seus poemas, declarou: “Só Euclides vislumbrou a
Beleza nua”.
Até mesmo a ciência jurídica, desde
que exercida com seriedade, integridade e isenção, pode ser entendida como
arte. Há um brocardo latino que busca definir o que seja Direito Civil. Ei-lo:
“Ius est ars boni et aequi”, isto é,
o direito é a arte do bom (bem) e do justo (equitativo). Ao entender-se o
justo, a justiça como como equilíbrio, haja vista a balança exibida por Têmis,
percebe-se que no equilíbrio está implícita uma relação matemática, a partir da qual a
ciência jurídica, quando bem praticada, revela-se como arte.
Ao falar de teatro, ouso também
pautar-me em Aristóteles, pois segundo o pensador, o teatro tem que ser capaz
de libertar o ser humano, pois este, ao ver as paixões representadas, deve
conseguir delas se libertar. Assim como no teatro, a sétima arte, o cinema, tem que ser
capaz de emocionar, agradar. Eis a beleza, a catarse, a purgação provocada no público
durante as apresentações. A arte, portanto, antes de tudo, deve servir de
alento, emprestar ânimo, coragem.
E uma última questão se nos revela
intempestiva: Já que a arte tem como escopo agraciar seus admiradores com um
novo fôlego e/ou vigor, subentende-se que ela deva interferir na realidade dos
que a cultuam. Então, onde o autor deve buscar sua fonte de inspiração? Bem, ao
verdadeiro talento não se deve impor limites, afinal trata-se de talento.
Contudo, a criação artística, já que tem origem em observação particularizada,
subjetiva, com pretensões a tornar-se objetiva, traz o cunho da idealidade.
Sim, mostrar apenas o mundo real não interfere na realidade; essa seria a
função do jornalista. Somente o ideal pode interferir e transformar o real. E,
para justificar meu entendimento, lanço, a título de metáfora, a afirmação do
grande matemático, físico, engenheiro, astrônomo e inventor Arquimedes.
Disse-nos ele: “Dai-me uma alavanca e um ponto de apoio e moverei o mundo”. A
alavanca seria a arte, o ponto de apoio a circunstância ideal e o mundo a
realidade.
Excelente!
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