sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Pretensas ciências

 

Minha homenagem ao Dr. Boris Scheller

 

Começo por esclarecer que não sou médico ou anseie por sê-lo. Este breve texto ampara-se em leituras e observações. A intenção é chamar vossa atenção - potenciais leitores - para o fato de que não só a medicina, mas também outras ciências afastaram-se em muito de seu propósito original. Trata-se da minha opinião pessoal e a divulgo não para cooptar seguidores, mas a fazer uso do direito que me é garantido constitucionalmente de manifestar pensamentos.

Dr. Boris Scheller foi o médico de minha infância. Falo nos idos dos anos cinquentas e sessentas. Morávamos na mesma rua, num bairro da zona norte do Rio de Janeiro. Ele atendia todo o entorno, independente de receber ou não recursos e preenchia perfeitamente ao conceito de “médico da família”, pois tratava de idosos, adultos, adolescentes e crianças com a mesma abnegação. Não me recordo de ninguém que tenha ido a óbito. Mas o que hoje mais me reclama a atenção era para o fato de exercer sua profissão tendo como aporte, por vezes, uma simples Abreugrafia ou, no máximo, exames de sangue, fezes ou urina. A partir desta observação, posso vos afiançar que o Dr. Boris cumpria plenamente os princípios da escola hipocrática. Falo em escola hipocrática em respeito aos que não aceitam a versão de Hipócrates como personagem único, mas sim como o representante de um corpo médico que defendia determinadas ideias e ideais.

A medicina hipocrática visava o conhecimento da physis, ou seja, da natureza. Não só a natureza humana, mas a natureza como um todo na qual a natureza humana está imersa. A partir deste conhecimento, buscava proporcionar ao ser humano melhor integração ao seu meio; devolvê-lo melhor adaptado - ou readaptado - melhor reambientado. A doença era vista como desacordo, como desequilíbrio entre ser humano e natureza. Bem, conhecer a physis, a natureza, implicava voltar-se exemplarmente a sintomatologia. O que temos na medicina atual? O estudo da sintomatologia parece ter sido substituído pela tecnologia que pretende-se científica. Quem nos consulta e emite laudos são as parafernálias tecnológicas que abundam clínicas e hospitais em nome de uma medicina diagnóstica. Os profissionais aprendem na academia e no período de residência médica apenas a lerem e decifrarem gráficos, imagens, informes estatísticos; os esculápios, ou a grande maioria deles, tornaram-se reféns desta absurda facilitação. Pergunto: teriam os doutores da atualidade certeza para diagnosticarem, tratarem e curarem os desequilíbrios chamados doenças sem auxílio destes petrechos tecnológicos?

Além da parcial importância hoje conferida à sintomatologia, algo ainda de relevância deve ser lembrado: o uso indiscriminado dos suportes ditos técnicos-científicos esteriliza, torna improdutiva a relação médico-paciente, o que também destoa da proposta hipocrática. Grande número de médicos, pretensos semideuses, não sei se por uma questão de caráter, formação acadêmica ou contato direto com tanta bugiganga tecnológica, tornam-se impessoais, distantes e, ipso facto, dignos da nossa comiseração. Em suma: A medicina distanciou-se em muito de seu original desideratum; médicos, infelizmente, transformaram-se em meros ledores de buena-dicha.  

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