Agora, que a vida teima em nada me apresentar como novidade, busco preencher o ócio fazendo-me diletante. Não só a literatura é tratada como atividade terapêutica, mas a música faz-se ouvir amiúde pelas salas que me servem de refúgio. A arte de escrever, por sua vez, tem como origem memórias um tanto ofuscadas: algo distante, um quase esquecimento, retalhos vãos, enfim... E dentre estes fugidios lapsos ocorre-me a atividade derivada favorita de meu pai, creio que também para fugir do marasmo que teima em nos visitar ao fim da jornada. Sim, o hobby tem por finalidade fazer com que o tempo escoe; não há divertimento, o hobby é apenas refectivo.
Sim, papai tinha um hobby: a fotografia,
algo que de certo modo aproximava-se de seu ganha pão. Toda sua vida profissional
fora ligada à Fotogrametria; fora operador restituidor, e isso na época em que
os aparelhos óticos demandavam perícia de seus operadores. Os originais, feitos
à mão em papel canson, eram capazes de expressar relevo, haja vista a exatidão
com que se traçavam as curvas de nível. Mas esta profissão extinguiu-se, assim
como tantas outras. Hoje delega-se aos computadores toda e qualquer
responsabilidade pelas informações contidas na altimetria e planimetria.
E nos fins de semana papai voltava-se
à fotografia. Devo vos alertar que à época, as máquinas fotográficas exigiam do
fotógrafo conhecimentos hoje esquecidos graças à tecnologia que substituiu ASAs
e DINs por Pixels. O então fotógrafo deveria preparar sua câmera atentando para
luminosidade, velocidade, sensibilidade do filme, distância do objeto, etc. A
máquina de papai era uma Adox de fabricação alemã; eu cheguei a manuseá-la. Mas
seu hobby não se limitava a fotografar; ele também revelava os filmes e as
fotos que eventualmente tirava.
Um esquecido banheiro cedera lugar a
acanhado laboratório. Na porta de entrada, no alto e presa ao alisar, a luz,
que quando acesa, servia de alerta para o aviso em nanquim: Não entre! Dentro
do recinto, por ocasião do uso, a escuridão que me cativava, só minimizada pela
vermelhidão de certa lâmpada. E lá estavam os equipamentos: a copiadora manual,
a pequena guilhotina, um ampliador, prateleiras com caixas de papel fotográfico,
bandejas e vidros bojudos para colocar reveladores, fixadores, rebaixadores, etc.
Neste momento dou-me conta de que não
sei o que foi feito desse mini laboratório que trazia tanto prazer a papai. Meu
velho morreu faz dezoito anos... Curiosa nossa existência: durante a vida damos
tanto valor a certas coisas... e quando morremos essas coisas são vendidas ou doadas
ou jogadas no lixo. Os materiais de nossos hobbies deveriam nos acompanhar além
túmulo; ter o mesmo destino dos artefatos que acompanhavam o sepultamento
dos antigos faraós. Todavia, alguém, por certo, justificará o sumiço dos
petrechos dizendo-o apenas um passatempo; nada tão importante.
A profissão poderia ser mantida, pois há lugares inóspitos que os satélites só tem fotografias áreas que necessitariam ser mapeadas, nesses locais o carro do google não é bem vindo, exemplo disso são algumas comunidades.
ResponderExcluir