sexta-feira, 8 de abril de 2022

A filosofia da sofrência

 

Eu tentei; juro que tentei, mas... talvez, por ter-me apegado à classificação aristotélica de que a filosofia primeira, o βιοσ τεορετικως, a vida contemplativa é a verdadeira filosofia - a que se volta aos temas metafísicos -, sinta certa ojeriza ao tratar de objetos que fujam do exercício puramente intelectual. Ora, se a filosofia não tem finalidade, ao tratarmos de ética ou de política estaremos às voltas com ciências práticas; se falarmos em estética ou técnica estaremos voltados às ciências produtivas; quando na busca de compreender os fenômenos naturais dedicamo-nos às ciências da natureza.

Contudo, devo reconhecer, que a filosofia social tomou vulto no século passado. E para não ser taxado de preconceituoso (os filosofastros adoram valer-se deste predicativo), vou tentar relatar, e de modo isento, minha experiência com essa nova “vertente” filosófica. Comecemos por Proudhon: Diz-nos ele que toda propriedade é um roubo. A fonte única e legítima da propriedade seria o trabalho. Sério? Isso precisa ser mais divulgado! Conheço certa pessoa que trabalhava como zelador de jardim zoológico, mas hoje é sócio majoritário de grandes empresas, tem fazendas de gado e anda de jatinho particular pra lá e pra cá. Sim, o pai dele, além de não trabalhar, tem um sítio em Atibaia e um apartamento tríplex no Guarujá.

Bem, agora a obra de karl Marx, enquanto degusto alguns goles de cerveja: trata-se de uma teria social preocupada em culpar a burguesia, ou seja, os comerciantes e artesãos que se livraram dos senhores feudais e acabaram por enriquecer comercialmente. A divisão em classes sociais surge de modo espontâneo, e como consequência, demandas e contradições típicas da natureza humana. Papai uma vez me falou: - “Filho, se algum dia o empregado ganhar mais que o patrão, ele vai se tornar teu empregado e te promove a patrão”. Simplificando: ao final do obra, andei pelas raias da depressão.

Eis o “pontapé inicial” nas desventuras filosóficas! Como sucedâneo, um cidadão chamado Jean-Paul Sartre assimilou - e muito mal - o existencialismo cristão (algo que contempla o livre-arbítrio) pensado por Soren Kierkegaard, e vinculou-o ao marxismo, criando, portanto, uma aberração, isto é, o existencialismo ateu. Aqui uma pausa para que eu sintonize meu rádio numa dupla sertaneja. Continuemos, pois. O pensamento de Sartre fala em liberdade irrestrita, pois o homem estaria condenado a ser livre. Essa liberdade irrestrita, estaria afeita à responsabilidade. Convoco-vos ao pensar: O sujeito deve gozar de uma liberdade irrestrita dentro da sociedade em que vive. Parece-me, salvo melhor juízo, que os membros da sociedade desfrutam da mesma liberdade da raposa no galinheiro. A sociedade tornar-se-á impraticável. E pergunto-vos: como, depois de proporcionar ampla liberdade ao cidadão, exigir dele responsabilidade? Na falta de outro termo, valer-me-ei de Utopia.

A então esposa de Sartre, Simone de Beauvoir, sai em defesa da mulher. Sim, ela mostra-se contrária ao princípio de que as mulheres são culpadas pela violência de que são vítimas. Creio que a filósofa deve ter inspirado o Projeto de Lei “Maria da Penha”. Muito embora partilhe de seu pensamento, cansa-me o discorrer piegas; é algo de cortar o coração. Simone ainda declara não caber ao homem e/ou a o Estado ditar normas sobre o comportamento feminino. Pelo exposto, devemos banir quaisquer resquícios de direito privado. Começo também a intuir um primeiro rasgo na tentativa de aniquilação da estrutura familiar.

As vozes de outra dupla sertaneja reverberam agora dentre as paredes de meu isolamento, meu apartamento. Sim, a Escola de Frankfurt.  Para não me alongar muito cito Herbert Marcuse, Theodor Adorno e Marx Horkheimer. Esta escola, também conhecida como Escola Crítica (ou seria Escola Cínica?) tem (ou tinha) a pretensão de estabelecer novos parâmetros sociais com base no marxismo, ou seja, reorganizar toda a sociedade e dar início a um movimento de contracultura. Adorno voltou-se à sociedade de mercado. Marcuse, por sua vez, creio que vitimado por uma espécie de obsessão, divulga uma teoria social crítica, onde visa superar a sociedade industrial que, segundo ele, é exploradora, bem como busca resgatar o que chama de racionalidade crítica. Sim, Marcuse, coitado, tenta até aliar a sexualidade freudiana com o comunismo marxista. Não é triste?

Sim, a escola em questão, a Escola Crítica, experimentou sua derrocada. Contudo, surge um novo bastião (eu não me referi a nenhum Sebastião), ou melhor, um guardião: o guardião que zela pela tumba da Escola de Frankfurt: Jürgen Habermas! Sim, Habermas criou uma tal de “Ética do Discurso”, que deve primar pela racionalidade e argumentação no conduzir as decisões humanas. Perdoem-me, mas no momento em que abro mais uma cervejinha bem gelada, passo a entender a filosofia de Habermas. Sim, o princípio é simples: “É conversando que a gente se entende”. Quereis lugar melhor do que mesa de bar? (Tudo a ver com a sofrência que ora me abala os tímpanos). Pena que George Bush ou Vladimir Putin não conheceram a filosofia de Habermas, pois se a tivessem conhecido o Iraque e a Ucrânia não teriam sofrido invasões. Será?

Curioso: os filofastros e seus filosofemas (palavras de Schopenhauer) contestam em muito a metafísica, mas alguns destes empregam - ou desperdiçam - seu tempo para discorrer sobre utopias. Quereis mais um exemplo? Ernst Bloch. De que trata o “Princípio Esperança” senão de mais uma utopia? Creio que sua inspiração tenha vindo de Morus, ou de Campanella, ou Platão, ou ainda Kant. Todavia, o novo marco da filosofia social - ou seria filosofia da sofrência? - tem por nome Michel Foucault. Desidratei-me (haja vista meu pranto) ao ler páginas que discorriam sobre o Sistema Penal, a tecnologia do poder e a violência das prisões. E pasmai, a coisa tem origem no Pan-óptico de Jeremy Bentham, um utilitarista.  

Não, não desanimeis; não experimenteis o descoroçoamento! Enfim, a filosofia visa apenas orientar nosso pensar (algo que não provoca dor). Ora, se vosso pensamento rebelar-se contra a “ordem filosófica vigente”, isso é sintoma claro de que a filosofia mesma está resgatando seu devido e justo lugar.  

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