A primavera chegou ainda ontem. Calor, suor ... afinal é Brasil, clima tropical, hemisfério sul. Recordo-me com dificuldades de que já li em algum lugar algo como: “tudo se dilui abaixo dos trópicos”. Esta talvez seja a versão mais elitizada do mote “não existe pecado do lado de baixo do Equador”. Bem, e o que fazer em tais circunstâncias? A casa está imersa em si mesma; as pessoas habitam seus próprios vazios. Torna-se imprescindível, assim acredito, o caminhar: um caminhar lento, tranquilo; um fazer quiescente. Poxa, como eu gostaria de passear por bosque qualquer (seria a síndrome do Chapeuzinho Vermelho?), um lugar de clima ameno, uma floresta talvez.
A falar em floresta, recordo-me de
Martin Heidegger e seu Holzwege, traduzido para o português por “Caminhos de
Floresta”. Sim, quisera poder desfrutar de um similar de Floresta Negra, um
lugar cheio de deuses, andar sem rumo por suas trilhas. Quisera poder errar por
tais veredas... Não sei ao certo, ocorre-me que o ambiente pode influenciar no
tema lucubrado, por mais que nos preocupemos com determinado assunto. Seria, de
fato? Quando caminhamos não escolhemos o que pensar; apenas pensamos. Heidegger
ocupou-se até mesmo em saber “O que é uma coisa?” “Was ist eine Ding?”
Diferentemente de Heidegger, até
porque distante da Floresta Negra, dou azo a meus pensamentos. Permito-me
formar a ideia de certo ambiente voltado às artes, porém com designe de
cafeteria. O título? “Arte, café e açúcar”. E já que a língua alemã faz-se
presente, que tal “Kunst, kaffee und Zucker?” Sim, lá, neste espaço por mim
idealizado, enquanto apreciássemos “vernissages”, independente se pintura,
literatura, teatro, dança, música, etc., poder-se-ia degustar um bom café, algo
bem brasileiro. Ter-se-ia outrossim uma boa carta de vinhos, alguns frios e,
quiçá, uma invejável coleção de whiskies. Na ausência de atividades artísticas,
seria disponibilizada música clássica ou um bom jazz, livros, jornais e
tabuleiros de xadrez... Mas o que é isso? Estarei em transe?
Pelo visto, estes são “Caminhos que
levam a lugar nenhum”. A propósito, o título do presente texto é homônimo a
designação em francês para a tradução do Holzwege. Sim, preciso afastar-me
deste pensar que conduz ao delírio; preciso do diverso. Torno-me, então, atento
ao entorno. Ouço um toque de clarim, ou seria uma simples corneta? Claro,
trata-se de ordem unida; estou de frente a um quartel. Busco e rebusco em minha
já depauperada memória os esquecidos conhecimentos musicais. Tento escrever uma
pauta. A clave de Sol, compasso 4/4. E tem lugar minha partitura: a mínima
colocada no terceiro espaço indica um dó; dois tons e meio abaixo outra mínima
colocada na segunda linha retrata a nota sol; mais três tons e meio abaixo
outra mínima, esta já no compasso seguinte, temos um outro dó, só que uma
oitava abaixo. Para finalizar, a colcheia inscrita no terceiro espaço, faz com
tenhamos aquele primeiro dó, só que com um quarto de duração em relação ao
primeiro. Está pronta: é o toque de descansar. Para o descanso basta isso:
menos de dois compassos...
Aliás, sinto-me fatigado; preciso do
tal descanso. Que tal sentar-me e partilhar de boa companhia? Dizem os cínicos,
entretanto, que, após certa idade só temos por certa a companhia de metástases.
Não, não quero pensar nisso. Política? Não, eu já não penso em política desde
que ela afastou-se do conceito aristotélico de “arte do bem governar”.
Economia? Também não; irremediavelmente pensar-se-ia em política. E súbito sou lançado
a um recente passado: a minha então vidinha de educador. Que lástima!
Envergonho-me. O que fiz! Ensinei o quê? Muni-me de livros, que agora melhor
analisados, porque relidos de modo descompromissado, mostram-se tendenciosos,
enganosos, nefastos. Rogo o perdão de meus diletos pupilos, ex-discípulos.
Insisto: Perdoai-me ex-alunos! Hoje, e sem muito ponderar, percebo que a
educação é uma grande farsa. Educadores e educandos desempenham papéis; uns
fingem ensinar, outros aprender. São tantas as variantes, as exigências e
lacunas a serem preenchidas para que alguém consiga transmitir qualquer
conteúdo, que a educação mostra-se impraticável, donde a minha mais recente
máxima: “O conhecimento é intransmissível”.
Bem, já que sem companhia, penso em
amigos. Mas os tenho em número muito reduzido. Eram três; um morreu. Que Deus o
guarde! Quanto aos dois restantes, o mais próximo reside a quase três mil
quilômetros de distância, no sudeste do país; o outro reside na cidade do Cairo,
no Egito. As verdadeiras amizades, de fato, são poucas. Aristóteles discorre
com propriedade sobre o tema em sua “Ética à Nicômacos”; inegavelmente um
belíssimo texto. Étienne de la Boétie, em seu “Discurso sobre a servidão
voluntária”, também vincula a amizade à ética. Ele chega a declarar que quem
não for ético, não tem amigos, apenas comparsas. Evidentemente que a ética
tratada por eles envolve valores. Todavia, nos dias de hoje, de modo
generalizado, quem for ético só colecionará inimigos. Infelizmente, vivemos o
ápice da inversão valorativa.
O valor, em dias atuais, parece limitar-se
ao cifrão, ao acúmulo de bens, ao capital... Pergunto-vos: Por onde andará o
bom caráter, a honestidade, a integridade? Creio que, distante de valores,
perde-se qualquer critério avaliativo, seletivo; reclamo vossa atenção para o
fato de que o mérito está em baixa, caiu em desgraça. As pessoas vinculam os
valores erradamente ao “moralismo de ocasião” e o lançam na conta da religião.
Percebestes que a cristofobia virou moda? E por falar em moda, será que existe
algo mais cultuado do que telefones celulares e redes sociais?
Fica evidente o contraste com os
personagens de minha juventude! Os predicativos a mim destinados são vintage,
ultrapassado, jurássico, etc., etc., etc. Pergunto-vos: será que os jovens têm
tanta necessidade de estarem online, logados, ou coisa assim? Não seria uma
espécie de fuga? Parece-me que as redes sociais cobrem as lacunas deixadas por
uma educação (aqui entendida de forma ampla) irresponsável, ociosa, estapafúrdia,
descompromissada. As pessoas querem apenas a posse, e para isso não medem
esforços; desconhecem o que seja limites, escrúpulos. Penso na comunicação
quando menino; vivíamos felizes ou não, informados ou não, realizados ou não,
gratificados ou não, mas sem a necessidade de estarmos “pendurados” 24 horas
por dia em aparelhos telefônicos. Ainda me recordo do único número de telefone
que toda minha família utilizava...
Alguém grita a meu lado na tentativa
de vender bilhetes “premiados” da loteria. Nesse caso, volto a pensar no
desafio diário de alguns para enriquecer sem esforço e no número de telefone de
minha avó materna. Podeis achar estranho os caminhos de meu pensar, mas
surpreendo-me a fazer uso de meus parcos conhecimentos do “jogo do bicho”: os
seis algarismos referentes ao número telefônico de então correspondem aos
grupos do camelo, do galo e do peru. Com efeito, este meu caminhar conduz-me a
lugar nenhum!
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