Se interrogado fosse acerca dos
motivos que me levam a escrever sobre temas como este, eu diria uma única
palavra: saudades! Sim, saudades. Meu pais deixaram saudades. Tive, como todo
adolescente, ainda mais numa geração como a dos anos 60, “problemas” com meus pais,
mas nunca deixei de admirá-los. Foram maravilhosos: exigentes, atenciosos,
severos quando necessário; conseguiram, de fato, educar-nos por exemplos. Transmitiram-nos
valores, muito embora à época tudo nos parecesse bobagem. Éramos companheiros;
a companhia, a convivência faz com que descubramos afinidades, das afinidades
vem a admiração e o respeito, e daí surge o amor. Meu saudosismo, contudo,
volta-se às nossas escapadas culturais. Este conceito é por mim utilizado,
porque aproveitávamos as visitas de minha mãe a casa de seus parentes.
Uma primeira oportunidade surgiu quando
aluno da Marinha; pude ir com meu velho a um teatro em Madureira, zona norte do
Rio de Janeiro, para que assistíssemos a Banda Sinfônica do Corpo de Bombeiros
executar a “Abertura 1812” de Tchaikovsky. Durante a execução pude observá-lo:
ele vibrava a cada compasso; seus olhos, de úmidos se fizeram em lágrimas,
quando os canhões russos derrotaram o exército napoleônico. Ainda de
Tchaikovsky, pudemos assistir Nelson Freire no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
A primeira parte do programa foi o Concerto Nº 1 para piano e Orquestra. Na
segunda parte, Béla Bartók deu sequência ao espetáculo, mas não conseguiu cativar-nos,
até porque somos (eu e meu pai) classificados como românticos.
A música que meu pai mais gostava, no
entanto, tinha como compositor Bedrich Smetana. Sim, ele parecia viver cada
frase, cada variação, cada trecho do Moldávia. Suas reações davam a entender
que ele conhecia cada parte do rio, cada curva; ele mergulhava e nadava naquele
rio. Aprendi a amar a música clássica por influência de meu pai. Eu falo em
influência, não em obediência, isto porque eu presenciava seu entusiasmo, algo
como um arrebatamento. Na Sala Cecília Meireles pudemos assistir a um concurso
de violonistas; a música a ser executada pelos participantes era o Concerto
para Aranjuez de Rodrigo. Meu pai encantou-se.
Em uma das minhas visitas ao Rio, isto
porque eu viva embarcado, tivemos oportunidade única de assistir na íntegra o
Messias de Handel, na Igreja da Candelária. O ambiente em muito auxiliou na
execução do obra, apesar das mais de três horas de concerto. Meu pai parecia
remoçar quando em presença da música. Para presenteá-lo, trouxe do Japão um
walkman, equipamento muito utilizado nos anos 80. Eu deliciava-me surpreendê-lo
a fazer paciência e a ouvir o Requiem de Mozart ou o Novo Mundo de Dvorjak.
Não, as saudades não me entristecem,
isto porque eu sinto a boa saudade. O que preocupa é porque, talvez, eu não
seja competente o suficiente para transmitir a meus filhos o mesmo legado
cultural deixado por meu pai.
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