terça-feira, 1 de setembro de 2020

Legado Cultural

Se interrogado fosse acerca dos motivos que me levam a escrever sobre temas como este, eu diria uma única palavra: saudades! Sim, saudades. Meu pais deixaram saudades. Tive, como todo adolescente, ainda mais numa geração como a dos anos 60, “problemas” com meus pais, mas nunca deixei de admirá-los. Foram maravilhosos: exigentes, atenciosos, severos quando necessário; conseguiram, de fato, educar-nos por exemplos. Transmitiram-nos valores, muito embora à época tudo nos parecesse bobagem. Éramos companheiros; a companhia, a convivência faz com que descubramos afinidades, das afinidades vem a admiração e o respeito, e daí surge o amor. Meu saudosismo, contudo, volta-se às nossas escapadas culturais. Este conceito é por mim utilizado, porque aproveitávamos as visitas de minha mãe a casa de seus parentes.  

Uma primeira oportunidade surgiu quando aluno da Marinha; pude ir com meu velho a um teatro em Madureira, zona norte do Rio de Janeiro, para que assistíssemos a Banda Sinfônica do Corpo de Bombeiros executar a “Abertura 1812” de Tchaikovsky. Durante a execução pude observá-lo: ele vibrava a cada compasso; seus olhos, de úmidos se fizeram em lágrimas, quando os canhões russos derrotaram o exército napoleônico. Ainda de Tchaikovsky, pudemos assistir Nelson Freire no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. A primeira parte do programa foi o Concerto Nº 1 para piano e Orquestra. Na segunda parte, Béla Bartók deu sequência ao espetáculo, mas não conseguiu cativar-nos, até porque somos (eu e meu pai) classificados como românticos.

A música que meu pai mais gostava, no entanto, tinha como compositor Bedrich Smetana. Sim, ele parecia viver cada frase, cada variação, cada trecho do Moldávia. Suas reações davam a entender que ele conhecia cada parte do rio, cada curva; ele mergulhava e nadava naquele rio. Aprendi a amar a música clássica por influência de meu pai. Eu falo em influência, não em obediência, isto porque eu presenciava seu entusiasmo, algo como um arrebatamento. Na Sala Cecília Meireles pudemos assistir a um concurso de violonistas; a música a ser executada pelos participantes era o Concerto para Aranjuez de Rodrigo. Meu pai encantou-se.

Em uma das minhas visitas ao Rio, isto porque eu viva embarcado, tivemos oportunidade única de assistir na íntegra o Messias de Handel, na Igreja da Candelária. O ambiente em muito auxiliou na execução do obra, apesar das mais de três horas de concerto. Meu pai parecia remoçar quando em presença da música. Para presenteá-lo, trouxe do Japão um walkman, equipamento muito utilizado nos anos 80. Eu deliciava-me surpreendê-lo a fazer paciência e a ouvir o Requiem de Mozart ou o Novo Mundo de Dvorjak.

Não, as saudades não me entristecem, isto porque eu sinto a boa saudade. O que preocupa é porque, talvez, eu não seja competente o suficiente para transmitir a meus filhos o mesmo legado cultural deixado por meu pai.  

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