sábado, 3 de outubro de 2020

A terminologia contemporânea

 

Vós não podeis mensurar o quanto sinto saudades da tristeza. Isso mesmo; quem diria, heim?  Tristeza a inspirar saudades! A contemporaneidade parece tê-la relegada ao ostracismo. Então, até por uma questão de elegância, sinto-me no dever de declarar em bom inglês: “Sadness was replaced by depression”. Os dias de hoje carecem de tristonhos, muito embora abundem em depressivos. Mas, se não me é falha a vetusta sensibilidade, depressão não inspira poetas. E a falar em poesia, certa tristeza busca invadir-me, mas ... antes que eu me deprima, mudemos o tema.

Não posso dizer, evidentemente, que sinta falta dos irritados, dos nervosos, dos iracundos, etc., mas por onde andaria esta parcela significativa da sociedade? Parece-me que também foram substituídos. Sede bem-vindos estressados! O dia-a-dia na contemporaneidade é incapaz de provocar irritação, apenas estresse. Curioso é como estes e aqueles têm origem nas mesmas perturbações orgânicas e psíquicas. Não obstante, irrita-me o fato da patente vulgarização do estresse. Como o sangue já me sobe à cabeça, ...

E quanto aos tiques nervosos? Falo de manias. Conseguis lembrar de Wilson Simonal a cantar “mania é coisa que a gente tem mas não sabe porquê...”? Não falo em maníacos, pois que estes sempre farão parte do cotidiano. Porém, e a pessoa organizada, limpa, asseada? Esta passou a ser marginalizada, pois assimilou um atributo que lhe rotula como possuidor de TOC - Transtorno Obsessivo Compulsivo. Eu só posso entender tal assertiva como sinais dos tempos. E o pior é que a presente afirmativa dá margem a uma falácia utilizada amiúde pelos bagunceiros: “Existe ordem no caos!” Aproveito o ensejo para eternizar minha resposta aos desordeiros: “Se existisse ordem no caos, este seria cosmo”.

Poderíamos parar por aqui, no entanto, já observastes que, hodiernamente, não mais sentimos medo? Sim, hoje desenvolvemos apenas fobias. Seria a fobia um medo exagerado? Bem, antes que meu medo transforme-se em fobia e eu revele toda minha loucura... ou seria neurose? Se bem que minha loucura tem por base a insensatez, a doidice; há alguma alienação mental, é fato, mas a extravagância seria considerada neurose? Reclamo vossa atenção para o fato de que a extravagância permeia toda nossa vida. É dentre os extravagantes que encontramos identificação intelectual e afetiva, ou seja, afinidade. Ou trata-se de empatia?

Pois bem, a fazer uso de minha capacidade analítica, somada, é claro, à certa dose de humor, percebo que significativa parte da terminologia contemporânea obedece aos ditames de uma “ciência” (???), que garante desvendar o grande mistério que atende pelo nome de ser humano. A popularização da dita “ciência”, contudo, tornou-a banal e desmedida, haja vista o presente texto. Mas nefasto mesmo foi o surgimento do psicologismo. Este, que através de seus “especialistas” promete ter respostas para tudo, invadiu lares, mentes, situações, relações e faz tempo que esfrega o ilustre “bumbum” aboletado nas cadeiras das salas de aulas, pervertendo, inclusive, a educação e os valores das novas gerações.   

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