Aristóteles, em se tratando de conhecimento, classificou o saber em três campos distintos. Chamou a esses saberes ciências - o termo ciência aqui deve ser entendido como conjunto de conhecimentos bem fundamentados. Às primeiras denominou ciências poiéticas: aquelas voltadas às artes, às técnicas de fabricação de um produto qualquer. Na verdade seriam ciências produtivas, pois que visam a um resultado. Às segundas chamou de ciências práticas, pois estas estariam ligadas diretamente às atividades práticas, o que pressupõe a conduta humana. A terceira e última classificou-a de ciência teorética, ou melhor dizendo, o conhecimento voltado ao que escapa do mundo sensível, ao que só pode ser contemplado. E por escapar ao mundo sensível, esta trata do imutável, do conhecimento inalterado. Esta ciência seria superior às outras; seria a verdadeira filosofia, a filosofia primeira ou a proto filosofia.
A meu ver, a beleza da filosofia está
exatamente em investigar o que foge ao nosso domínio, o que nos desafia a
capacidade de conhecer, o que busca limitar-nos. A vera filosofia é, portanto,
o bios teoréticos, a vida contemplativa em todo o seu glamour; a pura atividade
racional, o pensamento metafísico. Contudo, há os que criticam tal postura a
alegar que a contemplação não tem aplicação em nosso dia-a-dia. Não? Será? Além
do mais, a filosofia propõe apenas questionamento; não promete qualquer
resultado prático...
Nada obstante, há os que confundem
filosofia com autoajuda; passam a vida acadêmica a ler semelhantes “livros” e
quando se formam ... Conseguem colar grau? Por incrível que pareça, eles colam
grau; têm inclusive professor orientador. Pois bem, conheci um destes exemplares
que, depois de formado, mandou pintar no portão de casa uma coruja com o
seguinte epígrafe: “Filósofo. Dá-se consultas. Trago a pessoa amada de volta
por mais difícil que possa parecer”. Brincadeiras à parte, devemos respeitar a
decisão dos que se propõe ao conhecimento de técnicas produtivas, se bem que a
estes não se deve conferir o título de filósofo.
Quanto aos amantes das ciências
práticas, a que se volta às ações, surge um empecilho. Sim, por tratar-se de
conhecimento voltado à conduta humana, é recorrente o apelo à retórica, ao
sofisma, à afetação ridícula. Percebestes que o ser humano aprende a chorar
para conseguir seu intento ainda quando lactente? Pois bem, os “filósofos” - um
expressivo número - que apoiam este recurso lúdico e, (por que não?) rasteiro, buscam
suporte no existencialismo, seja ele cristão ou ateu, para darem vazão a seus
próprios complexos (e não são poucos os complexos).
Outra grande corrente filosófica - a
que não raramente é confundida com autoajuda - recorre com frequência à Escola
de Frankfurt, onde Herbert Marcuse, um de seus patriarcas, busca unir a afamada
sexualidade pervertida de Freud com o sofrível comunismo de Marx e Engels. Nem
todos os alemães, infelizmente, dedicaram-se ou dedicam-se à investigação puramente
racional, pois Jürgen Habermas, o pop star da filosofia contemporânea,
empenha-se em cultuar e dar sobrevida aos mortos-vivos da escola crítica.
A filosofia prática, de um modo geral,
talvez buscando dar corpo ao contraditório princípio exarado na Revolução
Francesa - Liberté, Égalité, Fraternité -
prima por um expediente claudicante (pelo menos em se tratando de filosofia),
pois exalta a sensibilidade, o lamento. Em verdade, deparamo-nos com uma singular
pieguice filosófica. Os franceses, em sua maioria, buscam pintar a filosofia
com as cores de um filme noir, onde não faltam o mistério, o drama, o suspense e
o excessivo sentimentalismo como recurso.
É, de fato, preocupante. Tal leitura
deveria ser prescrita, assim como uma receita médica, necessitando, inclusive,
de prévios exames de saúde. A obra desses “filósofos”, deveria apontar em suas
notas introdutórias os efeitos colaterais e contraindicações, pois não foram
poucas as vezes em que, ao ler filosofia francesa, fiquei com os olhos marejados
de lágrimas, e, sem exagero algum, vi-me bem próximo da depressão.
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