terça-feira, 18 de maio de 2021

Do espírito crítico

 

É bastante comum usar como argumento justificador da educação, independente se em escolas fundamentais, secundárias ou de terceiro grau, o desenvolvimento do espírito crítico. Todavia, a meu ver, o afamado espírito crítico tem como pressuposto certo grau de informação. O conhecimento seria, portanto, conditio sine qua non para a realização desta exigência pedagógica.

E como referi-me à pedagogia, lanço mão de uma ferramenta sobremodo eficaz no ensino-aprendizagem: vou desenvolver o conceito de crítica, valendo-me de sua raiz histórico-etimológica. Vejamos! Iniciarei pelo idioma grego, e mais especificamente pela medicina grega. Pois bem, a ciência grega que procura debelar ou atenuar os males, a medicina, busca antes de tudo pautar-se na natureza. O fato de estar doente manifesta apenas um desequilíbrio entre ser humano e natureza, a physis. Pois bem, pergunto-vos: qual o termo médico utilizado para nos referirmos a uma doença qualquer, ou seja, a um desequilíbrio? Patologia, isso é, o estudo das doenças. A palavra patologia tem sua origem no termo pathos, empregado na medicina grega para falar em excesso, sofrimento, ou seja, um desequilíbrio.  

E vós, creio que por mera curiosidade, perguntar-me-ás: E o que isso tem a ver com crítica? Continuo. Já a saber o que é uma doença, um pathos, pergunto-vos: E como as doenças se manifestam? Muito bem, bravo; todos vós respondestes: Através de sintomas! Curiosamente a palavra utilizada na medicina grega para designar sintoma é krisis, isto é, um desequilíbrio sensível, a fase decisiva de uma doença. Devo lembrar-vos da crise de amígdalas, das crises renais, etc. Então observo vossa insistência: E onde entra a crítica nesse estudo linguístico? Pois bem, a fazer-me célere, respondo-vos: Já identificamos a doença, o pathos, através de seus sintomas, krisis, falta-nos apenas o tratamento da mesma, ou seja, o reequilíbrio. A palavrinha grega seria crítica, kritiki, a prática médica que leva à prevenção. A crítica portanto, está ligada à análise, à prevenção, à capacidade de julgar.

Em face do exposto, posso afiançar-vos que a capacidade de atenuar males e reequilibrar disfunções exige conhecimento. Assim como o médico, que demanda vários e vastos saberes para promover curas, todos aqueles que se propõem a sanar “desequilíbrios sociais” devem procurar conhecer em profundidade a temática em questão, a deixar de lado, inclusive, as ideologias. Muito embora a apologia feita ao espírito crítico nas escolas e universidades, as instituições vinculadas à prática educacional não contemplam o conhecimento. A vida escolar/acadêmica preocupa-se sim em desenvolver o sentido figurado do conceito de crítica, ou seja, a opinião desfavorável, a censura, a condenação. Esse apequenar do conceito depõe contra o próprio conceito, que acaba maquiado por um manto de fofoca.

Doravante, portanto, tenhamos atitudes maturadas, responsáveis, consequentes; deixemos de lado o vício contraído no trato com comadres e seus fuxicos ornamentais. Empenhemo-nos no aprendizado, no assimilar os mais variados saberes. Alguém, certa feita, declarou: “O saber não ocupa lugar!” Não mais exerçamos esta atípica “medicina ilegal” recheada de intrigas. Sejamos sóbrios em nossas apreciações, em nossas análises. E Ludwig Wittgenstein vem corroborar todo meu empenho: “A crítica pressupõe conhecimento”.  

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