“Acrescentou Deus: toma teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas e vai-te à terra de Moriá; oferece-o ali em holocausto, sobre um dos montes que eu te mostrarei”. Gênesis, 22:2
Deus prometera descendência a Abraão,
contudo, Sara, mulher a princípio estéril, só experimentou a maternidade em
idade avançada. E o único filho do casal agora seria imolado...
Disponho-me a observar o dilema de
Abraão. Sacrificar o próprio filho! Se bem que, pode-se falar efetivamente em
dilema? Parece-me que houve opção satisfatória; nada de conjuntura difícil;
pelo contrário, teve lugar uma sábia decisão. E por que crer literalmente no
referido relato? Não estaríamos diante de uma linguagem figurada, de uma
simbologia arquetípica? Afinal, afigura-se-me algo como uma situação absurda!
Mas o que é o absurdo? Aquilo que repugna a razão. E quem nos garante que a
decisão foi pautada na razão? Podemos falar em sensatez, em circunspecção e
prudência? Creio que não.
Bem, posta de lado a razão,
voltemo-nos à questão moral (pode-se até mesmo falar em ética). Pergunto-vos: no
tocante à decisão tomada por Abraão, houve preocupação com a moralidade, ou
seja, justiça, correção, decência, honestidade, integridade, probidade? Estes
valores vinculam-se à ética. Percebemos, por ventura, na referida narrativa
bíblica a preocupação em seguir regras de conduta? Parece-me que não... Sim, a
moralidade, bem como a Ética têm origens na razão. Ora, se deixada de lado a
causa, desprestigiadas estão as consequências.
Neste momento, ainda em função da
moral, alguém evoca o pecado. Lógico, a moral não ignora o pecado; se o fizesse
seria conhecimento vão, seria sem fundamento, algo totalmente fútil. E
paradoxalmente, quando a moral admite o pecado, reconhece-o fora de sua esfera.
O que nos resta? A razão nos permite discorrer e demonstrar conhecimento sobre
o palpável, sobre o mensurável, sobre o real. Não obstante, revela-se limitada
no que tange aos objetos que transcendem aquilo que é manifesto, que é evidente.
E como devemos nos portar em presença do transcendente? A razão mostra-se
inapropriada. Poderíeis, talvez, falar em dever. Mas de que trata esse dever? Dever
moral, evidentemente. No entanto, dever moral é o compromisso assumido de um Eu
consigo mesmo e com mais ninguém, o que ainda implica moralidade.
Ficamos, consequentemente, diante da
fé. E esta não se vincula à moral ou à razão. A fé é paixão, a mais alta paixão
humana. A tão louvada razão é nada mais que mero recurso da própria paixão.
Muitos são os seres humanos que, sequer, conseguem alcançar esta grandiosidade
da paixão. Abraão alcançou-a!
Há, por certo, preocupação (ou seria
especulação?) acerca do imo consciencial de Abraão. Todavia, afirmo-vos que ele
não se mostrou acomodado. Tampouco houve resignação; ele não renunciou a
Isaque. Em momento algum o pai mostrou-se distante de qualquer preocupação com
o filho. Sim, sem dúvida, a angústia esteve presente. E Abraão manteve-se em
silêncio. Embora digam que o silêncio é armadilha do demônio, ele é também a
etapa onde o indivíduo torna-se consciente de sua ligação com a divindade. A
falta de coragem pode tê-lo incomodado, mas a isto não se pode chamar de
humildade. Sören Kierkegaard já o afirmara: “A coragem da fé é o único ato de
humildade”. Precisamos desse ato para aproximarmo-nos de Deus. O mesmo
Kierkegaard afirmara; “Amar a Deus com fé é refletir-se no próprio Deus”. A
atitude de Abraão sugere a reverência e a honra demonstrada por uma obediência
inquestionável; uma total confiança. Yahweh
Yir’eh, “O Senhor proverá” expressa toda a confiança que Abraão tinha no
Senhor.
Evitemos, portanto, eleger o intelecto
como panaceia a toda mundivivência; nem sempre a razão, a moral, a ética ou o
dever atendem às demandas do cotidiano. E quando as coisas se nos mostrarem
“absurdas”? Atenhamo-nos à fé; a fé partilha de nosso dia-a-dia. Precisamos
crer. Não temamos! Nada de humildade fabricada! Sejamos corajosos! E se
perguntados por que credes, respondei simplesmente: Creio porque é absurdo!
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