terça-feira, 25 de maio de 2021

Credo quia absurdum est

“Acrescentou Deus: toma teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas e vai-te à terra de Moriá; oferece-o ali em holocausto, sobre um dos montes que eu te mostrarei”.      Gênesis, 22:2

Deus prometera descendência a Abraão, contudo, Sara, mulher a princípio estéril, só experimentou a maternidade em idade avançada. E o único filho do casal agora seria imolado...

Disponho-me a observar o dilema de Abraão. Sacrificar o próprio filho! Se bem que, pode-se falar efetivamente em dilema? Parece-me que houve opção satisfatória; nada de conjuntura difícil; pelo contrário, teve lugar uma sábia decisão. E por que crer literalmente no referido relato? Não estaríamos diante de uma linguagem figurada, de uma simbologia arquetípica? Afinal, afigura-se-me algo como uma situação absurda! Mas o que é o absurdo? Aquilo que repugna a razão. E quem nos garante que a decisão foi pautada na razão? Podemos falar em sensatez, em circunspecção e prudência? Creio que não.

Bem, posta de lado a razão, voltemo-nos à questão moral (pode-se até mesmo falar em ética). Pergunto-vos: no tocante à decisão tomada por Abraão, houve preocupação com a moralidade, ou seja, justiça, correção, decência, honestidade, integridade, probidade? Estes valores vinculam-se à ética. Percebemos, por ventura, na referida narrativa bíblica a preocupação em seguir regras de conduta? Parece-me que não... Sim, a moralidade, bem como a Ética têm origens na razão. Ora, se deixada de lado a causa, desprestigiadas estão as consequências.

Neste momento, ainda em função da moral, alguém evoca o pecado. Lógico, a moral não ignora o pecado; se o fizesse seria conhecimento vão, seria sem fundamento, algo totalmente fútil. E paradoxalmente, quando a moral admite o pecado, reconhece-o fora de sua esfera. O que nos resta? A razão nos permite discorrer e demonstrar conhecimento sobre o palpável, sobre o mensurável, sobre o real. Não obstante, revela-se limitada no que tange aos objetos que transcendem aquilo que é manifesto, que é evidente. E como devemos nos portar em presença do transcendente? A razão mostra-se inapropriada. Poderíeis, talvez, falar em dever. Mas de que trata esse dever? Dever moral, evidentemente. No entanto, dever moral é o compromisso assumido de um Eu consigo mesmo e com mais ninguém, o que ainda implica moralidade.

Ficamos, consequentemente, diante da fé. E esta não se vincula à moral ou à razão. A fé é paixão, a mais alta paixão humana. A tão louvada razão é nada mais que mero recurso da própria paixão. Muitos são os seres humanos que, sequer, conseguem alcançar esta grandiosidade da paixão. Abraão alcançou-a!

Há, por certo, preocupação (ou seria especulação?) acerca do imo consciencial de Abraão. Todavia, afirmo-vos que ele não se mostrou acomodado. Tampouco houve resignação; ele não renunciou a Isaque. Em momento algum o pai mostrou-se distante de qualquer preocupação com o filho. Sim, sem dúvida, a angústia esteve presente. E Abraão manteve-se em silêncio. Embora digam que o silêncio é armadilha do demônio, ele é também a etapa onde o indivíduo torna-se consciente de sua ligação com a divindade. A falta de coragem pode tê-lo incomodado, mas a isto não se pode chamar de humildade. Sören Kierkegaard já o afirmara: “A coragem da fé é o único ato de humildade”. Precisamos desse ato para aproximarmo-nos de Deus. O mesmo Kierkegaard afirmara; “Amar a Deus com fé é refletir-se no próprio Deus”. A atitude de Abraão sugere a reverência e a honra demonstrada por uma obediência inquestionável; uma total confiança. Yahweh Yir’eh, “O Senhor proverá” expressa toda a confiança que Abraão tinha no Senhor.

Evitemos, portanto, eleger o intelecto como panaceia a toda mundivivência; nem sempre a razão, a moral, a ética ou o dever atendem às demandas do cotidiano. E quando as coisas se nos mostrarem “absurdas”? Atenhamo-nos à fé; a fé partilha de nosso dia-a-dia. Precisamos crer. Não temamos! Nada de humildade fabricada! Sejamos corajosos! E se perguntados por que credes, respondei simplesmente: Creio porque é absurdo!  


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