quinta-feira, 20 de maio de 2021

O Super-homem

 

Dentre aqueles que atentaram contra - e acreditam ter matado - Deus é contumaz o argumento de que uma enérgica crise de valores os tenha vitimado; acreditam com isso justificarem a sucedânea carência de fé. Contudo, a espontânea privação da fé, ou sua fragmentação, precedeu a dita crise de valores. Ora, a substituição de uma crença por outra (uma não crença), pressupõe a necessidade mesma da fé. Em nada atenua falar em decepções. Historicamente, os desapontamentos andam pari passu ao existir humano. Todavia, pergunto-me: não seria o desapontamento instrumento de potencialização da própria fé? Na verdade, seres humanos, de um modo geral, necessitam de tutela, de sentirem-se amparados por algo que lhes transcenda os restritos limites, ou seja, de um objeto de fé; na falta deste percebe-se a busca por paliativos.

Voltemo-nos, portanto, aos desapontamentos e a consequente busca por paliativos. Em virtude da decepção com antiquados mitos, novos foram criados e até hoje são cultuados; desiludiram-se com os heróis, pois muitos deles se lhes assemelhavam no tocante às imperfeições, às depravações; experimentaram o malogro com o Deus único, pois em pouco tempo este foi tornado ditador, rancoroso, vingativo pelos que dele se diziam representantes. Então iniciou-se o abandono do suprassensível. Desapontaram-se com a ciência que lhes prometera felicidade; veio o fracasso na política que se apresentara como panaceia. Na insana procura pelo amparo de um substituto, lançaram-se à ética, se bem que a emenda confirmou-se pior que o soneto, pois esta, confundida com o moralismo, deu início a uma perda gradativa de valores.

O que restou, afinal? O Eu eclodiu, avultou-se, exacerbou-se. A resposta foi a supervalorização do indivíduo. Friedrich Nietzsche a definiu como “Der Wille zur Macht”, a Vontade de Poder, a única força que deve mover o ser humano; toda ambição, esforço, realização deve objetivar o alcance da mais alta posição durante a existência. Eis o Super-homem! Nada obstante, parece-me que humanos, cujas ações “não mais causam espanto”, em face de torpe hermenêutica, resolveram passar por cima de tudo e todos para tornarem-se novos deuses, tão semelhantes Àquele que lhes foi apresentado pelos sacrílegos e que julgaram assassinar. O filósofo, no entanto, assim creio, não contava com o surgir de “lacradores”, com a busca desenfreada das pessoas por tornarem-se celebridades, com o advento das selfies, com o granjear de seguidores nas redes sociais.   

Se me perguntado fosse pelos apanágios do mundo atual, eu diria consternado: ambientes frívolos, relações superficiais, poderosos em excesso, famosos em demasia... Deuses não; semideuses: abundantes, de caracteres efêmeros, nem mesmo dignos de cultos transitórios. E eu, como poderia conceituar-me em meio a esta criação bizarra? Eu sou alguém para ser temido, um Super-homem, e não por ter atentado contra Deus, mas sim por ter em Deus meu único aliado. Deus é minha principal força motriz, minha vontade de poder, conquanto algo nada ambicioso. E àqueles que duvidam, declaro: I’ll be forever!

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