Dentre aqueles que atentaram contra -
e acreditam ter matado - Deus é contumaz o argumento de que uma enérgica crise
de valores os tenha vitimado; acreditam com isso justificarem a sucedânea carência
de fé. Contudo, a espontânea privação da fé, ou sua fragmentação, precedeu a
dita crise de valores. Ora, a substituição de uma crença por outra (uma não
crença), pressupõe a necessidade mesma da fé. Em nada atenua falar em
decepções. Historicamente, os desapontamentos andam pari passu ao existir
humano. Todavia, pergunto-me: não seria o desapontamento instrumento de
potencialização da própria fé? Na verdade, seres humanos, de um modo geral,
necessitam de tutela, de sentirem-se amparados por algo que lhes transcenda os
restritos limites, ou seja, de um objeto de fé; na falta deste percebe-se a
busca por paliativos.
Voltemo-nos, portanto, aos
desapontamentos e a consequente busca por paliativos. Em virtude da decepção
com antiquados mitos, novos foram criados e até hoje são cultuados;
desiludiram-se com os heróis, pois muitos deles se lhes assemelhavam no tocante
às imperfeições, às depravações; experimentaram o malogro com o Deus único,
pois em pouco tempo este foi tornado ditador, rancoroso, vingativo pelos que
dele se diziam representantes. Então iniciou-se o abandono do suprassensível. Desapontaram-se
com a ciência que lhes prometera felicidade; veio o fracasso na política que se
apresentara como panaceia. Na insana procura pelo amparo de um substituto,
lançaram-se à ética, se bem que a emenda confirmou-se pior que o soneto, pois
esta, confundida com o moralismo, deu início a uma perda gradativa de valores.
O que restou, afinal? O Eu eclodiu,
avultou-se, exacerbou-se. A resposta foi a supervalorização do indivíduo.
Friedrich Nietzsche a definiu como “Der Wille zur Macht”, a Vontade de Poder, a
única força que deve mover o ser humano; toda ambição, esforço, realização deve
objetivar o alcance da mais alta posição durante a existência. Eis o
Super-homem! Nada obstante, parece-me que humanos, cujas ações “não mais causam
espanto”, em face de torpe hermenêutica, resolveram passar por cima de tudo e
todos para tornarem-se novos deuses, tão semelhantes Àquele que lhes foi
apresentado pelos sacrílegos e que julgaram assassinar. O filósofo, no entanto,
assim creio, não contava com o surgir de “lacradores”, com a busca desenfreada
das pessoas por tornarem-se celebridades, com o advento das selfies, com o
granjear de seguidores nas redes sociais.
Se me perguntado fosse pelos apanágios
do mundo atual, eu diria consternado: ambientes frívolos, relações superficiais,
poderosos em excesso, famosos em demasia... Deuses não; semideuses: abundantes,
de caracteres efêmeros, nem mesmo dignos de cultos transitórios. E eu, como
poderia conceituar-me em meio a esta criação bizarra? Eu sou alguém para ser
temido, um Super-homem, e não por ter atentado contra Deus, mas sim por ter em Deus
meu único aliado. Deus é minha principal força motriz, minha vontade de poder, conquanto
algo nada ambicioso. E àqueles que duvidam, declaro: I’ll be forever!
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