Eis uma outra história a envolver a flor e o beija-flor. No entanto, algumas especificidades acerca dos personagens devem ser apresentadas a título de ambientação. O pássaro em questão, por exemplo, vê-se liberto de qualquer figura lendária, bem como alienado de significados metafísicos. A flor, por sua vez, revela-se nada sedutora, algo caprichosa e carente de néctar. Então, de repente, não mais que de repente, desponta um primeiro questionamento: Será que, em face de tais características, poder-se-ia ainda falar de amor? Vejamos!
E lá está o beija-flor a vagar entre
as flores do bem tratado jardim. Aquele revolutear, além de irrequieto,
parece-me manifestar algo de inconsequência; há também um quê de arrogância,
haja vista o pássaro entender que as flores teriam o “dever” de entregar-lhe o
néctar. Não, dirá o astuto Bem-te-vi, colher o néctar é apenas uma expectativa
de direito, não um direito. Mas o adejar contínuo da ave vem corroborar o
servilismo de grande parte das flores. São elas Hibiscos, Brincos-de-princesa,
Tajetes, Lantanas...
Nota importante: não somente seres
humanos deparam-se com imprevistos. Sim, durante o irresponsável esvoaçar, certa
imagem reclama a atenção do ariramba: uma Dactylis Glomerata, o exemplar da anemofilia. O cuitelo pousa, volta o pescoço e busca
pensar: “Por que aquela flor? Sua cor não é vermelha, nem mesmo alaranjada...
aquilo parece uma erva”. Bate as asas, aproxima-se e torna a pousar.
Experimenta contato e murmura: “Folhas ásperas, indiferentes. Que absurdo!”
Pensou na sensibilidade da Mimosa Pudica. Num misto de revolta permitiu-se
irritar: “Aquele exemplar não precisava dele para polinizar; preferia o contato
com o vento em detrimento ao partilhar de sua elegância e cores”. Todavia, algo
ali o atraía. Mas, o que?
Ainda a questionar-se alçou voo,
passeou, “beijou” algumas Lantanas e experimentou o suave sabor do néctar.
Muito embora satisfazer a natureza, entre adejares e pousos para descanso, a
anemófila não lhe saia da mente. Refugiado em alto ramo de um fanerógamo
qualquer, livre do assédio ou ataque de predadores, pôs-se a pensar: Que
sentimento seria este? Ele sempre amou as plantas, pois elas sempre lhe
forneceram o melhor de si. Este fora o amor que até então conhecera: uma
espécie de interdependência. Não? Enganara-se? Fechou os pequeníssimos olhos e
a Dactylis Glomerata surgiu a sua frente. Sim, aquela primavera viera trazer-lhe
ensinamentos na fase outonal da vida. Nada se extrai do ser amado; amor se
experiencia. O amor é imprevisibilidade, amor é independência, amor é
liberdade!
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